A luz
de Helena
Helena estava furiosa. Tinha acabado de brigar com Fernando,
seu marido. Pegou a bolsa, bateu a porta do apartamento com força, e saiu. Entrou
no elevador, deixou o prédio e começou a andar a esmo pelas ruas. Depois de uma
meia hora, percebeu que estava próxima da residência de sua irmã. Resolveu, então,
ir até lá e chorar suas mágoas. Sétimo andar. Rose a recebeu com um abraço
gostoso e ela respondeu com soluços. Contou tudo, abriu a alma. Tomou duas
xícaras de chá, um calmante. Depois de umas três horas e bastante conversa,
estava bem melhor. A conselho de Rose, voltou para casa. Deveria conversar com
o esposo, curar as feridas, acertar os ponteiros. E foi. Décimo andar,
apartamento 102. Ao tentar abrir, viu que a chave não servia. Nervosa?
Colocando a chave ao contrário? O lugar
estava certo, lá estava a decoração do último natal, inconfundível, na entrada.
Enquanto pensava, alguém abriu a porta. Não era o Fernando. Nem de longe se
parecia com ele. Sem pedir passagem, foi entrando e olhando pelos cômodos para
ver onde ele estava. Só encontrou a esposa do ‘”novo” morador. Sem entender
nada, desesperada, perguntou desde quando eles estavam ali. A resposta foi “mais
de 5 anos”. Pediu deslculpas, saiu, olhou bem o corredor, os detalhes, tudo.
Era seu prédio, era seu apartamento, era seu andar. Obviamente havia algo muito
errado. Resolveu voltar até a irmã. Estava, porém, com vergonha de contar
aquilo. Estaria ficando louca?
Lá chegando, certificou-se de que era o sétimo andar, de
que tudo mais estava correto. Apertou a campainha. Quem abriu a porta, não foi
sua irmã. Estava desconfiada disso, de certa forma. Essa pessoa, entretanto, a
reconheceu, era uma amiga de ambas. Quando perguntou onde estava a Rose,
Cecília, a “nova moradora”, deu um sorriso constrangido. Perguntou a Helena se
ela não se lembrava de que tinha comprado o imóvel da família, logo após o
falecimento de Rose. Aquele horrível acidente? Não se lembrava?
Helena não viu outra opção a não ser pedir desculpas e
sair. Ela devia estar muito mal, pensou. Certamente sua cabeça não estava
funcionando. Morta, a Rose, sua irmã? Estava com vergonha.
Perambulou, perambulou, tentando se concentrar. Sentou-se
num dos bancos da praça e começou a pensar. Imagens confusas vieram até seu
cérebro, mas, ao invés de ajudarem, confundiam-na ainda mais. De repente,
percebeu que havia alguém sentado a seu lado. Era, incrivelmente, seu irmão
mais novo, que morava nos Estados Unidos. Não sabia que ele tinha voltado.
Quando? Por que não avisou? Ele estava olhando para ela com um olhar ao mesmo
tempo triste e compreensivo. Falava: “Não se lembra? O caso de seu marido com
nossa irmã Rose? Você saiu de casa e depois recebeu um telefonema falando sobre
o acidente de carro? Sua irmã e seu marido, mortos, juntos? Ele estava traindo
você com nossa irmã Rose?”
Ela olhava para o irmão e gaguejava: “Do que você está
falando? O que é isso?” Sentiu, então, uma vontade enorme de voltar para seu
apartamento. Descobriria alguma coisa, o que estava acontecendo com ela,
talvez. Quando chegou, nem precisou abrir a porta, ela estava semi-aberta. Foi
entrando e o lugar estava completamente desocupado, nem gente, nem móveis, nada.
Tudo pintado de branco: as paredes, o teto, tudo. Não havia janelas, e a porta,
por onde tinha acabado de entrar, não existia mais. Absurdamente, sentiu uma
espécie de alívio, era melhor do que ouvir e ver coisas que não faziam sentido.
Sentou-se no chão. Era tudo vazio e extremamente calmo. A Rose e o Fernando,
mortos? Ele, traindo-a, com a própria irmã?
Foi entrando numa espécie de êxtase. Conseguia, entretanto,
ouvir algumas vozes, que pareciam vir ou do corredor, ou do outro lado das
paredes. Perguntavam se estava bem, se sabia quem ela era, que devia tomar o
remédio, que precisava dormir, que precisava descansar. Depois as vozes se
foram. Houve, então, um silêncio absoluto, total. Um silêncio surdo e mudo. A
cor branca que a envolvia foi se transformando em luz e, em pouco tempo só
havia essa luz. E Helena ficou ali, naquela claridade infinitamente branca,
como se fosse um feto. Estava voltando para o lugar de onde tinha vindo.
Haveria outra solução? Não pensava, nem sonhava, nem tinha medo. E aquele feto
também virou luz, uma luz branca, insensata, absurda, se misturando com o
resto, numa coisa só. E foi perdendo as formas, o contorno. No final, nada mais
havia. Só uma luz branca, branca demais, quase transparente, e Helena estava em
paz...
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À procura de Lucas
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