Sapatos
às margens do Danúbio
Nada
mais prosaico que sapatos. Quem faria uma escultura com eles? Coisa de arte
moderna, talvez? Uma daquelas que só os entendidos podem comentar? O fato é que
um grande amigo meu, Milton Assumpção, conhecedor de vinhos e amante da cultura
do velho continente, ficou impressionado com os sessenta pares desenhados em
ferro por Gyula Pauer e colocados às margens do Danúbio em Budapeste. Eram
modelos usados por crianças e adultos nos distantes anos 40. Um pouco corroídos
pelo tempo, estão lá desde o ano 2005, quando o monumento foi inaugurado Há
muito mais por trás deles. Há a crueldade doentia de um grande ditador, há a
dor e humilhação de milhares de pessoas.
Ferenc
Szálasi era um político afinado com os ideais da causa nazista e líder do Partido
da Cruz Flechada na Hungria. Em parceria com o assassino alemão, tinha, como um
dos seus principais objetivos, eliminar todos os judeus. Enchia trens com as
pobres vítimas e as enviava para o campo de concentração em Auschwitz. Quando
os vagões estavam lotados, o trem partia. Os que ficavam para trás, tinham de
tirar seus sapatos e ficar em pé, esperando pela execução. Eram então fuzilados
e jogados nas águas do famoso rio, para que fossem levados embora. Com o frio
rigoroso que fazia na Europa, seria um desperdício serem atirados junto com os
corpos.
Essa
é a história dos sessenta pares ali expostos. Um conto de terror e uma metáfora
horrorosa sobre a bestialidade humana, contada em forma de escultura, sólida,
em ferro, para que não nos esqueçamos jamais.
ooooooOOO0OOOooooo
Essa vida da gente
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