Tuesday, November 6, 2012

O senhor Winston está com pressa


O senhor Winston está com pressa

Janete era uma funcionária excelente. Muito simpática com todos, generosa, atenciosa e eficiente. Além disso, apesar da idade, era ótima com computadores. O senhor Menendez era o gerente e não tinha como não gostar de Janete também. Ela era seu braço direito. Foi por isso que ela foi escolhida para cuidar do senhor  Winston, que acabara de chegar e era o mais antigo hóspede do hotel. Não só era o mais antigo, era costumeiro, exigente e, especialmente, muito chato.  Janete logo de manhã assumiu suas funções especiais e se dirigiu ao senhor Winston, perguntando se estava tudo bem. Para ele nunca estava tudo bem e por isso disse “mais ou menos”. Como boa anfitriã, perguntou se ele precisava de alguma coisa. Claro que sim. Acabara de chegar na cidade, precisava fazer umas reservas, era óbvio que precisava de alguma coisa. Quem acaba de chegar sempre precisa de alguma coisa. Ele, desta vez, está mais chato que antes, pensou a pobre Janete.  Suspirou – por dentro, é claro, pois por fora seria ofensa – e disse que estava à inteira disposição. Foi até o computador, sentou-se:
-Por onde vamos começar, senhor Winston?
-Pelo começo, é claro, pelo mais importante. Quero ingressos para a peça de teatro.


A pobre Janete teve um mau pressentimento. Não havia razão nehuma para isso, mas ela teve. Será que eles ainda têm assentos? Ela é quem teria de aguentar a fúria. Se tiverem asssentos, será que aquele único lugar que ele vai querer,  estaria disponível? Meu Deus, como alguém pode ser tão chato?
Foi  aí que Janete viu que antes do problema dos assentos, ela tinha ainda um outro muito maior. O computador gemia, gemia e não entrava o – desculpe o palavrão, Janete não os usava – maldito site de reservas.
A paciência do senhor Winston foi muito mais curta do que Janete supunha. Não demorou quase nada:
-A senhora tem problemas com  computador? Não sabe mexer? Existe alguém aqui que entenda?
-Calma, senhor Winston...Um momento.
-Calma? Como é que a senhora quer que eu tenha calma?
Janete gemeu por dentro e pediu para os santos de sua proteção fazerem com que aquela máquina funcionasse. Mas que nada, aquela rodinha ficava rodando, rodando. Não foi tanto tempo assim, mas você sabe, tudo é relativo. Com aquele homem ali em cima, pressionando, aqueles minutos pareciam anos, décadas.
-A senhora não vai mesmo conseguir, não é? Eu já sabia...
-Calma, senhor Winston!
-Calma, como  é que a senhora quer que eu tenha calma? Nada funciona aqui neste hotel. Nada.
-Senhor Winston...
Foi interrompida novamente:
-Nada funciona por aqui! Tenho de ir para outro lugar, aqui nada funciona.
-Senhor Winston, não é o lugar, é a rede...
-Nada funciona. Nem o hotel, nem os funcionários, nem o computador! Meu Deus, para onde eu vou?
Pela primeira vez, em muitos anos, Janete ficou nervosa e irritada. Aquele homem superava qualquer nível de bom senso, de normalidade...Por isso enquanto ele perguntava “Para onde eu vou?”, Janete imediatamente pensou “para o inferno”. Claro que, num hotel refinado como aquele, com um hóspede importante como o senhor Winston, ela jamais poderia mandá-lo para o inferno. Foi por isso que ela juntou toda a graça que lhe restava, toda a educação que sempre tivera, sorriu um sorriso fabricado e disse, quase sem ironia:
-Senhor Winston, só existe um lugar que é perfeito, onde tudo funciona. Esse lugar é o céu, mas o senhor obviamente não quer ir para lá, quer? Não hoje que vai ao teatro. Não antes de conseguirmos o assento que o senhor quer...
Ela ia falar mais, mas foi daí que notou que os olhos do senhor Winston estavam esbugalhados, seu rosto vermelho. Não sei se foi o medo de ir para o outro lado e talvez não ser qualificado para o paraíso, ou se foi a surpresa de a Janete ousar falar daquele jeito com ele, mas o fato é que o senhor Winston teve um ataque cardíaco fulminante. Houve uma correria, chamaram a ambulância mas não teve jeito: o senhor Winston já tinha ido para um lugar onde tudo funciona, ou pelo menos onde se algo não funcionar,  não importa. Por falar nisso, o assento que ele queria estava disponível e o espetáculo daquela noite, que ele deixou de saborear, estava divino.  A senhora Janete se recuperou e foi elogiada pela maneira como agiu, socorrendo o hóspede, chamando a ambulância e etc. Ninguém ficou sabendo da história do céu e do inferno: aquilo era entre ela, o senhor Winston e o Criador. Acho que não mencionei: o senhor Winston era inglês. Não sei porque as pessoas dizem que os ingleses são calmos e frios...

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