Saturday, August 1, 2015

A terceira vida


A terceira vida

Para Zeckard, aquela vida virtual tinha passado a ser a essência de tudo. Era um programa elaborado pelo Ministério do Bem-Estar há mais de 76 anos. Com o avanço da tecnologia e da ciência nos últimos séculos, sobrava muito tempo para as pessoas. O tédio podia ser mortal. Os humanos dificilmente trabalhavam mais de três horas por dia. Robôs e máquinas poderosas faziam todo o trabalho pesado. O crescimento da população era praticamente zero. Só eram permitidos nascimentos no caso de reposição ou para habitar as colônias da Lua e de Marte.
Era necessário preencher a vida das pessoas. Assim foi criado o ALP (Alternative Life Pattern), uma espécie de mundo virtual em que o usuário poderia viajar e relaxar. Havia um banco de dados colossal dos últimos séculos. O candidato poderia escolher qualquer ambiente remontando até a segunda metade do século XXI. Antes disso, embora houvesse um armazenamento incrível, não era perfeito. Depois de 2063, com o sistema CDC (Comprehensive Data Collection), foi possível reconstituir a vida de praticamente qualquer pessoa e de toda a comunidade. Era só escolher uma época e um estilo de vida. Era fascinante. Zeckard tinha escolhido a faixa de época de 2110 a 2150, como Técnico em Genética. A função explicava-se pelo fato de que ele trabalhava neste setor nessa sua maravilhosa e tediosa época do século XXVI e a sequência de tempo tinha como explicação o fato de ser essa em que a genética passou a ser trabalhada a partir de partículas subatômicas. Queria saborear o momento em que tudo que ele adorava, começou. Ele não tinha se enganado, era fascinante.
Zeckard ficava plugado no sistema por mais de 15 horas diariamente, o máximo que era permitido. Era um programa perfeito. A sensação de realismo era absolutamente perfeita. Tanto que, antes de voltar da realidade virtual para a vida real do século XXVI, eram necessários pelo menos 37 minutos de adaptação.
A novidade sobre a qual se falava ultimamente era que estavam aceitando inscrições para “viver” no ALP, também chamado coloquialmente de “Segunda Vida”, em termos definitivos. A explicação era que isso dava mais espaço para novos nascimentos, uma vez que, nesse caso, o corpo ficava inerte em algum lugar e não ocupava o precioso espaço vital dos habitantes normais. Não era confirmado, mas dizia-se em círculos fechados que eles eram enviados à Lua. Havia enormes construções, especialmente planejadas para esse fim. Mais ainda, a procura era tão grande, que já estavam providenciando mais espaço. Muitos entendidos afirmavam que nem seria necessário preservar os corpos, uma vez que o ALP, o definitivo, era feito por máquinas para onde os dados tinham sido transmitidos. Não haveria necessidade de se preservarem os recipientes, os organismos humanos. O Ministério do Bem-Estar negava veementemente essas afirmações.
O fato é que Zeckard não se preocupava muito com isso. Já tinha vivido bastante, muito mais do que queria. O que desejava agora era conhecer “novas fronteiras”. Inscreveu-se no programa definitivo do ALP, ou seja, iria se instalar para sempre na “segunda vida”. A única dúvida era a época a ser escolhida. Fez muitas pesquisas e finalmente decidiu-se pela “Era Fundamental”. Essa tinha sido uma época, na primeira metade do século XXII, onde ficou claro que não seria possível “viajar no tempo”. Tudo foi baseado inicialmente nas teorias do pesquisador sueco Wilmer, que sugeria, a partir do comportamento de algumas subpartículas, a ideia de superposição de tempo. Em outras palavras, presente, passado e futuro não existiam. Eram uma coisa só. As consequências dessas descobertas, ao invés de incitarem mais pesquisas e mais estudos, levaram os cientistas e, principalmente, os governantes, para uma estranha direção. Embora fascinante, essa nova fase da Ciência iria requerer recursos e disponibilização muito além do racional. Resolveram, como um todo, ir para o lado da Tecnologia em oposição à Ciência pura. E o que já havia dessa era suficiente para suportar novas tecnologias para os próximos séculos. Ou talvez, como ironicamente sugeriu Dr. Wilmer, o homem avançou tanto que ficou com medo de descobrir que ele era o próprio Deus.
Assim, Zeckard, optou por viver virtualmente na “Época Fundamental”. Como ele dizia, entretanto, deveriam retirar o termo “virtual” para esse procedimento, pois, para quem estava lá, não havia como diferenciar real de virtual.
Tudo aconteceu muito rapidamente. O corpo de Zeckard foi enviado para as estações lunares. Ele tinha concordado em “desistir” do próprio corpo. Na prática, pensou, não faz diferença nenhuma. Além, disso, era uma condição obrigatória para entrar no programa. Manter o corpo congelado na Lua era mais uma questão de garantia. De “back-up”.
O ALP, ao contrário do que se possa pensar, não era todo programado antecipadamente. Os seres que “habitavam” em determinado lugar e em determinada época, tinham vontade própria. Poderiam fazer opções, exercer o livre arbítrio, virtual, é claro. Os sofisticados equipamentos podiam, de certa forma, acompanhar estes movimentos, embora não visualmente.
Zeckard passou várias décadas nessa sua “segunda vida”, até que o sistema notou algo interessante. Ele estava novamente com tédio, ou simplesmente, queria “viajar mais”. Não havia nada que o sistema pudesse fazer. Eles não poderiam alterar a programação depois que o participante tivesse se introduzido nele. O ALF era independente, depois de iniciado.
Fo aí, então, que aconteceu algo surpreendente. Zeckard, aparentemente tinha levado seus conhecimentos científicos para sua vida virtual. Ou melhor, o programa ALP tinha transferido tudo de sua primeira realidade para a virtual. E, dentro desse virtual, no ALP definitivo, criou mais uma opção. Foi uma surpresa para os próprios arquitetos do projeto. Zeckard, junto com os cientistas da “Época Fundamental”, haviam criado seu próprio sistema ALP. Um sistema virtual dentro de outro sistema virtual. Ele tinha optado e já estava entrando em sua “terceira vida”, o ALPS, ou seja, o “Aternative Life Pattern Sequence”.

Quem sabe, ele, então resolvesse prosseguir com a teoria da superposição do tempo, criada pelo Dr. Wilmer. Isso, só o tempo diria...


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