A
Cidade de Cristal
Ele
olhava, ao mesmo tempo com angústia e genuína admiração, a cidade que se
espalhava na paisagem. O fato é que ele poderia estar lá dentro, como os outros,
se quisesse. Optara, ao contrário, por ter uma vida normal. Tão normal
quanto podia ser viver no ano 29.237 DC.
Essa
época era para o século 21 o mesmo que o século 21 tinha sido para os humanos
que tinham vivido nas cavernas.
Depois
do começo do século 21, cada cem anos eram equivalentes a 1000 em termos de
avanço da Ciência e da Tecnologia. A evolução tinha acontecido de forma
geométrica. Agora, então, 27.000 anos depois, era mais do que estar num
futuro inimaginável, era como o homem ter se tornado Deus. A cidade na verdade
era o paraíso. O ser humano decidira que ele poderia criar o céu e o infinito e
o fez. A capacidade humana de criar novos materiais a partir da natureza, ao
longo dos milênios, chegara a um ponto de perfeição e sofisticação que o
bom-senso não ousava descrever. Um tecido de espessura quase invisível era
capaz de reter toneladas e ao mesmo tempo conter “nanochips” com trilhões de
informações. Estruturas delicadíssimas na aparência eram capazes de executar
tarefas de super-homem. Os cientistas humanos tinham conseguido fazer o
levantamento de cada célula do cérebro humano, dissecar seus átomos, analisar
as subpartículas e ainda foram além. Tinham controle absoluto da natureza e de seus
corpos. Tinham adquirido a tecnologia de armazenar toda e qualquer informação
de si mesmo, por ínfima que fosse, fora
do corpo. E daí desejou a eternidade. Mas não qualquer eternidade: a
eternidade no paraíso. Construíram a Cidade de Cristal. Cristal não
descrevia nem de longe o material empregado na construção. Era apenas um nome,
uma metáfora. Cada ser humano existente poderia optar por viver nela. Parecia
assustador, mas a humanidade já tinha se acostumado com a “Era das Maravilhas”.
Para
“viver” na Cidade de Cristal”, a pessoa passaria pelo processo de
“transferência”. Toda e cada informação do corpo humano, bem como sua história,
era transformada em unidades quânticas e transferida para um material especial,
uma espécie de “condutor” sofisticadíssimo, um milhão de vezes mais sofisticado
do que qualquer coisa do gênero do século 21. Os sentimentos e as boas
sensações eram geometricamente ampliados. Más memórias e pequenas
irregularidades - porque grandes há muito não havia - eram deletadas para
sempre. O corpo inútil era descartado. As cápsulas eram guardadas em lugares
especiais na grande cidade, belamente construída, com formas sutis e
eficientíssimas. O ser, então, não sabia que estava “preso” em uma cápsula.
Tudo que ele via e sentia, era o que de melhor alguém pudesse desejar e era
para sempre. Uma proteção incrível foi construída em volta da cidade. Nenhuma
tecnologia no universo conhecido poderia penetrá-la. Era isso que nosso homem
estava vendo. A beleza externa da Cidade de Cristal refletia palidamente o que
se passava lá dentro.
Quando chegou o momento, as pessoas podiam optar: poderiam ficar na soberba e quase perfeita tecnologia daquele século ou ir para o paraíso, a Cidade de Cristal, e lá “viver” para sempre dentro de um corpo – a cápsula – imortal. O nosso homem, aquele que estava observando a cidade de fora e fazendo as considerações sobre os 270 séculos passados, resolvera ficar. Talvez se contentasse apenas com o “observar” da cidade eterna ou, lá no fundo, tivesse alguma desconfiança da eternidade inventada pela raça humana. Ele, de certa forma, também poderia se considerar, como os outros que estavam na cidade, um Deus. Um Deus que tinha decidido administrar seu próprio destino sem viver para sempre no paraíso...
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