Friday, June 7, 2013

A hora dos lobos


A hora dos lobos

Lobos famintos e ferozes atacariam a vila no  meio da noite. Era preciso vigiar. Eles eram enormes. Do tamanho de um boi. Não adiantava atirar, não adiantava se defender. Queriam carne, queriam sangue de gente. Era a sina.
O Dino repetia isso o tempo todo, mas com as palavras dele, com a voz dele, com o jeito dele. E não era fácil de entender, não. Eram praticamente uns grunhidos. Era tudo que ele conseguia fazer com todos os problemas que tinha. Ele, coitado, era retardado, doente mental. Muito poucas pessoas entendiam o que ele falava, mesmo assim, prestando muita atenção. Uma delas era o Sandro. Além de ter pena do coitado, ele achava também que havia algo de bondade nele, alguma coisa espirirtual, sei lá. Provavelmente era besteira, mas era o que ele sentia.
O Dino morava com a mãe, muito velhinha. Tinha coisas que ela não conseguia mais  fazer na sua velhice, tinha coisas que ele não podia fazer no seu atraso mental. Juntavam, então, o pouquinho que cada um podia e tocavam a vida. Às vezes precisavam de uma ajudazinha aqui e acolá e acabam sempre tendo uma mão amiga. Viviam da pensão que o pai, falecido, tinha deixado.
Toda noite, por volta das dez, o Dino saía de casa e entrava no bosque que havia perto de sua casa. Era grande e se estendia até perder de vista. Escuro como  breu. Não se sabe como o Dino conseguia andar por lá . Ficava umas três horas lá dentro e depois voltava. Toda vez que o Sandro perguntava, ele dizia que ia lá acalmar os lobos, dizer para eles não virem. Tinha de conversar, cantar baixinho para eles se acalmarem. Era o único jeito. Não podia falhar uma só noite, pois, do contrário, eles viriam para vila e matariam pessoas até ficarem saciados. Tudo isso o Dino dizia, do jeito dele, com a voz dele. O Sandro era o único que acreditava. Quase acreditava.
Era uma missão importante, essa do Dino. Tinha gente cuja vida dependia dele. Ele não gostava de deixar a mãe sozinha à noite, mas aquilo era uma coisa sagrada que só ele podia fazer.  Acalmar os bichos, conversar  com eles, era seu destino e só seu.
O Dino, durante o dia, andava para lá e para cá, com aquele jeito desajeitado que ele tinha. Meio desengonçado, ia atravessando as ruas, sem muito olhar. Não havia muito perigo, pois havia poucos carros e todo mundo já o conhecia na redondeza. Viam aquela figura manquitolante, lá de longe, e já diminuíam a marcha.
Naquele dia, porém, havia alguém de fora chegando na cidade. Quando percebeu, o Dino estava bem na frente do carro, não teve como desviar. A velocidade não era muita, mas pegou o coitado de jeito. Foi levado para a  Santa Casa, em estado nada bom. A  cabeça que já não era muito certa, levou uma pancada também.



Logo chegou o Sandro, comovido com a notícia. O atropelado estava dormindo, mas assim que percebeu a chegada do amigo, acordou e ficou agitado. Queria falar alguma coisa. Sandro encostou os ouvidos na boca do enfermo. Mal dava para perceber o que ele falava, mas o Sandro já tinha prática e entendeu tudo. Era para ele ir embora da cidade por uns dias. Não tinha como evitar, os lobos iam atacar. Não dava para ele ir conversar com eles naquela noite, para acalmar, para cantar. Ninguém podia evitar, ele tinha de sair.
Sandro, apesar de assustado, não conseguia acreditar naquilo que o Dino falava. Ainda assim, como tinha uma visita pendente para um irmão na cidade vizinha, usou esta desculpa para si mesmo e viajou.
Três dias depois, voltou.  O Dino, pobre, tinha falecido e jazia no pequeno cemitério da vila. Na rua de sua casa, que era bem perto da rua do Sandro, uma grande desgraça. Na noite anterior, houve assassinatos em cinco casas. Treze pessoas, no total, haviam morrido e pouco tinha sobrado delas. Quem – ou o que - quer que tenha atacado, ou jogou a maior parte dos pedaços dos corpos fora, ou os tinha comido. Tinha sobrado pouca coisa. Sangue nas paredes, sangue no chão, sangue na porta. Nas casas ninguém restou para contar como foi que tudo aconteceu. Uma tragédia.
Ninguém conseguiu relacionar  o que o Dino costumava falar com o que tinha acontecido. Ou porque num evento de tal magnitude, simplesmemente ninguém se lembrou da pobre figura, ou talvez porque nunca ninguém tinha entendido direito o que ele estava dizendo. Só o Sandro sabia.
O Sandro sabia também que os lobos não voltariam mais. Acho que o Dino tinha explicado para ele uma vez que, se eles atacassem, iam atacar só uma vez.
Sandro morou na pequena localidade pelo resto de sua vida. Sempre houve muita paz depois disso. Muitas vezes ele ficava pensando  que aquilo era uma pena que a cidade tinha de pagar, às vezes pensava que era coincidência e tudo tinha sido feito por um assassino maníaco que passava casualmente por ali. Nunca a polícia descobriu o que realmente tinha acontecido.

 O fato é que aconteceu tudo do jeito que o Dino falou. Acho que às vezes Deus fala através dos tolos e o diabo através dos lobos. Quem quiser acreditar, que acredite. Todos são filhos de Deus e Ele escolhe quem ele quiser para ser seu mensageiro. Pode ser também que o Dino tivesse premonição.  E, por que não? Ou ainda podia ser que na loucura dele, ele tinha capacidade de criar monstros na vida real, na forma de lobos ou não. Acho, porém, que isso é improvável.  A única coisa certa, é que tudo aquilo aconteceu. E tudo aconteceu do jeito que o Dino falou. Ele mesmo, o Dino, louco, débil mental, retardado...Pelo menos para o resto de nós, ele era.

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