Saturday, November 30, 2013

Black Friday e outras coisas assustadoras


Black Friday e outras coisas assustadoras



Ao longo dos últimos anos, temos visto esse fenômeno de nosso país importar costumes e tradições americanas. Não posso dizer que sejam más “importações” mas também não vejo nenhum sentido ou vantagem nelas. Por que temos de comemorar “Halloween” ? Já temos tantos sustos no nosso cotidiano e certamente isso não ajuda em nada. “Black Friday” ? O tipo de comércio que nós temos, pouco tem a ver com o que há por aqui. Uma simples redução de impostos nesse dia deixaria com inveja qualquer consumidor americano. Poderíamos até  dar-lhe o nome de “Dia da Graça”.
Temos tradições interessantes que poderiam ser cultivadas, mas quem está interessado nisso? Existem coisas tão básicas que precisam ser consertadas que certamente quase todo o resto passa para segundo plano.  Além disso, se quiséssemos levar alguma coisa realmente de valor para o Brasil, poderíamos, por exemplo levar o “honor system” de vendas. Não é um grande fator nacional, mas está espalhado por aqui e funciona. O comerciante deixa as mercadorias numa barraca, as pessoas pegam o que precisam e deixam o dinheiro numa caixa. Funciona também para pagar entradas em alguns pequenos parques e atrações, em regiões rurais. Não vamos chegar ao exagero de dizer que funciona em grandes cidades. Claro que não.
O fato é que, nas últimas décadas, o nosso país cada vez mais se parece com os Estados Unidos, pelo menos em alguns aspectos. Minha preocupação é quando começarmos a imitar coisas que, certamente, não queremos. Já pensou se começarem a fazer tiroteios em escolas e universidades? Ou, pior ainda, se começarmos a intervir em países vizinhos para manter a “democracia”. Será que temos tantos heróis de plantão, depois de tantos anos sem guerra? Quanto aos tiroteios, temos prática, é só uma questão de adaptação de lugar.

É melhor parar por aqui, estas ideias estão me deixando nervoso...

Thursday, November 28, 2013

O Ferrugem

O Ferrugem


Ele sabia que alguma coisa estava errada. Tinha passado da hora do Ferrugem chegar e nada. Estava triste sem a presença do amigo. Era sempre uma festa quando ele voltava para casa. Antes mesmo de entrar, os dois passeavam pela vizinhança, pulavam, corriam. Só depois iam para dentro e, então, o Ferrugem arrumava seu prato de comida. Ele mesmo, só ia comer mais tarde.
Naquele dia eram outras pessoas que chegavam. Gente estranha que ele nunca tinha visto. O coraçãozinho foi ficando apertado, apertadinho. Tanto que agora já estava até doendo e batia descompassado. As pessoas falavam, conversavam, gesticulavam, tudo de um jeito muito estranho. Às vezes olhavam para ele. Alguns chegavam até  a apontar em sua direção. A certeza de que o Ferrugem não iria mais chegar era agora absoluta. Essas coisas ele sabia. Sentia. O que poderia ter acontecido? Um acidente?
Por fim chegaram duas pessoas que ele conhecia. Eram primos do Ferrugem. Todo mundo se ajuntou em volta deles. Depois, alguns foram saindo da roda, uns com as mãos sobre a cabeça, outros, chorando, alguns soluçando. Eles tinham dado alguma notícia. Aquilo era muito triste, não dava para aguentar. O Ferrugem morava sozinho e ele era a sua única companhia. Agora era ele só, mas sabia que não iam deixar que ele ficasse sozinho. Quem iria alimentá-lo?
Finalmente chegou mais um carro que fazia um pouco de barulho com o escapamento. Se o dia não fosse tão triste ele ia responder àquele barulho. Quando percebeu, o Zeca, primo do Ferrugem, chegou perto dele. Falou algumas coisas que ele não entendeu, passou a mão pela sua cabeça e depois pegou-o no colo. Imediatamente percebeu que ele ia ser entregue ao casal que tinha vindo naquele carro barulhento. Ia ser sua nova casa. No banco de trás, um garoto, alheio à sua dor, ria de alegria e estava abrindo os braços para ele. Talvez ele fosse um bom ser humano, mas nem de longe ele era o Ferrugem. Por coincidência ele tinha a mesma cor de cabelo e as mesmas pintas no rosto.
O garoto abraçou o Rex com força e mal podia conter a felicidade. O pai explicou que ele tinha de ter paciência. O Rex gostava muito do Ferrugem, ia demorar para se acostumar com um novo dono.
-Às vezes cachorro sente mais do que gente, explicou.
O calor do corpo do menino aqueceu um pouco o coração do Rex. Ele estava muito triste. Nada ia ser mais como antes. Ele jamais iria se esquecer do Ferrugem. E o homem tinha razão, cachorro sente muito mais do que gente...


Wednesday, November 27, 2013

As últimas palavras

As últimas palavras



“Sim, eu gostaria de falar para minha esposa que eu a amo e lhe agradeço por todos os anos de felicidade. Isso é tudo, guarda.”
Alguns minutos depois, John Quintanilla era executado através dos sistema penal do Texas. Era o dia 16 de julho de 2013. No dia 24 de novembro de 2002, quando tinha 25 anos, tentou roubar um centro de diversões em Victoria, Texas. Houve reação e na luta ele matou um homem e feriu uma mulher. Quando lhe foi dado direito à palavra, as últimas, antes da morte, ele falou as frases ali acima.
Há tantas coisas que podem ser ditas mas elas não cabem aqui. Certamente, o primeiro pensamento vai até a família da vítima de Quintanilha. Possivelmente uma esposa desolada ficou para trás. Filhos sem pai, talvez. De qualquer forma, sempre há uma tristeza enorme quando alguém vai embora, principalmente quando acontece de uma maneira violenta. Não foi um crime premeditado e frio, mas isso não muda nada, pessoas ficaram sofrendo do mesmo jeito, suas vidas completamente danificadas.
Quanto ao condenado, o que aconteceu durante a vida daquele jovem que fez com que ele cometesse aquele crime? Estava determinado, era seu destino? Foi sua educação,o meio em que viveu? Faz parte do seu desenvolvimento? Um efeito colateral? Não dá para aceitar a ideia de que isso é normal nas sociedades modernas. Existem vários países em que o índice de criminalidade é quase zero. Existem sociedades em que quase não existem armas. Há outras em que se criam monstros. Há países que liberam armas para esses monstros. Há outros que fazem de conta que controlam as armas, mas elas estão em todo lugar.
O fato é que se o Quintanilla falou o que falou, na hora de morrer, havia algo dentro dele que ainda servisse. Havia um resto de sentimento, possivelmente arrependimento. Talvez nem a vítima precisasse ter morrido, nem o assassino precisasse ter sido executado. Talvez ele sequer tivesse cometido o crime.
Cada vez que um prisioneiro está sendo executado, a própria sociedade está sendo julgada como um todo. Cada vez que uma vítima é assassinada, ela está sendo assassinada também.
Há os que já nascem loucos, no entanto. Não deveriam ter nascido. Quem sabe, no futuro, os mágicos da  Genética consigam consertá-los também. Daí, sim, teremos uma sociedade do Primeiro Mundo.
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Name
Quintanilla Jr., John Manuel

TDCJ Number
999491

Date of Birth
12/09/1976

Date Received
12/08/2004

Age (when Received)
28

Education Level (Highest Grade Completed)
08

Date of Offense
11/24/2002


Age (at the time of Offense)
25

County
Victoria

Race
Hispanic

Gender
Male

Hair Color
Black

Height
5' 08"

Weight
153

Eye Color
Brown

Native County
Calhoun

Native State
Texas



Monday, November 25, 2013

O jurado

O jurado



Foi tudo muito rápido. Depois de ter dominado o único funcionário da loja de conveniências, o assaltante limpou a caixa registradora. O Davi, coitado, tremia como uma vara verde, rosto para baixo, deitado de barriga no chão e mãos atrás da cabeça. O fulano já estava indo embora, tinha até tirado a máscara, estava um calor desgraçado. Bem naquela hora o desafortunado funcionário deu uma olhada bem na cara do bandido. Ele, esperto, percebeu. Mirou a arma na testa do Davi. Este estava suando frio e teve certeza de que aqueles eram seus últimos momentos. Ainda ouviu uma frase antes de ouvir o tiro:
-Não é nada pessoal. Você não devia ter me olhado.
Antes de atirar, porém, podia já se ouvir o barulho das sirenes da polícia ao longe. Distraído com isso, errou a pontaria. A bala foi se alojar na coxa de Davi.
Ele passou algum tempo no hospital e depois ficou outro tanto fazendo fisioterapia. Mesmo assim, até hoje ele ainda manca de leve. É quase imperceptível. De qualquer maneira, Davi continuou a estudar, melhorou de emprego e agora está muito bem. O deliquente não foi preso apesar da descrição que ele fez.
Os anos foram se passando e Davi passou a ser um membro valioso para a comunidade. Às vezes até participava do juri no fórum local. Gostava dessa história de julgamento, leis, advogados. No próximo mês haveria um julgamento importante e ele havia sido convocado. Estava excitado pois era um caso em que o promotor público estava pedindo pena de morte. Os jornais locais achavam um erro, pois não havia circunstâncias especiais para isso. Agora, prisão perpétua, era coisa certa. O réu havia assassinado o dono da casa durante um assalto. Aparentemente ficou assustado com o aparecimento inesperado daquele senhor enquanto  recolhia as coisas. A mulher estava subjugada, ele estava quase terminando o “serviço” e de repente aparece aquele homem  com algo na mão. O bandido se assustou e atirou. Era apenas o marido segurando o celular e que viera ver o porquê daquele barulho todo. Não foi premeditado ou a sangue frio, mas ele estava assaltando e tinha uma arma na mão. Mas isso é discussão para entendidos em lei, doutores, juízes.
Depois de todos os depoimentos, acusação, defesa, chegou a hora da deliberação dos jurados. O advogado de defesa – apontado pelo governo – tinha feito seu trabalho razoavelmente bem, mas não havia demonstrado grande paixão na defesa.
Depois de onze horas o grupo de jurados entregou o veredito. O juiz leu. Tinham optado pela pena de morte. Houve muito comentário nos jornais. Apesar do crime, todo mundo estava esperando prisão perpétua ou quase, mas não uma pena de morte. Vazou um comentário de que um dos jurados foi muito veemente e ficou horas convencendo os outros a optarem pela sentença capital. Por uma questão de ética, não revelaram o nome. As pessoas mais íntimas sabiam que era o Davi.
Alguns anos se passaram e então o condenado estava a dois meses de sua execução. Nunca tinha recebido visitas, mas naquele dia, anunciaram que havia alguém que queria vê-lo. Encheu-se de esperança. Quem sabe alguém dessas associações que tentam reverter penas de morte. Talvez alguém preocupado com penas demasiadamente cruéis.
O assassino não reconheceu Davi, mas este se lembrava muito  bem da cara dele. Do que ele disse quando mirou em sua testa. Davi deu um sorriso vago, olhou bem para a cara do condenado e disse:
-Não foi nada pessoal.
Falou isso e saiu. Só então o prisioneiro se lembrou da cara assustada do rapaz em que ele havia atirado há muitos anos atrás naquela loja de conveniência. Ele e o jurado eram a mesma pessoa.

Como disse o Davi, nada pessoal...

Wednesday, November 20, 2013

Sandra, Júnior, Janaína

Sandra, Júnior, Janaína



O infeliz do Júnior não tinha mesmo sorte com mulheres. Estava tudo bem com a Sandra e, assim do nada, no último final do semana, ela falou que queria “dar um tempo”. Que conversa mais mole. Essa é a desculpa mais fajuta que se pode dar para terminar um relacionamento.
Enfim, lá estava ele, no banco do parque, tomando um café. Café comprado ali perto, onde sempre se encontravam. Banco, aquele mesmo onde tantas vezes eles tinham sentado antes. Pura coincidência, ou, talvez a força do hábito. Por falar em força, era isso que estava faltando para ele se levantar, criar vergonha e começar uma vida nova. Foi o que pensou, mas o corpo não obedeceu. Até que foi bom, porque, também do nada, apareceu uma linda mulher, a Janaína. Sem mais nem menos, começou a falar com ele. Era linda. Um sorriso de arrasar qualquer marmanjo. Uma pele, que nem sei...E o perfume, então? E a voz saía, suave, suave...
Tão suave que ele demorou um pouco para entender o que estava acontecendo. Mas, lá dentro da alma, veio, sutilmente aquele velho provérbio “quando a esmola é muita, o santo desconfia”...Entretanto, não é o que você está pensando ou talvez seja pior do que você está pensando. A tal da Janaína – você pode me chamar de Jana, como meus amigos, disse ela - estava trazendo um recado. Nada mais, nada menos do que da Sandra. Explicou que a Sandra estava preocupada com ele. Sabia que ele ia estar exatamente ali, onde ele estava. Que o problema não era com ele, era com ela. Que ele era um cara legal, ia encontrar alguém melhor do que ela. Por uns segundos, o Júnior pensou que a “Jana” talvez fosse mesmo melhor que ela, mas isso é uma coisa que não se fala.
E a moça falou muita coisa. E falava. E quanto mais falava, mais bonita ela parecia. Uma graça mesmo a tal da Janaína, quero dizer, a Jana.
Finalmente, ela pôs a mão no braço do Júnior – que delícia de mulher – e parecia que ia terminar a conversa. O Júnior não podia deixar que ela fosse embora. Precisava falar alguma coisa. Marcar um encontro, quem sabe? Olhou bem para ela e ia dizer algo. Foi aí que ficou paralisado. Ela era ainda mais doce, mais suave, mais tudo, do que ele pensava.
Enquanto ele estava paralisado, entretanto, ela falou. Falou que entendia a paixão dele pela Sandra. Ela era mesmo um mulherão. Mas ele tinha de entender. Agora a Sandra tinha descoberto seu destino, sua verdadeira identidade. E que, ela, a Janaína, a ajudaria nesta empreitada. Ela também estava apaixonada pela Sandra, por isso entendia o que estava se passando dentro dele.
Foi só aí que o Júnior entendeu o que ela estava falando. As duas se amavam. Como ele podia ser tão burro? Era estranho mas por outro lado era um consolo. O problema, se isso pode ser chamado assim, realmente, não era ele. Agora ele estava entendendo.
Ainda assim, ficou desconsolado um bom tempo. Também, não é fácil. Em dois dias ele perdeu duas mulheres: a que ele tinha e a que ele pensou que ia ter.

Esse mundo está mesmo ficando diferente. De tudo isso só ficou uma dúvida martelando na cabeça do Júnior. Ele queria saber se ele era a Sandra ou se ele era a Janaína naquela relação. Pensando bem, é melhor não saber...

Wednesday, November 13, 2013

Tocando em pontos sensitivos

Tocando em pontos sensitivos


Cada vez mais os cientistas descobrem coisas sobre nosso cérebro. A maior parte delas é amplamente aceita não só pela comunidade científica, mas também pela maioria das pessoas com maior nível de educação.
Vejam só como a vida é cheia de ironias. Uma escritora, a neurofilósofa Patrícia Churchland, escreveu um livro sobre o assunto recentemente. A primeira delas é o sobrenome da autora: “Churchland” . Não acredito que “nas terras da Igreja” suas ideias sejam bem-vindas. A segunda ironia está no fato de que ela é da área de “humanas” e acabou escrevendo essa obra que é devastadora para o conceito de “espiritualidade”, “religião”, etc. Deu um golpe mortal em várias instituições humanas até agora tão sagradas, que nenhum cientista radical tinha dado com tanta força.
Segundo ela, ter um comportamento moral bom, adequado, ter integridade, ética, tudo isso não é determinado por uma razão espiritual, sobrenatural, mas sim por necessidades de sobrevivência, habilmente controladas por nosso cérebro e a incrível química que há dentro dele. Em outras palavras, não somos bons, éticos, morais por causa de uma luz espiritual que nos guia, mas sim porque nosso cérebro, de uma maneira inteligente e através da química, nos induz a isso, para nos ajudar na preservação da nossa espécie.
O nome do livro, de uma maneira quase sarcástica,  é “Touching a nerve”, que significa, em sentido figurado, “tocando em pontos sensitivos”. Com certeza é isso que ele faz.

Isso vai dar o que falar. É assustador, mas definitivamente estamos mesmo entrando no “admirável mundo novo” de Huxley...


Monday, November 11, 2013

Caradurismo


Caradurismo



Rob Ford é o prefeito de Toronto, no Canadá. Uma figura e tanto. Teve a infelicidade de ter sido filmado fumando crack. Como todos os políticos fazem, negou categoricamente. Nessa primeira fase ele se saiu muito bem, estava bastante convincente. O tempo foi passando, ele sempre no noticiário, testemunhas dizendo que sim, ele dizendo que não. Hoje em dia, com Internet e tudo mais, um dia a verdade aparece. E apareceu.A própria polícia disse que tinha o filme.
O Rob, acho que podemos chamá-lo assim, confessou. Não exatamente do jeito que você está pensando. Ele é muito criativo. Falou que realmente aquilo “pode” ter acontecido. Ele não se lembra e o motivo é mais do que razoável: ele estava completamente bêbado. Não se lembra do crack, mas se fez, fez, não sabia o que estava fazendo. Não se pode negar que ele é esperto. De um lado tentou provar que não mentiu e de outro transformou o caso de droga em uma simples bebedeira. E tem mais, ele disse, como todos fazem, que não vai  renunciar. No máximo vai fazer um tratamento, vai passar por reabilitação. Quer até ver o vídeo para ter certeza de que é ele mesmo.
Pode?

Nem de longe, porém, ele consegue competir com o incrível deputado Donadon, tupiniquim ( os índios que me perdoem o uso do vocábulo, eu sei que é ofensivo), que foi ao plenário de algemas. Se houvesse modalidade de caradurismo político, no Guinness, certamente o Donadon ganharia de longe. Ainda assim, o Rob Ford deixa algumas perguntas difíceis de serem repondidas e continua sendo um grande concorrente para o nosso político. Será que ele pensava que ia conseguir se safar de uma encrenca dessas? E, claro, uma pergunta, mais difícil ainda: no Canadá???