Thursday, September 20, 2018

O Sorriso da Tia Sílvia

O Sorriso da Tia Sílvia



Quando eu era pequeno – nos gloriosos anos 60 – não havia muita coisa para a meninada fazer:  praticamente não havia televisão e a Internet ainda não aparecia nem nos projetos de ficção científica. Por não haver nada, tínhamos de imaginar e fazer tudo. É claro que havia os eventos especiais. Volta e meia um parque de diversões ou um circo aparecia pela cidade. Eram sempre mambembes, mas para nós eles eram o máximo. O duro era conseguir os trocados necessários para as entradas. No entanto sempre dávamos um jeito. Os filhos dos privilegiados, que tinham um bom emprego, simplesmente pediam para os pais. Outros, como eu, inventavam alguma coisa como vender pinhão cozido na entrada do circo. Eu me lembro que a medida era uma latinha de tomate vazia. Não me lembro por quanto vendia o pinhão, mas uns dois dias de trabalho eram mais do que suficientes. Era uma época memorável. Tudo, desde o momento em que os caminhões encostavam para descarregar o equipamento, o pessoal se mexendo para arrumar, até o dia do primeiro espetáculo. Depois eles iam embora e tudo voltava ao normal. Para os dias normais, no entanto, nós tínhamos os gibis. O Fantasma, o Zorro, o Homem Aranha, o Rocky Lane, nossa que variedade!  E o Mandrake então? Era um dos favoritos. Claro que não havia dinheiro para tudo isso, trocávamos, emprestávamos, dávamos um jeito. Nesse aspecto eu era um felizardo. Na casa de minha tia Sílvia havia centenas de gibis. Também ela tinha 5 filhos homens, até que dava para entender. A casa dela não era muito perto, mas eu sempre dava um jeito para chegar até lá. Caixas e caixas de gibis. Um tesouro incalculável. Ah! Os almanaques!  
Eu mergulhava nas capas, nas histórias, lia e me deliciava. Ela sempre precisava me mandar embora, pois mãe que era, sabia que a minha iria se preocupar e naquela época nem pensar em telefone. Celular então... seria esquisito até em filme de ficção.  Mas tudo que tia Sílvia fazia, ela fazia com um sorriso. Aliás, ela estava sempre sorrindo. Não sei o que foi que Deus fez – quando a fez – que a fez com um sorriso permanente. E vou dizer, aquele sorriso era bonito, gostoso, suave e não dá para esquecer. Transmitia uma paz, uma serenidade que nunca mais vi em pessoa nenhuma. E agora eu sei, ela sofria como os outros, mas sorria como ninguém, não sei como ela conseguia. Você nem pode imaginar como tenho saudades daquele sorriso. Se eu pudesse fazer um livro da minha infância, a capa seria a foto com o rosto colorido da tia Sílvia sorrindo... Deus caprichou naquele sorriso.
Nunca mais a vi. Agora que já cresci e penso melhor, fico pensando se, na verdade, a principal razão de eu ir até lá era o sorriso e não os gibis. E olha que os gibis eram importantíssimos. O fato é que ainda hoje sinto saudades daquele sorriso, o sorriso da minha tia Sílvia.



ooooOOOoooo


Para comprar no Brasil 
(impresso e e book):


À procura de Lucas  (Flávio Cruz)
----------------------------------------------
Para comprar nos EUA:

Friday, September 14, 2018

Carta do estrangeiro



Prezado amigo Gervásio:

Escrevo-lhe essas relativamente bem escritas linhas para expressar minhas preocupações quanto ao meu linguajar. Como você sabe, estou aqui no estrangeiro já há algum tempo. Isso me faz pensar na minha falta de contato direto e diário com a nossa língua. Isso definitivamente me preocupa muito. Às vezes, por exemplo, me deparo procurando pelo termo correto para se usar em determinada frase. Preciso esperar alguns segundos e, ainda assim, é muito comum eu precisar conferir o real significado e a ortografia no dicionário.
No momento, entretanto, o que mais me preocupa, é o que se usa e o que não se usa mais. Eu acredito que a gíria “boko-moko” já deva ter morrido, uma vez que já estava agonizante quando eu saí daí. Fico imaginando se “legal” e  “bacana” ainda são bastante utilizadas nas conversas do dia a dia. Outra coisa: quando estava de saída, a expressão “da hora” era relativamente nova em termos de língua. Ela estava se fortalecendo principalmente entre os  jovens. Ela vingou ou não? Vou perguntar por perguntar, mas imagino que “encher o saco” continua viva e atuante como sempre. Gostaria de saber se o povão usa esses novos termos americanos ligados à informática, como “cloud”, “text”, etc... Não posso imaginar alguém falando “nuvem” para significar “ cloud” (da informática, é claro). Além disso, seria uma competição desonesta com o nosso “viver nas nuvens” que nada tem a ver com a tecnologia da informação. Como você  pode ver, Gervásio, tenho mil dúvidas. O mais importante de tudo, porém, é você me mandar uma lista de palavras novas, destas que começaram a ser usadas nos últimos 10 anos. Não precisa ser exatamente uma palavra nova, pode ser uma palavra que estava no esquecimento e, de repente, a sabedoria popular despertou-a e está aí dando o ar de sua graça. Aí está mais uma boa pergunta: o pessoal ainda usa “dar o ar da  graça”? Espero que sim, pois acho que é uma expressão cheia de graça, sem querer fazer graça.
Vou terminando minha missiva por aqui. Não precisa ficar assustado com o meu “missiva”, não, eu só usei este verbete para brincar com você. Eu sei que é boko-moko, quero dizer, nem sei bem mais o que quero dizer... Eu não falei que às vezes não acho mais as palavras? Enfim, atualize-me, pois, quando voltar, quero estar usando um linguajar “da hora”, “top” de linha...
Desse seu servo e amigo (brincadeirinha de novo, sei que é cafona falar assim: ainda usam “cafona”?), aqui do estrangeiro ( “estrangeiro” também não soou “legal”, soou?),
José Arquimedes ( Joseph, para os amigos americanos)

ooooooOOO0OOOooooo

lique aqui:


 À  procura de Lucas


Para adquirir este livro no Brasil 

Clique aqui  ( e-book: R$ 7,32 / impresso: R$ 27,47)

Para adquirir este livro nos Estados Unidos 




Tuesday, September 11, 2018

Coisas que a gente não consegue entender


Coisas que a gente não consegue entender

Há inúmeras coisas que a gente não consegue entender no mundo de hoje. Nem estou falando dessas loucuras de astrônomos que veem planetas a distâncias incalculáveis, a não ser em termos de anos-luz. Nem de teorias genéticas e outras do tipo que nem sei, sequer, como vislumbrar. A teoria quântica, então? Nem ouso me aproximar.
Estou falando de coisas bem mais simples. Não entendo, por exemplo, por que um jogador que ganha milhões de dólares, arrisca sua carreira e a sorte do time de seu país, por morder um adversário. E entender por que, outro jogador - de futebol americano, o tal de Hernandez – mata duas pessoas por causa de uma bebida derramada sobre seu corpo num clube noturno? Nem foi por querer: foi um acidente. Um vampiro e uma besta feroz?
E as instituições? Pior ainda. O governo de Oklahoma, por exemplo, não consegue executar os prisioneiros de uma maneira natural. É verdade que não é fácil ser natural ao se matar uma pessoa. Estranho, pois eles executam há tanto tempo. Eles não conseguem mais acertar os líquidos que precisam para liquidar a vida do condenado à morte. E eles ficam se  contorcendo um bom tempo antes de se despedirem desse mundo. A justiça até ordenou que eles suspendam as execuções até que aprendam a matar, antes de continuar: que ironia! Já tomei anestesia algumas vezes. A gente apaga, não sente nada e acorda horas depois. Se eu morresse durante este período, seria a morte mais suave que se pode imaginar. Será que é muito difícil fazer isso? Deve haver alguma parte da história que eu não conheço. Não pode ser só isso. Seria um absurdo.

Definitivamente, há coisas que eu não consigo entender. Essas são apenas uma pequena, muito pequena, amostra delas.

Clique aqui:


 À  procura de Lucas


Para adquirir este livro no Brasil 

Clique aqui  ( e-book: R$ 7,32 / impresso: R$ 27,47)

Para adquirir este livro nos Estados Unidos 

Friday, September 7, 2018

Você me conhece?



Você me conhece?


Às vezes, me mostram de lado, às vezes, só de cima. Muitos só mostram minha metade. Alguns preferem me vestir de roupas escuras, outros de roupas transparentes. Transparecem, mas não muito bem. No espelho, como todos, me vejo ao contrário. Às vezes me mostram de um jeito tão esquisito, que nem mesmo eu me reconheço. Outras vezes me pintam de cores estranhas, ou me colocam invertida, com os pés para cima. Existe gente que nunca me viu, mas que me apresenta como velha companheira. Descrevem coisas sobre mim que eu nunca vi ou percebi. Falam de mim por todo o lado, principalmente do lado em que nunca estive. Eu me vejo na televisão e me escuto no rádio, mas não me reconheço. Acho que não sou eu. Estou na boca de inúmeras pessoas e são bocas onde eu não queria estar. Acho que ninguém como eu gostaria de lá estar. Não conheço quase ninguém e quase ninguém me conhece. Raramente, muito raramente, eu sou apresentada nua e crua. Pouco, muito poucos, gostam de mim, assim. Mas é do jeito que sou. 
Eu sou a verdade. 





o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o



Histórias do Futuro

Para adquirir este livro no Brasil 



Para adquirir este livro nos Estados Unidos 

Clique aqui (e-book: $3.99 impresso: $11.98)