Wednesday, February 3, 2021

A Cidade de Cristal


A Cidade de Cristal

 

Ele olhava, ao mesmo tempo com angústia e genuína admiração, a cidade que se espalhava na paisagem. O fato é que ele poderia estar lá dentro, como os outros, se quisesse. Optara, ao contrário, por ter uma vida normal. Tão normal quanto podia ser viver no ano 29.237 DC.  

Essa época era para o século 21 o mesmo que o século 21 tinha sido para os humanos que tinham vivido nas cavernas.

Depois do começo do século 21, cada cem anos eram equivalentes a 1000 em termos de avanço da Ciência e da Tecnologia. A evolução tinha acontecido de forma geométrica. Agora, então, 27.000 anos depois, era mais do que estar num futuro inimaginável, era como o homem ter se tornado Deus. A cidade na verdade era o paraíso. O ser humano decidira que ele poderia criar o céu e o infinito e o fez. A capacidade humana de criar novos materiais a partir da natureza, ao longo dos milênios, chegara a um ponto de perfeição e sofisticação que o bom-senso não ousava descrever. Um tecido de espessura quase invisível era capaz de reter toneladas e ao mesmo tempo conter “nanochips” com trilhões de informações. Estruturas delicadíssimas na aparência eram capazes de executar tarefas de super-homem. Os cientistas humanos tinham conseguido fazer o levantamento de cada célula do cérebro humano, dissecar seus átomos, analisar as subpartículas e ainda foram além. Tinham controle absoluto da natureza e de seus corpos. Tinham adquirido a tecnologia de armazenar toda e qualquer informação de si mesmo, por ínfima que fosse,  fora do corpo.  E daí desejou a eternidade. Mas não qualquer eternidade: a eternidade no paraíso. Construíram a Cidade de Cristal. Cristal não descrevia nem de longe o material empregado na construção. Era apenas um nome, uma metáfora. Cada ser humano existente poderia optar por viver nela. Parecia assustador, mas a humanidade já tinha se acostumado com a “Era das Maravilhas”.

Para “viver” na Cidade de Cristal”, a pessoa passaria pelo processo de “transferência”. Toda e cada informação do corpo humano, bem como sua história, era transformada em unidades quânticas e transferida para um material especial, uma espécie de “condutor” sofisticadíssimo, um milhão de vezes mais sofisticado do que qualquer coisa do gênero do século 21. Os sentimentos e as boas sensações eram geometricamente ampliados. Más memórias e pequenas irregularidades - porque grandes há muito não havia - eram deletadas para sempre. O corpo inútil era descartado. As cápsulas eram guardadas em lugares especiais na grande cidade, belamente construída, com formas sutis e eficientíssimas. O ser, então, não sabia que estava “preso” em uma cápsula. Tudo que ele via e sentia, era o que de melhor alguém pudesse desejar e era para sempre. Uma proteção incrível foi construída em volta da cidade. Nenhuma tecnologia no universo conhecido poderia penetrá-la. Era isso que nosso homem estava vendo. A beleza externa da Cidade de Cristal refletia palidamente o que se passava lá dentro.

 Quando chegou o momento, as pessoas podiam optar: poderiam ficar na soberba e quase perfeita tecnologia daquele século ou ir para o paraíso, a Cidade de Cristal, e lá “viver” para sempre dentro de um corpo – a cápsula – imortal. O nosso homem, aquele que estava observando a cidade de fora e fazendo as considerações sobre os 270 séculos passados, resolvera ficar. Talvez se contentasse apenas com o “observar” da cidade eterna ou, lá no fundo, tivesse alguma desconfiança da eternidade inventada pela raça humana. Ele, de certa forma, também poderia se considerar, como os outros que estavam na cidade, um Deus. Um Deus que tinha decidido administrar  seu próprio destino sem viver para sempre no paraíso...

 



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