A
lenda dos sete beijos
Essa história é da época em que as pessoas ainda viviam em
aldeias. Sagar e Rolando eram dois irmãos que moravam com os pais. Eles ainda
eram muito jovens quando o pai morreu de uma doença que estava se alastrando
por toda a localidade. A mãe o seguiu duas semanas mais tarde. O mais velho,
Sagar, foi morar com parentes a alguns quilômetros dali e o mais novo ficou com
um velho amigo da família. A vida continuou com muita dificuldade, mas
continuou.
Alguns anos se passaram e os irmãos poucos se viam. Sagar,
um dia, recebeu a triste notícia. O irmão, Rolando, havia morrido, envenenado.
Pegou suas coisas e partiu, desesperado, para tentar entender o que havia
acontecido. Lá chegando, falou com um ancião, uma espécie de líder da
população, pois o amigo que acolhera o irmão, também havia morrido há um bom
tempo atrás. Explicou-lhe que o corpo tinha sido enterrado, pois não podiam ter
esperado. Mas tinha sido envenenamento, era certeza.
Havia na aldeia sete irmãs que viviam com a mãe e, ele
tinha convicção de que tinha sido uma delas. Eram muito parecidas, pouca gente
sabia distingui-las. Se ele quisesse mesmo descobrir qual delas tinha
envenenado o irmão, seria permitido que tentasse. Beijaria as sete, uma a uma.
Que tentasse, através do beijo, descobrir a assassina.
Sagar achou a ideia estranha e estúpida, mas ninguém podia
contestar o ancião, e, por isso, ele aceitou.
Foi advertido que, após beijá-las todas, ele teria três
chances de apontar a mulher que tinha envenenado Rolando. Depois disso, se não
acertasse, nada mais poderia ser feito. O crime seria esquecido para sempre.
No dia seguinte, na casa do ancião, lá estavam as sete e
Sagar. O ancião apontou para Isabela, a mais velha, e ordenou que fosse no
cômodo ao lado, para ser beijada por Sagar. E assim foi feito. Ele deu-lhe um
longo beijo. Seus lábios eram frios, quase gelados. Ela ficou como uma estátua,
não se mexeu. Era como se Sagar tivesse beijado um bloco de gelo. Veio a
segunda, Adriana, e ela foi beijada também. Ela correspondeu ao beijo, porém
com pouco entusiasmo. Seus lábios tinham gosto de canela. Suaves, porém. A
terceira era Sabrina. E ela tinha um beijo quente, gostoso, cheio de volúpia.
Mas certamente era só volúpia, não havia carinho ou amor. A quarta, Celeste,
tinha lábios suaves, meigos, quase de criança. E ela tremia. Saiu rápido, sem
olhar para trás. A quinta era Adelina, parecia estar dando um beijo de amor, só
de amor. Não havia volúpia, nem paixão. Carinho, isso havia sim. Estranha
sensação para Sagar, que procurava a assassina do irmão. Alícia era a sexta e
ela tinha fel nos lábios. Um beijo amargo, que Sagar mal aguentou. Empurrou-a
rapidamente para longe de si. Finalmente entrou Mistag. Linda, com um vestido
vermelho, um decote indiscreto e um véu branco sobre o rosto. Foi ela quem
procurou Sagar. Deu-lhe um longo beijo, cheio de paixão e amor. Parecia amor
sincero e paixão profunda. Uma volúpia que Sagar jamais tinha sentido.
Quando Sagar voltou para a sala, o ancião lhe perguntou
quem era, para ele, a mulher maligna que havia colocado veneno no vinho de
Rolando. Sagar não teve dúvidas e logo apontou Alícia, a que tinha fel nos
lábios. O ancião riu de Sagar e disse que ele era ingênuo. Avisou que tinha
mais duas chances. Dessa vez, ele pensou um pouco. Não muito, porém. Estava
claro que o beijo gelado de Isabela era quase uma confissão. Riu de novo o
ancião e disse que essa era sua última chance. Depois disso, ele teria que
ficar para sempre, com uma dúvida sobre as quatro restantes. Sagar pensou e
pensou. Deduziu que a volúpia sem amor era uma atitude suspeita. Por isso
acusou Sabrina. Certamente tinha iludido Rolando com sua volúpia. Talvez tivesse
enchido sua taça com vinho e veneno. Tinha praticamente certeza de que essa era
a resposta e assim expressou a sua decisão para o ancião. Esse balançou sua
cabeça negativamente dizendo: “Agora nunca saberás.” E todos saíram da casa. O
ancião ficou lá fora, enquanto as mulheres, em fila, voltavam para seu lar,
conversando, alegres. Sagar estava muito triste. Sentiu que tinha falhado com
seu irmão. Abaixou a cabeça e começou a caminhar.
Mal tinha dobrado a primeira curva, quando alguém o chamou.
Nada mais do que Mistag, aquela do prazer e do amor. Disse que queria ajudá-lo,
que conhecia um lugar. Entraram por uns becos até chegar numa casa de madeira.
Entraram. A mesa da sala estava arrumada, como se estivessem esperando alguém.
O coração de Sagar palpitava de prazer. Mistag era ainda mais voluptuosa do que
ele pensava. Ela disse que sabia quem era a assassina e que lhe contaria.
Sentaram-se junto à mesa. Ela abriu um armário e pegou duas taças e uma botelha
de vinho. Um vinho vermelho como sangue e como os lábios de Mistag. Havia uma
mistura de curiosidade em saber quem era a assassina e um desejo pelo corpo de
Mistag. E ele não sabia o que era mais forte. Não conseguia pensar em mais nada
enquanto Mistag derramava o vinho em sua taça. Brindaram e começaram a beber. E
enquanto brindavam, ela disse: “À verdade”!
O vinho era muito forte e num instante a cabeça de Sagar estava
rodopiando. Ela pegou-o pela mão e caminharam até um leito, num quarto da casa.
E ele deitou-se e podia ver os lábios cheios de prazer de Mistag. E parecia que
ele estava ouvindo coisas. Ou ela, talvez, ela estivesse mesmo falando. Meu
nome é Mistag e “mistag” em sueco significa “engano”. E depois, ela ria. Depois
ela falou “in vinu veritas”, e isso ele sabia, queria dizer “no vinho, a verdade”.
Aquilo era motivo de se preocupar, mas ele estava tão sequioso do corpo de
Mistag, que não quis entender. Ela se abaixou e lhe deu um beijo. E esse beijo
era uma mistura de volúpia, de fel e de gelo. Ele estremeceu de medo e de
prazer também. Ela parecia estar se despindo agora, mas ele não tinha certeza,
sua cabeça estava rodopiando. Foi aí que ele ouviu uma frase estranha que ela
falou. Ela perguntou e respondeu ao mesmo tempo. Sabe o que mais há no vinho,
além da verdade? Existe um pó mágico. O mesmo pó mágico que Rolando, seu irmão
tomou. Dessa mesma taça que você bebeu. Não fique triste por ele, ele escondia
algo de você. O ouro que seus pais tinham deixado. Ele recebeu o que merecia. O
ouro é nosso agora, já que daqui a pouco você também vai partir. Minha mãe é
minha mãe, mas meu pai ninguém sabe, é o ancião. Ele é sábio, ele nos ensinou.
Agora, você pode descansar. Nós temos muito o que fazer.
Sagar não sabia o que era sonho, o que era bebedeira, ou o
que era verdade. Nem importava, agora o veneno já estava em seu sangue, sua
respiração estava difícil. Em alguns minutos ele iria morrer.
Mistag fechou a porta da casa e foi se encontrar com o
ancião, seu pai. Agora tudo estava completo, tinham um tesouro nas mãos e testemunha
nenhuma. Consciência eles também não tinham. Se tivessem, pertenceria ao demo,
de qualquer jeito.
Quando ouvi esta narrativa, fiquei torcendo para ser apenas
uma história. Uma coisa inventada. Se é ou não, eu não sei. Eu sou apenas um
contador de histórias. Nem o significado dela, eu sei.
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