Thursday, November 12, 2015

O dia em que aquele carro parou junto ao nosso portão


O dia em que aquele carro parou junto ao nosso portão

Era, até então, um dia como um outro qualquer de minha meninice. De repente, porém, alguém chegou com carro e tudo em frente à nossa casa. Naquela época, isso não era coisa de acontecer a toda hora e, muito menos, por pouco motivo. Se não fossem as lágrimas, aliás profundas e definitivas, de minha mãe, seria um momento de total curtição. Quem na rua poderia se gabar de tal façanha? Um carrão bonito, preto, daqueles que se vê apenas vez ou outra, pelo menos no nosso bairro? As lágrimas? Meu avô, Luigi, estava doente e ela precisava fazer urgente a viagem Perus – Santana do Parnaíba. Normalmente era um longo trecho, trem, outro trem, ônibus, outro ônibus até chegar à cidade onde nasci. Parecia que agora ia ser uma jornada mais curta. Direta, naquela “condução”. Normalmente me lembraria de quem mais estava lá, o que faziam, o que falaram. No entanto, o choro profundo, vindo das entranhas da alma da Dona Eleta deixaram tudo nublado. Seu lamento sentido era a única coisa que eu percebia, não me lembro de mais nada.
No trajeto, o meu espírito ficou dividido entre o inusitado daquela travessia, o maravilhoso passeio, e seus lamentos. Ela ficava conjeturando, chorando, suspirando. Parecia não acreditar na história da doença. Havia algo mais ali. Seu coração de filha, afinal, era como seu coração de mãe. Lia nas entrelinhas. Estavam ocultando algo dela. Pobrezinha, deve ter sido uma dolorida viagem.
E lá chegamos. Alguém lhe abriu a porta, ela saiu, eu saí. Não sei quem mais estava lá. Havia uma grande sala, logo na entrada do casarão. Ela entrou, vieram ampará-la. No centro, sobre uma grande mesa, estava o caixão com o corpo inerte, todo arrumado. Quatro castiçais com velas acesas.
Tentaram diminuir a sua dor, não contando toda a verdade. Não sei o que foi pior. Por outro lado, ela já sabia, no momento em que aquele veículo tinha encostado junto ao nosso portão. Corações maternos sabem das coisas, filhas sabem das coisas. Só me lembro disto. O depois, os detalhes, ficaram submersos: num dilúvio de lágrimas, e nuvens cinzentas, das quais me recordo vagamente.

Por que quem nos fez, nos fez assim? Sentimentais, sentidos, cheios de paixão pelos que nos cercam? Não sei qual foi o dia mais triste da vida dela, mas esse certamente está entre os mais...


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