Sunday, February 24, 2019

O reloginho está marcando três horas




O reloginho está marcando três horas

Ouvi uns toques na porta e imediatamente sabia que era a moça do seguro de saúde. Bonita, simpática, sorridente e... vendendo saúde! Mas isso não podia falar, pois é falta de respeito. A propaganda dizia que nosso plano era maravilhoso pois se preocupava conosco e queria, de vez em quando, saber como nós estávamos. Sabe, a idade vem chegando... No fundo eu sabia que eles estavam ppreocupados mesmo é com a despesa que a gente podia dar: remédios para diabete, para pressão alta, aquela coisa toda. No entanto, é bom acreditar que alguém se preocupa com a gente. Sentou-se à mesa e ao mesmo tempo foi sacando o aparelho de pressão da sua malinha.  Deu aquelas bombadinhas e disse que estava ótima! Também com tanto remédio que a gente toma... só faltava! Daí, falou para mim:
-Laranja, maçã e árvore.. .Por uma fração de segundo, pensei que ela tinha dado uma olhada no Facebook do Brasil e viu aquelas histórias todas. Mas não! Ela só queria que eu decorasse as três palavras. Pensei comigo: fácil!
Daí deu uma picadinha na minha mão e pegou um pouquinho de sangue. Estendeu a seguir uma folha onde havia um espaço em branco. Pediu que eu desenhasse um relógio marcando três horas em ponto. Pensei em perguntar se eram três da tarde ou madrugada, maas achei melhor ficar quieto e comecei a desenhar. Primeiro um círculo, depois 12 lá em cima, 6 embaixo, 3 para o oeste e 9 para o leste. O resto foi fácil. Ponteiro grande no 12 e o pequeno no 3. Quem não sabe fazer isso? Coisa de criança. A partir daí, uma bateria de perguntas. Se eu como bem – claro que sim e muito, alem da conta – se durmo bem, se fumo, se bebo água, se tenho isso, se tenho aquilo. De repente, sem mais nem menos, me perguntou as três palavrinhas. Hesitei por um minúsculo segundo, mas depois respondi confiante: laranja, maçã, árvore. Quase fiz uma piada com o cabelo do presidente, mas não ficava bem e, além disso, ela podia ser um fã e eu estaria lascado. Pegou meu desenho, olhou meu reloginho e disse que estava bom. Também achei que sim. Quase falei que era capaz até de desenhar aqueles que ficam derretendo – do Salvador Dali – mas ela poderia não entender a minha graça. Estava provado que eu não tinha aquelas doenças todas de louco e, por causa das três palavrinhas, eu não tinha Alzheimer. Bom demais para uma tarde de inverno.
A moça foi embora e deixou o desenho do reloginho. Que orgulho! Parecia até um diploma. Pois é... o tempo vai passando e a gente vai diminuindo as expectativas!

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À procura de Lucas


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Sunday, February 10, 2019

A latinha de extrato de tomate




A latinha de extrato de tomate

Era uma festa quando um circo ou um parque de diversões chegava ao nosso bairro. Podia ser mambembe, geralmente era. Nosso coração de criança não fazia a menor distinção. Era tudo uma festa. Os caminhões começavam a chegar, descarregando todo aquele mundo maravilhoso. Gente diferente, andando para lá e para cá. Logo, logo, as arquibancadas começavam a ser montadas, a lona começava a ser içada. Quando era um parque, como se fosse mágica, aquelas peças todas se organizavam e lá estavam a roda gigante, o carrossel, os carrinhos. Parecia uma coisa de outro mundo.

Entretanto, eles cobravam ingresso. Desconfio que eles realmente precisassem, mas minha vontade de entrar era tão grande que achava aquilo injusto. À noitinha, lá de cima, do Morro São Jorge, admirava aquela lindeza, com as luzes acesas, tudo funcionando. Precisava pensar rápido, meu pai certamente não tinha sobra para eu gastar numa coisa tão fútil. Tinha de fazer alguma coisa, o espetáculo era imperdível.
No dia seguinte, bem cedo, ia do outro lado da linha de trem, subia pela Avenida Sílvio Campos, virava à direita na rua do Sindicato e ia até a divisa com a Companhia Melhoramentos. Havia a cerca. Os pinheiros, do lado de lá, que estavam esperando serem cortados para virarem papel, não sabiam da divisa e, sem querer, despejavam as pinhas do lado de cá. Devo confessar, às vezes, eu fazia uma pequena incursão, os Weiszflog que me perdoem, e lá estava eu colhendo as pinhas do outro lado também. Tudo ia para meu saco de estopa. Chegando em casa, minha mãe cozinhava os pinhões para mim. Daí ela me dava uma latinha de extrato de tomate Elefante, vazia e bem limpinha.  Era a medida certa para vender. À noite, eu colocava os pinhões cozidos no mesmo saco de estopa, “estacionava” perto da entrada do circo ou do parque, enfiava a latinha – a medida oficial -  no meio dos gostosos pinhões e aguardava os fregueses. Era um negócio muito bom. Eu vendia bem baratinho, tudo ia num instante. Dava gosto ver aquelas cascas todas espalhadas no chão de terra. No dia seguinte eu tinha o ingresso na mão. Não havia ganância, nem vontade de faturar. Tudo que eu queria era o dinheiro suficiente para o ingresso.

Invariavelmente o “show” era maravilhoso. Pelo menos para mim. Eu adorava.
Ainda hoje eu me lembro da latinha de massa de tomate e do elefantinho. Tenho saudades dela por causa da macarronada gostosa que a Dona Eleta fazia, mas também por causa do circo. Tempos bons, esses... 

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Essa vida da gente

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