Sunday, March 30, 2014

A nova lei

A nova lei



Importantes orientais curvam-se respeitosamente e fazem negócios milionários por todo o território nacional. Gays esvoaçam suas múltiplas cores e proclamam seu ponto de vista para a nação. Casam-se com quem amam, protegidos pela constituição. Homens da raça negra, extremanete elegantes, em suas roupas de marca, dão entrevistas na televisão. Latinos tornam-se famosos nos jogos, nas artes e em outras áreas também. O vietnamita e o cubano requerem sua cidadania, que é garantida pela lei da imigração. São todos livres, com direitos iguais, sem retaliação.
Revoltados com tudo isso, num lugar escuro do sul, demônios medonhos, sujos, estão indignados com as coisas em questão. Reviram seus armários procurando o capuz branco com a inscrição “KKK”. Querem queimar tudo, mas não podem. Agora precisam conter seu ódio na privacidade de seu lar. Há uma nova lei, é a lei da nova nação.


Friday, March 21, 2014

Lançamento de novo livro no Amazon

Lançamento de novo livro no Amazon: ESTRANHAS HISTÓRIAS II


Nada de novo no front ocidental

Nada de novo no front ocidental


Em algum lugar da América do Norte, o velhinho estava matando o tempo na varanda de sua casa. De repente avistou alguma coisa na distância. Apertou bem a vista e gritou para a esposa lá dentro de casa:
-Querida, alguma coisa vem vindo. Parece um cavaleiro.
-É mesmo?
-Sim, está segurando as rédeas com a mão esquerda e, na direita, está com uma bandeira da Confederação. Acho que é um soldado sulista.
-Puxa, é mesmo? Acho bom você se preparar.
-Espera um pouco, acho que estava enganado. Parece um tanque de guerra com a bandeira americana no alto.
-Que bom, então podemos ficar sossegados.
-Um momento, deixa examinar melhor.
Daí, ele apertou mais a vista, cobriu a testa com as mãos e anunciou:
-Está tudo errado.
 O tanque é dos russos. Posso ver a bandeirinha com a foice e o martelo.
-Nossa...
-É isso, querida, agora tenho certeza. Os russos estão chegando.
Lá dentro a velhinha está ocupada e perdendo a paciência. Desabafa, baixinho, para si mesma:
-Coitado, além de ceguinho, acho que está ficando esquizofrênico.
Ele acha que ouviu alguma coisa e tenta conferir:
-Meu bem, você falou alguma coisa?
Ela não responde e, então, ele fala consigo mesmo, baixinho:
-Coitada da minha velhinha. Acho que ela já não consegue mais ouvir como antes.
Olha de novo e não consegue mais ver os russos. Grita, então, com todas as forças:
-Não precisa mais se preocupar, querida. Os russos desistiram. Acho que não vêm mais.
Ela para o que está fazendo, dá um suspiro e fala bem alto.
-Que bom, querido, agora você pode descansar.
Ele, então, senta-se na confortável cadeira da varanda e dali a pouco começa a dormir.
Preocupada com o silêncio, a paciente velhinha vem até a varanda, só para conferir. Vendo o marido no terceiro sono, suspira, aliviada, e murmura baixinho para ele não acordar:

-Dorme, querido, não há nada de novo no front ocidental...

Wednesday, March 19, 2014

Uma estranha comparação: os voos G3 1907 e MH 370

Uma estranha comparação: os voos  G3 1907 e MH 370



A imprensa americana praticamente suspendeu sua programação normal para dar atenção total ao desaparecimento do Boeing 777 da Malaysia Airlines. É um assunto que atrai a atenção e dá audiência, sem dúvida. Qualquer acidente aéreo, mesmo com poucas vítimas fatais, chama a atenção do público americano e é bastante explorado pelos meios de comunicação. Às vezes até uma derrapagem na pista ou um pouso forçado sem vítimas, toma horas e horas televisivas. No caso atual, várias empresas, tal como a CNN, estão formando paineis, grupos de discussão. Especialistas em diversas áreas dão suas opiniões. São levantados todos os tipos de teorias, inclusive de conspiração.
E agora vem algo que incomoda. Quando houve o acidente com a GOL, voo 1907, em 2006, a imprensa por aqui praticamente se calou. Quem sabia da notícia, tinha de ficar esperando muito tempo até que alguém falasse sobre o assunto. Às vezes, a notícia aparecia rapidamente naquelas faixas embaixo da tela, que ficam passando o tempo todo. Seria por causa da participação no acidente de um avião que, embora comprado no Brasil – o Legacy – pertencia a uma empresa de táxi aéreo americana? Talvez por que entre os passageiros do jato da Embraer estava um colunista do New York Times, o senhor Joe Sharkey? Qualquer hipótese é absurda. Mas esse é um fato: o acidente do voo G3 1907 foi o relativamente menos noticiado na imprensa dos Estados Unidos nos últimos anos. E, garanto, foi um acidente diferente, que daria uma enorme audiência. Pelo acidente em si e por envolver uma tripulação americana.Teve menos cobertura do que um acidente com um ônibus na Índia. É um fato tão misterioso quanto o voo MH 370...


Monday, March 17, 2014

Facebook e “old book”

Facebook e “old book”



O Genésio levantou cedo, passou pela banca de jornais, falou com o “seu” Armindo e depois parou na venda. Lá tinha mais gente. Contou para todos as novidades que o Armindo lhe confidenciara. A esposa do Genésio saiu logo depois, passou pela quitanda. Escolheu uns tomates lindos e baratos, e depois avisou a Dona Isabel para passar logo lá antes que eles acabassem. Isso aconteceu quando ela foi dar uma olhada na lojinha de roupas da Mafalda. A Mafalda ouviu a conversa e avisou para outros fregueses, também, dos tomates fresquinhos e baratos que havia na quitanda. O japonês estava feliz porque a mercadoria estava saindo à beça.

Isso faz muito tempo, há bem mais de trinta anos. Na época, era assim que o povo “curtia” e “compartilhava” as coisas. Era o Facebook da época, sem computador e sem Internet. Era tudo pelo “old book”.

Sunday, March 16, 2014

Uma foto comovente

Uma foto comovente


Na esquina da metrópole, uma cena comum. O garoto estende a mão, pedindo ajuda. Tem fome, precisa comer. Seu olhar aflito, faminto, capta a atenção do renomado fotógrafo que passeia pela cidade. Com seu olho artístico, capta o ângulo certo e faz várias tomadas. No seu estúdio, dosa as sombras, escolhe a melhor pose, a melhor perspectiva. Profissional independente, vende sua obra de arte pela melhor oferta.
Aquele menino sofrido, olhar triste e mendigo, faz fama por todo o lado. O fotógrafo fica famoso, dá reportagens. Falam sobre o assunto, o das crianças abandonadas. Líderes dão declarações, governantes prometem novas políticas, artistas fazem show para arrecadar fundos. É uma foto internacional, vira símbolo de uma causa.

Lá na esquina, entretanto, o menino continua do jeito que estava. Pequeno, pedinte, procurando com o olhar triste. Tudo o que ele queria, era tão somente um pedaço de pão para matar a sua fome.

Friday, March 14, 2014

O avião que sumiu e outras coisas mais

O avião que sumiu e outras coisas mais


O avião sumiu, onde está eu não sei. A Ucrânia protestou, a Rússia aproveitou e invadiu a Crimeia. Quem tem razão, eu não sei. Os Estados Unidos não gostaram, onde se viu invadir um país assim, sem mais nem menos, nos tempos de hoje? Eles têm razão? Eu não sei. O Brasil precisa ganhar esta copa. Vai ganhar? Eu não sei.
Mas eu sei que mais de 2000 pessoas somem a cada dia só nos Estados Unidos. Sei também que o pessoal de Wall Street vai ganhar muito dinheiro esse ano. Sei que ganharam muito nos anos anteriores e que vão ganhar muito num futuro próximo e distante.
Existem coisas que todo mundo sabe mas não fala. Existem muitas coisas que as pessoas não sabem, mas mesmo assim insistem em falar sem saber. E quanto menos sabem, com mais autoridade o fazem.
Nada importa muito, o mundo continua girando, de uma forma ou outra. Agora, se o pessoal de Wall Street parar de ganhar dinheiro, vai ser um problema. Isso vai importar. Todos vão ficar sabendo e todos vão sofrer as consequências, principalmente os que nunca ganharam nada na história. Efeito colateral, é o que dizem.

No fim, acho que vão achar o avião. Certeza eu não tenho. Não tenho certeza de nada. Quase nada. A única certeza é a do pessoal de Wall Street...

Saturday, March 8, 2014

Queixada, marceneiro

Queixada, marceneiro



Aquele cheiro de cedro e peroba acariciava meu olfato. Eu não conhecia os nomes dessas madeiras ainda, era muito pequeno, mas o resto eu sabia tudo. Meu pai trabalhava com elas. Media com sua régua, com seu compasso, marcava, riscava. Cortava pedaços e, depois, com a mão, examinava os cantos, as quinas. Parecia amar o que fazia.
Depois, aplainava, lixava. Juntava as partes, colando, fixando-as. Cada pouco olhava para mim, sentado ali, em um banquinho, a uma distância segura. Dava um sorriso, estava se certificando de que eu estava bem.
Eu adorava aqueles momentos, ficava extático, ali, observando. Pacientemente, ele continuava seu trabalho. Finalmente, as formas começavam a aparecer. Uma cadeira, toda trabalhada, uma caixa caprichada, muitas outras coisas bonitas. Ele sorria satisfeito, orgulhoso.
Era aquela época dura da greve da Cimento Perus. Tentava trabalhar em casa para conseguir o sustento da família.
Esse era o seu Bonifácio: meu pai, queixada, marceneiro.


ooooooOOO0OOOooooo

A crônica acima não faz parte do livro abaixo

Essa vida da gente

Para adquirir este livro no Brasil 

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Para adquirir este livro nos Estados Unidos 



Saturday, March 1, 2014

Apagando o passado

Apagando o passado



A briga foi feia. Parecia cena de filme. A Celina jogava as coisas dele pela janela, chorava, gritava. Os vizinhos, todos espiando.
Depois do incidente, ela foi determinada. Não queria saber de nada do Félix em sua vida, nada que o lembrasse. Queria apagar cada sinal, por menor que fosse, que ele tivesse deixado. Arrancar aquele sobrenome, o mais importante. Cancelar contas em nome dos dois, abrir novas contas com nome de solteira. Assinaturas de revistas, outras assinaturas, cartões de crédito, carteirinha da biblioteca, da academia, tudo. Em alguns casos, a Celina até precisou pagar multa. Fez questão absoluta de “deletar” tudo que se referia ao ex. Deixou de falar com os amigos comuns que continuaram a falar com ele.
Deu um trabalhão. Finalmente, depois de mais de um ano, não havia mais nada. Até mudou de casa, não queria nem cheiro dele ou algo que tivesse tido contato com ele.
Pronto. Finalmente, uma vida nova. Novos amigos, novas amigas ou velhos amigos e amigas que decidiram também não falar mais com aquele cachorro.
Começou a sair com algumas colegas, ir a lugares. Era bom, poderia ter novos contatos e, quem sabe? Alguém bem diferente, bem diferente mesmo daquele indivíduo.
Era um sábado e a Celina estava naquele bar com cadeiras e mesas na calçada, curtindo sua nova vida. Ria, feliz. De repente viu que as duas companheiras, sentadas do outro lado da mesa, ficaram assustadas. Estavam olhando para alguém que se aproximava por trás dela. Nada mais, nada menos, do que o Félix. Confusão na certa. Ameçaram levantar-se, mas não deu tempo. O ex chegou, pôs a mão direita sobre o ombro da Celina, abaixou-se e deu-lhe um beijo na testa. Ela estava paralisada. Sentou-se na cadeira ao lado e começou a falar com aquela voz sedutora que ele tinha. As amigas, sorrateiramente, levantaram-se e saíram. A Celina, certamente poderia se defender sozinha, se quisesse. Era resoluta.
Não se sabe o que aconteceu. Eles ficaram lá por mais de duas horas. Conversaram, riram. No final, acho até que Celina estava meio “alta”. Mais uns dois ou três encontros, lá estavam os dois morando na mesma casa, outra vez. Ninguém conseguia acreditar no que tinha  acontecido. Foi para valer. Contas em conjunto, tudo participado. Tudo de novo...
Nem arrisco dar minha opinião. O que se passa na cabeça de uma mulher é algo indecifrável. Bom, a Celina devia ter seus motivos. Ah, sim, isso ela devia sim...