Monday, July 2, 2018

Admirável mundo novo




Admirável mundo novo


O que eu ouvi inicialmente foram algumas vozes distantes, conversas que não conseguia entender. Havia também ruídos, sons de metal, de rodas no chão. Senti um cheiro que eu conhecia, mas não sabia de onde. Meus olhos estavam fechados,  mas eu conseguia perceber que havia luz. Por mais que me esforçasse, não conseguia soltar minhas pálpebras, elas pareciam estar coladas.
Fiquei assim algum tempo. Tentei mexer as mãos e os pés, mas nada. Podia senti-los, no entanto. O que faltava era força. Talvez por isso não conseguisse também abrir os olhos. Tentava com muito esforço entender o que estava acontecendo, mas minha memória não me ajudava muito.  Estava absorto nesses pensamentos confusos quando ouvi alguém gritar:
-Ele voltou, ele voltou!!!
Demorou um pouco para eu entender que estavam se referindo a mim. Logo depois ficou bem claro que eu era o objeto do alvoroço. Notei que havia muitas pessoas ao meu redor. Alguém, deveria ser o médico, pegou meu pulso, começou a fazer perguntas. Estava confuso, queria responder, mas não conseguia. Fiquei frustrado. Acho que havia gente chorando na sala. Depois vieram outras pessoas. Todos falavam alto, animados. Vez ou outra pedia-se silêncio. Foi aí que me deu um sono irresistível e eu dormi novamente.
Impossível eu saber quanto tempo se passou. O que sei é que, quando acordei novamente, havia poucas pessoas na sala e elas estavam conversando. Acho que não perceberam que eu estava ouvindo. Falavam coisas como “Como será que ele vai reagir?”, “Nossa, é muito tempo”... e inúmeras coisas do gênero. Entretanto o que captou minha atenção foi quando alguém comentou qualquer coisa de “mundo novo”. Imediatamente me veio à lembrança o nome de um livro que eu havia lido: “Admirável Mundo Novo”. Eu me lembrei até do autor: “Aldous Huxley”. A memória da gente é uma coisa estranha... Com tanta coisa para me lembrar, fui me lembrar de um livro. Por enquanto, era a única coisa de que me recordava. Estava tentando trazer à minha mente a história quando algo que eu ouvi chamou ainda mais minha atenção. Alguém falou: “Parece incrível, 19 anos...” Eu demorei um pouco para digerir mais esta. Dezenove anos? Esse era o tempo durante o qual eu estivera dormindo? Impossível... Mas depois ouvi outras vezes. Ouvi também “coma de dezenove anos”. Ouvia também coisas como “Como ele vai reagir?”
Chegou mais alguém, mais tarde, que perguntou:
-Alguma novidade?
-Nada, tudo no mesmo. À s vezes parece que ele quer falar, mas depois não sai nada...
Esse alguém que chegou parecia estar especialmente interessada em mim. Era uma voz de mulher. Minha mulher? Minha filha? Dali a pouco ela estava sussurrando no meu ouvido:
-Eu sei que você pode me ouvir. Estamos todos te esperando. O mundo mudou muito nesses quase 20 anos, mas nós não. Nós continuamos te amando do mesmo jeito, até mais. Vai ser difícil você entender tudo. Mas nós vamos ajudar. Eu vou te ajudar muito. O mundo está muito diferente, você vai estranhar as pessoas na rua...
E ela continuou:
-Todo mundo tem um telefone no bolso agora. As pessoas falam o tempo inteiro. Mandam até fotos por telefone. Eu sei que você vai gostar muito disso tudo. Especialmente você que era ligado em coisas do futuro. A internet, então, você não vai acreditar. Estamos felizes que você voltou...
E as palavras continuavam. Agora pareciam mais distantes um pouco. Pareciam música, às vezes. Eu estava gostando...
Eu estava muito confuso, mas ao mesmo tempo admirado, excitado. Eu sentia que estava melhorando, que logo, logo, estaria mexendo meus braços e minhas pernas.
Não via a hora de ver esse “mundo novo”, na verdade esse “admirável mundo novo”.  Gozado que entre tantas coisas que certamente havia para lembrar, eu só me lembrava do livro. Mundo novo, mundo admirável....




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