Wednesday, July 1, 2015

Meu nome é Lourenço Antunes Aguiar e eu estou aqui




Meu nome é Lourenço Antunes Aguiar e eu estou aqui

Meu nome é Lourenço Antunes Aguiar. O Antunes é de minha mãe e o Aguiar de meu pai. Gente boa que eu sempre amei. Chegou a vez deles e eles se foram. Senti falta de tudo de bom que eles tinham, mas senti mais falta de tudo de bom que eles tinham mas que eu não tinha percebido antes. É sempre assim. A sabedoria vem só depois, depois que não podemos mais usá-la.
Sempre tive uma vida boa, porém, nada de especial. Pequenas tragédias aqui e ali, outras grandes alegrias cá e acolá. É quase sempre assim. É o comum de nós todos. Mas, agora, o que eu gosto mesmo é do trivial, do comum, do dia a dia. Minha esposa, ao contrário, ela gosta da novidade, da incerteza. Foi assim que o bom Deus nos fez, assim é que temos de ser. Gosto de saber que vou tomar aquele café gostoso de manhã, que vou poder sair e fazer a rotina que tenho de fazer. Não sinto aquilo que as pessoas comentam. Não sinto aquilo que os aposentados sentem, a falta da correria, daquela agitação. Assim está bem para mim.
Ultimamente, porém, tenho me sentido diferente. É difícil explicar. As coisas são e não são. A rotina não mudou em si. O que mudou foi o que eu sinto. Não que não goste mais dela, a rotina. Aprecio, sim. Existe, porém, algo diferente, que estou tentando decifrar. Por exemplo, sempre senti uma sensação gostosa, à noite, na hora de me deitar. Aquela tranquilidade, aquela expectativa de sonhar. Ah, eu sempre adorei os sonhos! Hoje em dia, nem me lembro de ter deitado e já é de manhã. A Marina, minha esposa, também está diferente. Falo com ela e ela não me olha nos olhos. Sei que está escutando, pois ela sorri quando falo algo engraçado e franze a testa quando falo algo triste. Eu a conheço muito bem e sei que alguma coisa está errada. Aquela rotina de que falei, sair pela manhã e tudo mais, não tenho feito. Tenho vontade, vou sair e, quando percebo, já voltei ou nem saí. Penso, às vezes, que estou doente. E isso explicaria por que nem me lembro dos sonhos ou de ir me deitar. Devo estar tomando remédios fortes e nem vejo o tempo passar. Por falar em tempo, isso também é esquisito. Às vezes fico ali, parado, sentado à mesa depois do café, por horas, e nem percebo. A Marina passa, falo com ela. Às vezes ela responde, às vezes não. Coitada. Acho que ela está sofrendo, não sei por quê. Fico triste por ela. Ela sempre foi especial para mim e eu prometi sempre amá-la e sempre o fiz.
Hoje, porém, aconteceu, finalmente, algo diferente. Por um lado, foi um choque enorme, mas por outro, pode ser uma explicação. Na verdade, eu sei que explica tudo. Depois do café da manhã, olhei bem para a minha esposa e perguntei se ela estava bem. Por que chorava de vez em quando, por que estava chorando naquela hora? Ela balançou a cabeça, desconsolada e falou: “Por favor, por favor, Lourenço...” Eu não conseguia entender. Ela chorou convulsivamente e eu não sabia o que fazer. Depois alguém bateu.  Era a Dona Joana, nossa vizinha. Marina abriu a porta e elas se abraçaram longamente. Eu a cumprimentei e ela nem respondeu. Eu não liguei muito pois entendi que ela estava preocupada com a Marina, sua melhor amiga. E eu respeito isso. Achei estranho que as duas vieram se sentar à mesa, junto comigo. Joana nem olhou para mim e se sentou a meu lado. Às vezes quase me tocava com seus gestos. Ela nunca tinha agido assim antes.
Uma ideia foi se formando na minha mente. Comecei a entender tudo. Daí, de repente, entendi de vez. Mesmo porque, a conversa entre as duas não podia ser mais clara. A Joana lhe perguntou se ela ainda me via. Disse que sim, que fazia cinco minutos, eu estava ali, que ela conseguia me ver sentado à mesa. E a Marina soluçava, soluçava. A Joana repetia: “Querida, querida, você sabe que isso não é possível.” E a Joana continuou: “Já faz  um mês que ele faleceu, você precisa aceitar isso. Você sabe que o que você está vendo não é ele, é a sua imaginação funcionando.” Deu uma vontade  enorme de explicar para ela que estava errada, que era eu mesmo, que estava ali. Mas a Joana não me via. “Vou fazer umas preces e pedir para ele sossegar e partir, que isso está fazendo mal para você.” Fiquei indignado quando ela disse que eu estava fazendo mal para a Marina. Justo eu? Eu que sempre a amei! Mas daí, a Joana falou algo que mudou tudo: “Ei sei que vocês se amavam e ainda se amam. Sei que é difícil de esquecer, mas se ele ama você também, ele vai partir, você não pode sofrer assim.” Daí eu entendi tudo e me lembrei de tudo. De como tinha morrido, assim de repente. Certamente não tinha entendido o que tinha acontecido. Além disso, não queria ir embora, não podia deixar a Marina sozinha.
Ficou claro o que eu tinha de fazer. Eu me retirei, não sem antes de me despedir dela. Ela percebeu, pois deu um sorriso. Um sorriso que a Joana pensou que fosse para ela, mas eu conhecia aquele sorriso dela. Nunca mais voltei. Quer dizer, eu fico o tempo todo espiando para ver se está tudo bem com ela, mas não deixo que ela me veja. Quero que ela seja feliz. A minha Marina, que mulher preciosa, nunca vou me esquecer dela. Não vou mesmo.
Eu estava contando para você. Meu nome é Lourenço Antunes Aguiar. Às vezes me esqueço das coisas, mas acho que já lhe falei meu nome...

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