Tuesday, November 20, 2012

O Quarto Controle


O Quarto Controle

-Matt, eu acho que você é completamente ingênuo. O Sistema é o sistema, ele não se interessa por você. Ele apenas quer que você pense que ele se interessa por você.
-O que eu acho é que você perdeu completamente o senso de social, de coletivo. O que seria de nós sem o Sistema? Seria o caos. Todos nós precisamos de um elemento de controle, é para o bem de todos.
-Matt, Matt...que inocência. O Sistema, para nos ajudar, não precisaria nem de 10% do controle que atualmente exerce sobre nós.Os 90% restantes são intrusão indevida, desnecessária, e obviamente desonesta. Eu não consigo entender como um cérebro de primeira linha, como o seu, não consegue chegar a uma conclusão tão simples como esta.
-Você, Louis, realmente é diferente e você sabe por quê...Você teve pais naturais, viveu com eles até os cinco anos, foi  influenciado por eles. Você sabe muito bem que eles eram saudosistas com ideias sociais que eram comuns há mais de cem anos atrás. Felizmente eu, como a maioria, fui feito com engenharia genética perfeita, não  sou influenciado por esses sentimentos simples. Eu já falei para você recorrer ao Sistema e fazer uma reengenharia genética. Você teria uma vida muito melhor. Você só usa o Controle número um e só porque é obrigatório. É inacreditável que você abra mão dos Controles dois e três.
-O próprio nome já está dizendo, Matt, “controle” . Que tipo de ser humano pode achar que “controle” é bom? Talvez seja bom para o Sistema, não para o indivíduo. Por falar em pais naturais, essa é a coisa preciosa que eu tenho. Não sei como você pode lamentar uma coisa dessas e achar que é bom ter sido feito em laboratório. Realmente, Matt, você perdeu toda a individualidade...E ainda por cima você ainda vem me falar desta história do “Quarto Controle” . Eu acho que isso é definitivamente o fim do ser humano.
Os dois estavam um pouco tensos, principalmente o Louis. Reclinaram em suas poltronas especiais com sensores eletrônicos especiais para relaxamento e se calaram por algum tempo.
O  “Primeiro Controle” do qual Matt estava falando era o equivalente  ao sistema de GPS de 150 anos atrás. Era um controle central representado por dois nano-implantes que todas as pessoas tinham, eram obrigatórios. Eram dois extremamente minúsculos aparelhos  inseridos um na corrente sanguínea e outro em algum ponto aleatório, porém profundo, do corpo. Havia várias hipóteses para explicar o fato de o Sistema colocar dois implantes, todas elas vindas de pessoas leigas. Ninguém sabia ao certo. A mais comum era de que o que ia na corrente sanguínea era mais difícil de se anular pois o sangue está sempre circulando e junto com ele o implante. O fato é que era uma maravilha da engenharia de informação. O Primeiro Controle não fazia só o óbvio: saber com extrema precisão onde você estava. Ia muito mais além. Sabia quem estava com você, que tipo de interação você estava tendo e com quem, sabia o que você estava vendo e em que ângulo, tudo com um detalhamento assustador. Além disso continha o registro histórico de tudo que se passara com você, desde foi colocado em seu corpo, ou seja, em seu primeiro dia de vida.

Havia ainda outras coisas incríveis que o Primeiro Controle poderia fazer, mas ainda assim, o Sistema acabou instituindo mais dois. O Segundo Controle e o Terceiro Controle não eram obrigatórios. Mas eram oferecidos de tal forma que praticamente se tornavam irresistíveis. O Segundo era um controle que oferecia total segurança em termos de bem-estar e saúde. Além de um transmissor central no corpo, ele tinha outros micro-implantes que poderiam emitir tanto quimíca quanto eletrônicamente “socorro” para o corpo. Todos os dados  biológicos, seu estado de saúde e até a solução de um problema, antes de acontecer, estavam ali à disposição do Sistema, que em troca, garantia assistência total. De uma grande central, o Sistema tomava conhecimento detalhado de todos os mínimos detalhes de saúde do participante do programa.Num caso mais grave, o implante acionava uma unidade externa que chegaria até você em segundos, para resolver o problema. Quem se recusaria a ter uma assistência dessas? Privacidade? Que diferença fazia? O Sistema já sabia de tudo.
Havia incríveis formas de se comunicar, do jeito que o cidadão quisesse, o tempo todo. No entanto, o Sistema oferecia um Terceiro Controle: o de comunicações. Através do implante de comunicações você poderia pensar e se comunicar com quem quisesse. O pensamento teria de ser em palavras. A sua conversa precisava ser em palavras mas elas não precisavam ser faladas, só pensadas.
-Matt, você ainda não entendeu? O Segundo e o Terceiro Controles parecem dádivas do sistema, tudo de graça, uma maravilha, porém são exatamente o contrário. Você não percebe que isso é controle total sobre você, você não existe mais como indivíduo? E o Sistema, Matt, quem é o Sistema? Há 30 anos atrás eu poderia te dizer quem era o Sistema. Havia nomes, havia rostos. Podiam ser intocáveis, inatingíveis, mas eles existiam. Agora não existem mais pessoas, só o Sistema. Você não sabe, eu não sei, ninguém sabe quem é o Sistema...
-E o que importa? Não está tudo bem com você? Mesmo sem aderir ao Segundo e ao Terceiro Controles, você tem assistência total, não tem de se preocupar com nada. Você deveria ter um pouco mais de gratidão pelo Sistema. Há duzentos anos atrás as pessoas sabiam quem as comandava. E de que adiantava isso? Havia miséria, pobreza, injustiça, desigualdade. De que adiantava conhecer os líderes?
-Está bem, Matt, eu desisto, eu sei que seu problema não é entender. Você não “sente” o que eu estou falando. Agora, essa história do Quarto Controle, meu amigo, foi muito além da conta. Como você pode sequer considerar uma coisa como essa?
-Louis, isso não é uma coisa que eu vou considerar, já é uma coisa certa. Estou só aguardando minha inclusão no programa e vou me submeter aos implantes.
-É mesmo. Como é mesmo? O Quarto Controle é uma questão de consciência coletiva, é isso que você estava explicando? Explica mais, Matt, eu acho interessante.
Louis usou toda a ironia que podia nas palavras, mas Matt não se importou:
-Você deve tudo ao Sistema e o Sistema somos nós. Você se entrega ao Sistema, deixa que ele tome conta das decisões, mesmo as mais importantes. Afinal de contas, ele têm muito mais capacidade de tomar as decisões do que nós. Ele conhece todos os ângulos, ele conhece todos os interesses coletivos, ele sabe o que é melhor para todos. É muito simples. Como eles dizem, a nossa única preocupação é ser feliz. O resto deixamos para eles.
-Por que, Matt, eles fariam uma coisa dessas? Só por amor aos cidadãos? Ele já têm o controle total e ainda querem mais. Não de mim, Matt. De mim eles só tem o Primeiro Controle, pois sem ele eu seria uma pessoa morta. Fora isso, nem segundo, nem terceiro. O Quarto Controle? Eles vão precisar me matar para fazer esse implante.
Louis deu então uma grande gargalhada. Matt, um pouco ofendido, disse que o Sistema não matava, tudo que eles faziam era em favor da vida. No Sistema não havia morte, só vida.
Alguns dias se passaram e Matt foi chamado para fazer o implante. Deu o consentimento formal através de reconhecimento de retina, e deitou-se na confortável cama. Não demorou nem sequer 30 minutos, ele não viu nada, não sentiu nada. Saiu muito feliz, muito disposto, preparado para aproveitar melhor a vida. Contou ao Louis, que fez uma cara de desaprovação. Agora não tinha mais jeito. Estava feito, pobre do Matt, pensou Louis.
Na semana seguinte, Matt contou para Louis, as grande vantagens do Quarto Controle. Em poucos dias, tinha se livrado completamente de qualquer problema financeiro. Tudo que precisasse, mesmo que fosse uma extravagância, ele teria a segurança de poder adquirir. Tinha acesso a inúmeras informações sobre o sistema, se quisesse. Mas não tinha interesse nisso. Havia sido convidado para participar, na semana seguinte de um programa de conscientização de grupo. O Sistema levantava uma quantidade astronômica de dados e por outro lado fazia um levantamento das maiores necessidades da comunidade. Cada um cederia no que fosse necessário para o grupo e em troca receberia ainda mais vantagens, que viriam de concessões que outros haviam feito. O Sistema fazia uma espécie de balanço de todos os elementos positivos e negativos dentro de um grande grupo e redistribuía tudo. Como a sociedade estava tremendamente adiantada, havia muito mais elementos positivos para serem distribuídos do que coisas negativas para serem delegadas, Era uma situação em que só se ganhava, brincou ele com Louis.
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Na semana seguinte, Louis não viu Matt. Provavelmente ele estava muito envolvido na tal semana de equilíbrio do Quarto Controle e não teve tempo de se socializar com Louis. Quando dez dias haviam se passado e não houve notícia de Matt, Louis resolveu investigar. Teve uma certa dificuldade com o Sistema pois ele não era participante do Segundo e Terceiro Controles. Afinal conseguiu informação através de um amigo que tinha acesso a dados dentro do Sistema, pois ele participava dos três controles.
Ron era seu nome.Quando ele explicou o que havia acontecido para  o Louis, ele mal podia acreditar, embora ele soubesse que o Sistema era capaz de tudo. Matt era extremamente otimista e confiante no Sistema. Assim sendo, na escala de prioridades que ele apresentou para benefício próprio dentro da “redistribuição de vantagens”, como eles chamavam, as suas pretensões eram muito baixas. Ele confiava tanto no Sistema que ele sabia que seria compensado. Pois bem, disse Ron, uma das coisas negativas apresentadas no grupo de Matt era excesso de pessoas com a mesma carcterística e função na sociedade. Era o caso de Matt.  O Sistema precisava de algumas “desistências” dentro desse grupo específico. Matt, pertencendo ao grupo, e tendo colocado requisições tão baixas, foi considerado ideal como indivíduo que pudesse ser “deletado”. Tudo de de acordo com as normas. Matt havia concordado e tudo mais. Matt foi eliminado para que houvesse mais harmonia e balanço dentro de seu grupo. Havia muitos “Matts”.  Lá estava o registro. Há cinco dias atrás ele havia se apresentado a um escritório de controle demográfico e cumpriu seu “dever” como cidadão que respeita as regras, nesse caso as regras do Quarto Controle. Claro que não sofreu, ninguém mais sofria para morrer.
Se ele pudesse falar, pensou Louis, provavelmente iria achar tudo normal. “O sistema sabe o que faz”, ele diria, como disse tantas vezes. Louis olhou de sua janela a incrível paisagem urbana que o “Sistema” havia construído. Agora, no entanto, ele já tinha uma ideia de quanto custava viver na incrível sociedade do futuro. Lembrou-se do olhar quase infantil de Matt e foi dormir. 

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