O quinto dos infernos
Chegou a vez do Benevides. Não era um santo, mas também não era um mau sujeito. Não importa, ele morreu. Ou, talvez, importe sim, pois ele estava naquele limbo fazia já algum tempo e nada acontecia. Está certo que, numa situação dessas, tempo não é tão importante assim. O problema é que o Benevides começou a ficar preocupado. Ficou se lembrando dos monstros e demônios lá da Terra e não estava a fim de morar com eles por toda a eternidade. Sentiu um calafrio na espinha só de lembrar. Aqueles terroristas que explodem crianças, aqueles malditos que, por dinheiro, deixam outros morrerem de fome. Outros ainda, que abusam de mulheres e crianças...Não queria nem pensar.
Não precisou, pois o escrivão celestial apareceu. Finalmente estava diante dele. Naquele momento pensou por alguns segundos como era importante o aviso prévio. Ele bem que poderia ter tido um. Falam tanto de pessoas que sofrem com doenças graves antes de morrer. Na verdade, elas são abençoadas, Têm tempo de pensar, elas é que têm, na verdade, o verdadeiro aviso prévio. De repente se tocou e percebeu como era ridículo e inútil pensar numa coisa daquelas diante da importante presença do agente divino. Calou-se e preparou-se para ouvir a sua sentença. Um segundo antes de ouvir, entretanto, não aguentou e soltou:
-Pelo amor de Deus!
Ia continuar, mas então se tocou – não é gozada a mente humana? – se tocou que era a primeira vez que falava uma expressão com o nome de Deus, que realmente significava Deus. Entendeu toda a força do ensinamento que tivera quando criança de não usar “o santo nome em vão”, ou seja, pela primeira vez, era isso mesmo que ele queria significar o que ele tinha dito. De qualquer jeito, que importava agora? Nada mais importava porque tudo que importava era o que o anjo ia falar. Nem sabia se ele era anjo, mas com certeza era alguém importante na burocracia celestial.
-Não quero ficar perto daqueles monstros...
O divino agente acalmou-o:
Calma, Benevides! Você não vai ficar perto deles. Tenho um lugar para você perto do Ser Supremo. Não é na primeira fileira, nem na segunda...Você sabe, só a Madre Teresa tem direito a três assentos lá na frente, além do Luther King e do Gândhi, que também têm alguns.
Benevides mostrou-se surpreso com o Gândhi, pois, apesar de ele ser um cara bem legal, não sabia que ele era cristão. O agente então explicou para ele, que o importante era o que as pessoas tinham no coração e não a religião. Bem que o Benevides desconfiava disso, pois havia muita gente “legal” que não era nem crente nem católico, mas não falou nada, pois já havia falado muito e não queria se queimar.
O agente era uma pessoa gentil e continuou explicando. Disse que, nem que ele – o Benevides – fosse um mau sujeito, ele ia ficar com os “monstros demoníacos”. A razão era muito simples. Nos últimos tempos, estava havendo tanta maldade na Terra, que todo o mundo da área demoníaca estava indo para lá. Quero dizer, todo mundo do mal. O inferno simplesmente não era mais no outro mundo, no mundo do além. Resumindo, a sede do inferno havia sido transferida para a Terra.
Não tinha ele percebido quanta coisa ruim estava acontecendo por lá? Maldade sem limites, crueldade, morte, destruição? Pois bem ( na verdade, “pois mal”) foi por isso que o pessoal do inferno achou melhor se transferir para lá. Já que não dava para bater a concorrência, se juntaram a ela. Quer dizer, o inferno estava vazio, tinha se transferido todo. Eles, o pessoal do mal, nem assim estavam dando conta. Tinha pedidos de todos os países, todos precisavam dos diabos. Regimes políticos, economistas, governantes e imaginem, até certas religiões, precisavam dos malditos.
Pois bem, se ele, o Benevides, não se importava de ficar na nona ou décima fileira do paraíso, ele podia ficar lá para sempre, desfrutando da harmonia celestial...
O Benevides não pensou um só segundo, correu e pegou seu lugar.
Pois é, o Benevides precisou ir para o céu para descobrir que o quinto dos infernos fica aqui mesmo na Terra.
Tuesday, April 30, 2013
Monday, April 29, 2013
Fingindo
Fingindo
Nós passamos o tempo
todo fingindo. Fingindo que tudo tem sentido, que as coisas caminham para um
objetivo. Fazemos tratados, estabelecemos princípios e até leis. Coisas, então,
acontecem para mostrar que não temos controle de nada. Levamos um susto e, logo
a seguir, voltamos a fingir que tudo está bem, que as coisas estão onde devem
estar. Que voltaram a ser o que eram, que voltaram, a ser o que deviam ser.
Outros fingem que concordam conosco, e nós fingimos com eles também. Não
sabemos de nada, nem eles sabem, mas nunca vamos admitir.
Um dia desses vou
parar de fingir. Alguém precisa enfrentar as coisas do jeito que ela são: sem
resposta, sem sentido, sem razão.
Vou parar de fingir
que não sei de nada. Vou parar de fingir que sei de tudo. Vou fingir que não
estou fingindo...
Friday, April 26, 2013
A motocicleta de meu tio
A
motocicleta de meu tio
Não sei se é o tempo
que faz certas coisas parecerem mais do que são ou se a infância é mesmo uma
época especial, cheia de mistérios e fantasias. Há tantas coisas de que me
lembro mas já não tenho mais tanta certeza de que elas realmente aconteceram.
Naquele dia, uma bela
manhã, havia gente em casa. No portão da minha casa meu pai e um dos meus tios
– eu tinha muitos – conversavam. Havia mais alguém, não me lembro quem. Meu tio
estava com uma daquelas motos grandes, bonitas. Eu queria andar na moto com
ele. Alguém me disse que não. Era perigoso, eu era muito pequeno. E eu chorava,
chorava...
Tanto chorei que
ganhei a parada. Os adultos desistiram e resolveram atender meu pedido. Com um
pouco de relutância meu pai me pegou e me colocou em cima da linda máquina.
Antes de sair, os dois conversaram um pouco. Naqueles segundos alguma coisa
aconteceu. Cresceu em mim, não um medo,
mas uma urgência de sair daquela moto. Eu havia chorado tanto para conseguir e,
de repente, uma espécie de pânico cresceu dentro de mim. Senti alguma força lá
dentro de mim, uma urgência, que me fazia querer descer. Chorei de novo, agora
para sair. Os adultos não entenderam nada.
Não sei por quê, mas
acho que tive uma premonição, uma sensação de que algo ruim iria acontecer. Pode
ser outra coisa mas até hoje acho que algo estava me livrando de uma desgraça. Pode
ser bobagem, mas quem garante?
Tuesday, April 23, 2013
Há poesia em todo lugar, é só procurar
Há
poesia em todo lugar, é só procurar
O poeta, novato, procura a poesia nos prédios feitos de aço
insensível e duro concreto. Nada encontra. Procura também nas ruas escuras,
suspeitas, cheias de putas e vadios. Lá também não está. Haverá poesia nas
águas lamacentas e cheias de lodo do rio que cruza a cidade? Não, não há poesia
lá, tampouco. Não encontra também a poesia nos bares escusos, nos clubes
secretos, debaixo das viadutos. Nos bosques escuros dos parques, dentro dos
carros, nos porões também não está.
O poeta envelhece, amadurece e então a poesia aparece. Vê poemas
quase prontos em todo lugar. Agora sim, ele pode, com facilidade, rimar. Rima
amar com odiar, poder com sofrer e mentir com sorrir. Pois sim , meu poeta, há
poesia em todo lugar, é só procurar...
Sunday, April 21, 2013
Os habitantes do planeta Vendel
Os
habitantes do planeta Vendel
Estavam usando trajes
especiais por precaução. Sabiam, com
antecedência, que o ar era respirável, muito parecido com o nosso, da Terra. Na
verdade, era tecnicamente melhor. Conforme
o que diziam as mensagens que antecederam as negociações para a viagem, nada de
armas. Era um encontro de paz, de colaboração, de aprendizado. Era óbvio que os
únicos a aprender algo ali, eram os terráqueos. Os Vendelianos como eram
chamados lá na Terra, estavam pelo menos
cinco mil anos na frente em termos de avanço tecnológico.
Estavam agora no que
parecia ser o centro geral, uma espécie de capital do planeta. Após orbitar o
planeta Vendel, a missão terrestre precisou entregar o controle da nave para os
locais, conforme havia sido combinado. E lá estavam eles, os 9 astronautas,
naquele imenso complexo feito de material estranho para eles. Uma mistura de
cristal e aço especial era o que parecia. Mas era óbvio que era mais do que
isso.
Havia sido uma longa
viagem: pouco mais de 67 anos, numa
velocidade inédita. Nunca o homem se aproximara tanto da velocidade da luz.
Para os viajantes, era como se tivessem iniciado a jornada há uns dois ou três
meses atrás. Estiveram hibernados quase o tempo todo. Esses cosmonautas eram
especiais em todos os sentidos, nem sequer era possível compará-los com um ser
humano normal. Haviam sido geneticamente preparados para esse tipo de viagem.
Ainda assim, o que
estava acontecendo ali, era estranho mesmo para eles. Até agora não tinham
visto um habitante sequer. No entanto, haviam sido conduzidos de uma forma
estupenda, tanto através do ar, na descida, como agora, andando pelos largos
corredores do que parecia ser um edifício. A troca de comunicação em preparação
à jornada deixou entender, por parte dos Vendelianos, que eles eram muito
semelhantes a nós, que não deveríamos nos preocupar.
Desde que chegaram,
ficou óbvio que a comunicação ia ser através do pensamento. Os viajantes
“sentiam” o que devia ser feito, o que deveriam fazer, para onde deveriam ir.
Não havia som. A mensagem não vinha em forma de linguagem. Entretanto, o
cérebro humano imediatamente “traduzia” em palavras os pensamentos recebidos
Entraram num grande
objeto oval, como havia sido sugerido, para “dar uma volta” no planeta,
conhecer sua geografia, sua paisagem. Até então, esta era a melhor coisa que
estava acontecendo. Certamente, depois disso, finalmente os Vendelianos que tinham
a função de recebê-los, iriam aparecer
“em carne e osso”, se é que podemos dizer assim.
A circunavegação havia durado sete horas – tempo
da Terra – entretanto poderia ter sido feita em 49 minutos com aquela nave
especial. Pararam em alguns pontos onde tiveram explicações sobre o
funcionamento de cada unidade, comentários sobre a vida no planeta, etc. Não
conseguiram ver um Vendeliano sequer. A curiosidade estava aumentando muito,
mesmo para uma tripulação experiente e preparada como aquela.
Finalmente chegou a
hora esperada: uma espécie de recepção. Num sala especial, feita de um material
desconhecido para nós, transparente. Haveria uma “troca de energia” como eles
haviam avisado anteriormente, e também uma espécie de simbiose genética, se é
que podemos dizer assim. Uma espécie de vibração energética começou e a
tripulação terrestre entrou numa espécie de transe. Tudo o que eles precisassem
saber, dentro que fosse possível, sobre a identidade e constituição dos
Vendelianos seria transmitida naquele momento. Obviamente eles também
aprenderiam tudo que quisessem sobre os terráqueos.
Não dava para saber
quanto tempo demorou. Assim que acabou a sessão, os tripulantes da nave
terrestre olharam entre si, estupefatos. Tinham aprendido que os Vendelianos
não possuíam corpo. Há muitos milênios atrás, “transferiram seus dados” para
máquinas sofisticadíssimas e “viviam” nelas. Tinham chegado a um nível inimaginável
de evolução. Estavam muito perto da perfeição. Os corpos, antes de “sumirem”,
haviam sido excepcionalmente semelhantes aos dos humanos.
Cada um dos
tripulantes tinha adquirido ali, naqueles momentos, uma infinidade de
informação sobre Vendel. Alguns dias
depois começariam os preparativos para a viagem de volta. Mais de cem anos
depois estariam na Terra novamente.
Durante a viagem as
informações estariam sendo transmitidas para a Terra. Logo iriam ser
“congelados” e...
Foi aí que alguém
comentou: Como fariam os Vendelianos? Não precisariam de criogenia para uma
viagem? Alguns da tripulação riram, outros balançaram a cabeça. Ninguém deu uma
resposta. Não havia resposta para isso...
Friday, April 19, 2013
Jonas, a esposa, a amante, e a baleia
Jonas,
a esposa, a amante, e a baleia
Jonas
estava apressado. Deu um beijo na
esposa e disse que voltaria à noite.
Ligou o carro e partiu. No trânsito, um
acidente feio. Morreu a caminho do hospital.
Jonas estava com pressa. Deu um beijo na esposa e disse
que estaria de volta à noite. Ligou o carro e partiu. Chegou no escritório,
sentou-se e começou a trabalhar. Cinco minutos depois, sentiu uma forte dor no
peito. Era um ataque cardíaco. Faleceu antes de chegar ao hospital.
Jonas estava apressado.Deu um beijo na esposa e disse que voltaria à
noitinha. Ligou o carro e foi ao hospital ao invés de ir para o trabalho. Lá
encontrou uma enfermeira chamada Lucília, que era sua amante. Disse a ela que
tinha criado coragem e que naquele final de semana pediria o divórcio para sua
esposa. Daí então, poderiam viver livres e felizes para sempre.
Jonas estava apressado. Deu um beijinho na mulher e
disse que não sabia exatamente quando voltaria. Ligaria depois. Não ligou.
Ligou o carro e partiu. No caminho, desmaiou e acordou na barriga de uma enorme
baleia, no meio do oceano. Não conseguia entender, não havia explicação. A
única que havia era que ele era o Jonas da Bíblia, mas isso não era uma boa
explicação.
Coitada da mulher do Jonas. Nada dava certo com o
Jonas.
Sabe de uma coisa? Desisto de acertar a vida do Jonas.
Agora o personagem é seu. Boa sorte!
Faça dele e de seu destino, o que bem entender!
Sunday, April 14, 2013
Irene, Manuel Bandeira, os políticos e o direito de ir para o céu...
Irene, Manuel Bandeira, os políticos e o direito
de ir para o céu...
“Imagino
Irene entrando no céu:
- Licença, meu branco!
E São Pedro bonachão:
- Entra, Irene. Você não precisa pedir licença”
- Licença, meu branco!
E São Pedro bonachão:
- Entra, Irene. Você não precisa pedir licença”
Assim
Manuel Bandeira descreveu a Irene entrando no céu. Se fosse eu, acho que,
depois de eu pedir licença, ele falaria:
-Devagar
aí, meu, amigo, precisamos conversar.
E
eu ia ficar preocupado, com certeza. No final, depois de algumas explicacões e
exigências cumpridas, acho que tudo se acertaria. Acho.
Agora
se fosse um dos políticos que conheço, ele nem pedia licença, já ia entrando. Mas daí, São Pedro ia falar:
-Pode
parar por aí. Você errou o caminho. O seu lugar é outro.
Então,
o político ia insistir e, ele, não tão bonachão, nem ia falar mais nada, só ia apontar
o caminho da saída.
Claro,
tudo isso é especulação. Pode ser até que um dia, aqui na terra, num país que
eu conheço, eles votem e aprovem por maioria absoluta, o direito antecipado e garantido de ir para o
céu, nem que seja na marra. Sancionado. Garantido em ata. Sem veto, pelo menos
do pessoal daqui. Cruz credo, isso já é blasfêmia, vou parar por aqui.
Saturday, April 13, 2013
Perdido no mar
Perdido
no mar
Numa bela tarde sol, peguei meu
barco à vela, saí para o mar, que estava calmo, e velejei, velejei até não mais
poder ver a praia e nem o que havia pela frente, como se o mar fosse infinito e
acho que ele é, apesar de ele ter um começo, que é de onde eu saí, mas como não
consigo mais ver, ele é infinito para mim e esse infinito começa a me assustar,
mas eu sei que alguém vai me ajudar a voltar quando eu me desesperar e perceber
que não tem mais jeito, então vou pedir socorro e ...
Estou perdido no meio dessas
frases e nem me lembro mais do que ia falar. Agora me lembro que a professora
de português havia me avisado para não fazer períodos longos. Está bem. Uma
frase de cada vez... Socorro. Estou perdido no mar. Minhas palavras também.
Thursday, April 11, 2013
Dente-de-leão
Dente-de-leão
Sabe, aquela flor,
dente-de-leão? Você assopra e pronto, ela se dissolve no ar. É delicada,
bonita, mas não resiste a um simple soprar. Assim somos nós, assim é a
nossa vida. A beleza, a força, vem da criação.
O sopro, nada mais é do que o nosso destino que, a qualquer momento vai soprar.
No começo, foi o sopro da vida, depois, no fim, vem o sopro da morte. E nós
vamos, pobres de nós, sumindo, diluindo, no meio do ar. Não se iluda, só isso
somos nós.
Dente-de-leão, leão,
animal forte, rei da floresta . Que ironia, que risada é nossa
vida...Dente-de-leão...só rindo mesmo...
Tuesday, April 9, 2013
A segunda vida do Ribeiro
A
segunda vida do Ribeiro
Lá estava o Ribeiro, mexendo e remexendo na papelada em uma sala
na parte sul do hospital. Inventara umas histórias, umas desculpas, e conseguiu
finalmente a autorização. Teve sorte pois não se passaram nem duas horas e
achou o que queria. E agora estava olhando, quase em choque, para uma foto. Não
podia ser, mas era. Estava tentando se convencer de que estava enganado. Não
havia como negar, a foto...
Não vamos nos precipitar. Para entender a cena, temos de voltar
alguns meses no tempo. Ribeiro era um enfermeiro do Hospital Santa Clara. Era
um bom lugar para se trabalhar, muito antigo e tradicional na pequena
cidade. A instituição tinha mais de oitenta anos. Ribeiro, logo de imediato,
foi bem aceito entre os colegas. Todos o chamavam para ajudar aqui e ali, era
um batalhador, funcionário dedicado e inteligente, além de um bom amigo de
todos. Já estava há uns três meses no hospital quando teve a primeira da
série de experiências estranhas pelas quais passou.
Um dia sentiu um tontura danada quando estava passando por uma sala que tinha escrito “Arquivo”em sua porta. Não foi só isso, sentiu também uma força danada impulsionando-o a entrar. Assim o fez. Lá dentro, devagarinho, foi voltando ao normal. Daí, quando acordou, notou que seu uniforme era de outra cor. Branco. Nunca usava essa cor no trabalho. Mas era um uniforme sim. Saiu da sala, voltou para o corredor. De repente, começou a olhar para as pessoas e notou que as conhecia e até sabia seus nomes. Não eram, entretanto, os seus colegas de serviço. As paredes tinham outra cor, os móveis e os aparelhos todos pareciam muito antigos. Aos poucos fois e esquecendo do “outro hospital”. Na verdade ele não saía de sua mente, estava lá, só que distante, como uma lembrança. Parecia um sonho que tinha tido, uma recordação. De repente viu, no meio do corredor, uma enfermeira agitada, acenando. Correu para lá e foi atrás dela, que entrou numa sala. Um paciente parecia ter morrido. Imediatamente fez massagem cardíaca, esmurrou seu peito e, como por milagre, seu coração começou a bater novamente. A enfermeira agradeceu, e o irmão do doente, que estava no quarto, abraçou-o chorando. Deu mais umas voltas pelo hospital, fez uma tarefas que lhe cabiam e, de repente, lá estava ele passando pela “sala do arquivo” novamente. Aconteceu exatamente a mesma coisa, sentiu tontura, um impulso incontrolável de entrar. Aos poucos volta ao normal e já está com seu uniforme verde outra vez. Sai, começa a reconhecer as pessoas, as primeiras que já conhecia antes. Aos poucos as imagens do velho hospital vão sumindo, sem desaparecer totalmente.
E isso aconteceu inúmeras vezes, durante meses, com
pequenas alterações. O que havia de comum, sempre, é que ele sempre acabava
ajudando alguém. Nem sempre era salvando alguém. Às vezes consolava um
companheiro que estava passando por um problema difícil, às vezes “dando uma
dica” importante para um médico que estava com uma dúvida sobre um paciente.
Era como se cada vez que “voltava” era para cumprir uma missão. Nunca ficava
muito tempo lá , mas era sempre uma experiência viva, real. Com o repetir das
“viagens” a lembrança das cenas, das pessoas, das instalações ficava mais viva
em sua mente. Conseguia se lembrar. Foi então que começou a prestar atencão
numas fotos em quadros pendurados na parede do prédio principal do hospital.
Não passava muito por lá, por isso demorou um pouco para ele notar. Mas assim
que ele olhou com cuidado, pela primeira vez, teve certeza. Aquelas fotos das
instalações hospitalares de 40 anos atrás eram exatamente o que ele via toda
vez que entrava naquela sala e repetia a experiência. Normalmente isso o
deixaria louco, faria com que pensasse que estava com alguma doença mental.
Entretanto, como as coisas foram acontecendo aos poucos, ela pareciam quase
normais, faziam parte da sua vida atual. Um dia, porém, algo lhe
ocorreu. Será que o hospital tinha fotos de funcionários antigos, da época para
a qual ele estava sempre voltando? Se tivesse, com certeza ele os iria
reconhecer, pois tinha os semblantes vivos na memória.
Pesquisou, procurou, entrevistou todo mundo na família. Ninguém
nunca ouvira falar de Sebastião Ribeiro. Noi entanto conseguiu falar com duas
pessoas de bastante idade, que trabalharam no hospital há décadas atrás e elas
se lembravam do “Ribeirinho”. Viera de outra cidade, não sabiam qual, e morrera
jovem, aos 31 anos. Trabalhara apenas 4 anos no local. Era sozinho, não tinha
família.
Era um nistério e tanto. Sem saída, sem solução. Na cidade não
havia outros registros, nada. Você sabe, antigamente, essa história de
registros, identificação, não era coisa muito séria.
O
“Ribeirinho” de agora, Afonso,na verdade, o “Ribeiro”, quase enlouqueceu de
tanto pensar no assunto. Nunca contou nada para ninguém, alguém poderia achar
que estava ficando louco. Quando investigava sobre o assunto, inventava uma
desculpa qualquer. Ele, como seu outro “eu” também faleceu. Agora nem sequer
temos alguém para entrevistar, perguntar. Assim terminou a história de Afonso
Ribeiro Júnior, o Ribeirinho de antes, o Ribeiro de agora...
Sunday, April 7, 2013
Dizem por aí...
Dizem
por aí...
O nosso caso não tem jeito, é um tal de brigar, separar e
voltar. Não existe perpectiva para nós. Que tipo de casal seríamos nós? Que
tipo de casamento? Passamos juntos uns
dias e pronto...nova briga, nova discussão. Todo mundo repara e comenta: “é um
caso perdido”. Não sabem por que
continuamos tentando. Somos como um
barco sem destino que saiu de porto nenhum. Somos a falência do amor.
É o que dizem por aí...Que não vai dar certo!
O que eles não sabem, e nunca vão compreender é que, apesar
de tudo, nos amamos intensamente. De uma forma que pouca gente sabe amar.
Nossas brigas são como as pinceladas do artista, tentando aperfeiçoar o quadro
que pinta. São como as cinzeladas do escultor tentando achar a forma perfeita.
Brigamos muito porque queremos o máximo um do outro. Discutimos porque queremos
aperfeiçoar cada vez mais nosso sentir,
nosso querer. Nossas almas são como os raios na tempestade: iluminam a escuridão
para encontrarem as veredas. Essas pessoas
dizem essas coisas por aí porque não
sabem o que é o verdadeiro amor, a paixão arrebatadora...Não foi o próprio
Camões que disse: “...se tão contrário a
si é o mesmo Amor”?
Pois bem, não importa o que dizem por aí. Assim é o nosso
amor...
Friday, April 5, 2013
O mundo em equilíbrio
O
mundo em equilíbrio
Numa rua de Chicago, o rapaz da gang atira em alguém. No
mesmo momento, alguém em Miami ajuda a se levantar uma velhinha que havia
caído. No Rio, outra bala, desavisada, do pessoal das drogas, acaba atingindo quem
não deve. Em Americana, São Paulo, o rapaz avisa o homem que sua carteira havia
caído no chão. Enquanto em Berlim alguém segura o braço do apressado que ia ser
atropelado pelo ônibus, no Afeganistão o
fuzil do soldado mata mais que o soldado inimigo. Junto uma criança morre. Em
uma grande metrópole alguém rouba um banco, enquanto outro alguém que pode,
noutra metrópole, dá uma enorme quantia de dinheiro para a caridade. Na
repartição alguém de mau humor faz cara feia e dá uma resposta atravessada,
enquanto no exato mesmo segundo, um senhor acompanha um desconhecido, que não
conhece a cidade, até a esquina para mostrar o prédio para o qual ele tem de
ir. De uma lado, a mão estendida, de outro um punhal nas costas.
Assim vai o mundo se equilibrando, fragilmente, sutilmente.Compensando,aqui
e ali.
Uma coisa só, pequenina, de ruim, pode desequilibrar tudo.
O braço da balança pode ir, de repente e abruptamente, para o outro lado. Quem
vai ser o responsável?
Wednesday, April 3, 2013
Lola, a nova vizinha
Lola,
a nova vizinha
Ela chegou assim, sem mais nem menos, e se mudou
para a casa mais bonita da rua. Mais bonita e mais cara. Pagou à vista.
Simpática, cumprimentava a todos, homens, mulheres e crianças. As crianças
achavam graça, quase todo homem respondia, mulher, quase nenhuma.
Seu nome era Lola. Todo dia alguns homens vinham
até sua casa, ficavam um pouco e saíam.
Às vezes, algumas mulheres.
O que era curiosidade no início, virou depois um
furor. A fofoca era generalizada. Logo a seguir, alguém organizou um
abaixo-assinado para expulsar a nova vizinha. Onde se viu? Atentado ao pudor,
falta de decoro, embora não parlamentar, e muito mais. Principalmente, ali não era
zona de meretrício, não senhor. Gente fina, pudorada, com princípios. Os mais
curiosos, entretanto, acharam melhor ir para a internet e descobrir algo mais.
E descobriram. Lola era uma famosa triz pornô. Ganhava uma nota preta. Parece
até que tinha seu jato particular. Aquelas pessoas que a visitavam, não eram
clientes não. Homens de negócios, pessoal do ramo, produtores, empresários.
O abaixo-assinado desapareceu, todo mundo começou a
cumprimentar a nova moradora. Respeitá-la, principalmente. Queriam mais
contato, mas ela era muito ocupada. Agora todos sabiam que ela era não só
atriz, era também empresária. Grana viva, pesada.
Havia justificativa para a mudança de opinião do
povo. Afinal, o que ela fazia era pura pornografia, negócio legítimo como
qualquer outro. Empresária, gente de
bem. Agora, francamente, acho que “pura” é um pouco de exagero...
Monday, April 1, 2013
Minha flor, meu jardim
Minha flor, meu jardim
(sem rima, com amor)
Neste mundo,
num grande país,
numa pequena cidade,
há uma casa.
Na casa, um jardim.
No jardim, muitas flores,
todas lindíssimas.
Dentre elas,
uma se destaca
Pela beleza sem fim
Esta flor, meu amor,
é você.
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