Tuesday, April 30, 2013

O quinto dos infernos

O quinto dos infernos
Chegou a vez do Benevides. Não era um santo, mas também não era um mau sujeito. Não importa, ele morreu. Ou, talvez, importe sim, pois ele estava naquele limbo fazia já algum tempo e nada acontecia. Está certo que, numa situação dessas, tempo não é tão importante assim. O problema é que o Benevides começou a ficar preocupado. Ficou se lembrando dos monstros e demônios lá da Terra e não estava a fim de morar com eles por toda a eternidade. Sentiu um calafrio na espinha só de lembrar. Aqueles terroristas que explodem crianças, aqueles malditos que, por dinheiro, deixam outros morrerem de fome. Outros ainda, que abusam de mulheres e crianças...Não queria nem pensar.
Não precisou, pois o escrivão celestial apareceu. Finalmente  estava diante dele. Naquele momento pensou por alguns segundos como era importante o aviso prévio. Ele bem que poderia ter tido um. Falam tanto de pessoas que sofrem com doenças graves antes de morrer. Na verdade, elas são abençoadas, Têm tempo de pensar, elas é que têm, na verdade, o verdadeiro aviso prévio. De repente se tocou e percebeu como era ridículo e inútil pensar numa coisa daquelas diante da importante presença do agente divino. Calou-se e preparou-se para ouvir a sua sentença. Um segundo antes de ouvir, entretanto, não aguentou e soltou:
-Pelo amor de Deus!
Ia continuar, mas então se tocou – não é gozada a mente humana? – se tocou que era a primeira vez que falava uma expressão com o nome de Deus, que realmente significava Deus. Entendeu toda a força do ensinamento que tivera quando criança de não usar “o santo nome em vão”, ou seja, pela primeira vez, era isso mesmo que ele queria significar o que ele tinha dito. De qualquer jeito, que importava agora? Nada mais importava porque tudo que importava era o que o anjo ia falar. Nem sabia se ele era anjo, mas com certeza era alguém importante na burocracia celestial.
-Não quero ficar perto daqueles monstros...
O divino agente acalmou-o:
Calma, Benevides! Você não vai ficar perto deles. Tenho um lugar para você perto do Ser Supremo. Não é na primeira fileira, nem na segunda...Você sabe, só a Madre Teresa tem direito a três assentos  lá na frente, além do Luther King e do Gândhi, que também têm alguns.
Benevides mostrou-se surpreso com o Gândhi, pois, apesar de ele ser um cara bem legal, não sabia que ele era cristão. O agente então explicou para ele, que o importante era o que as pessoas tinham no coração e não a religião. Bem que o Benevides desconfiava disso, pois havia muita gente “legal” que não era nem crente nem católico, mas não falou nada, pois já havia falado muito e não queria se queimar.
O agente era uma pessoa gentil e continuou explicando. Disse que, nem que ele – o Benevides – fosse um mau sujeito, ele ia ficar com os “monstros demoníacos”. A razão era muito simples. Nos últimos tempos, estava havendo tanta maldade na Terra, que todo o mundo da área demoníaca estava indo para lá. Quero dizer, todo mundo do mal. O inferno simplesmente não era mais no outro mundo, no mundo do além. Resumindo, a sede do inferno havia sido transferida para a Terra.
Não tinha ele percebido quanta coisa ruim estava acontecendo por lá? Maldade sem limites, crueldade, morte, destruição? Pois bem ( na verdade, “pois mal”) foi por isso que o pessoal do inferno achou melhor se transferir para lá. Já que não dava para bater a concorrência, se juntaram a ela. Quer dizer, o inferno estava vazio, tinha se transferido todo. Eles, o pessoal do mal, nem assim estavam dando conta. Tinha pedidos de todos os países, todos precisavam dos diabos. Regimes políticos, economistas, governantes e imaginem, até certas religiões, precisavam dos malditos.
Pois bem, se ele, o Benevides, não se importava de ficar na nona ou décima fileira do paraíso, ele podia ficar lá para sempre, desfrutando da harmonia celestial...
O Benevides não pensou um só segundo, correu e pegou seu lugar. 
Pois é, o Benevides precisou ir para o céu para descobrir que o quinto dos infernos fica aqui mesmo na Terra.

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