Tuesday, March 15, 2016

Amar, gramaticalmente incorreto


Amar, gramaticalmente incorreto

E  de repente, ele, que era apenas um menino, ficou jovem. Descobriu que podia sair por aí, descobrir coisas, descobrir o mundo, ser gente, ser mais que gente. Pintar, cantar, tocar, respirar, tudo na primeira conjugação. Correr, saber, comer, sentir esse mundão de Deus, na segunda e na terceira. Daí, logo a seguir, descobriu que também podia amar. Então foi um problema. Viu que era complicado, embora "amar" seja verbo regular , fácil de conjugar. Para amar, tinha que haver outra pessoa. Não que não houvesse, até que havia muitas. É que as pessoas amam de jeitos diferentes e os jeitos, às vezes, não são como os jeitos da gente. Por isso que existe o verbo “ajeitar” e a expressão “dar um jeito”.  Ele não era sujeito de ficar ajeitando e, por isso, arrumou um jeito de amar de um jeito que poucos sabiam amar, embora, às vezes, parecia até que fosse meio “sem jeito”. Transformou o verbo amar em verbo intransitivo. Que ironia, justo ele que não entendia nada de gramática! E assim foi. Amou, amou, amou sem fim. Seu amor ficava assim no ar, como quem não queria nada. A mulher que quisesse, era só “pegar” o amor, ali, descontrolado, pairando no espaço. Havia gente que até comentava: “Como ele pode amar tanto assim? Nem tem nome, “ele” é apenas um pronome indefinido. Pronomes são capazes de amar? Pois eu garanto, meu amigo, que quem gosta de amar, ama até sem objeto direto ou indireto. Claro que é um desperdício. 
Assim foi que passou quase  toda a vida. Já estava com uma certa idade e, enfim, apareceu alguém que o amava de um jeito que não tinha como ele rejeitar. E o nome dela, claro, era “Amanda”. Ele não sabia que, em latim, Amanda significa “que deve ser amada”. Nem precisava, de imediato sabia que ela tinha de ser amada de um jeito que sujeito nenhum, claro ou oculto, nunca jamais a amou. E ele amou a Amanda – aquela que devia ser amada – até o fim, que jamais chegou e acho que nunca vai chegar, pois o seu amor é um amor sem fim, indefinido, mas definitivo. Ah, até hoje ele ainda não sabe o que é “objeto direto”, nunca aprendeu. 
Mas a Amanda agora é o objeto direto de seu amar, que, assim, não é mais intransitivo. Nem o amor, nem o verbo. E o verbo amar, além de ficar transitivo direto, recebeu adjuntos adverbiais de intensidade: muitos.  O interessante foi que Amanda, claro, também o amava intensamente e, por isso, ela era também sujeito. Sujeito, claro, quero dizer, não era oculto. Foi aí que não houve mais jeito: a ruptura dos dois com a gramática foi total. Pois ela era objeto e sujeito ao mesmo tempo. Pode? Acho que não. Que se dane a gramática. O sujeito oculto, pois não sei o nome do nosso personagem – ele é apenas um pronome pessoal do caso reto e correto eu sei aque ele é -  amou para todo o sempre  o objeto direto de seu intenso amor, que também era sujeito do amor que ele recebia, ou seja, a Amanda. 
E os dois viveram gramaticalmente incorretos para sempre. Esse amor... Quem disse que amor tem de ser correto? Gramaticalmente, é claro. Depois disso, fiquei pensando. Será que foi por isso que o Mário de Andrade escreveu “Amar, verbo intransitivo”?  Que bobagem, o amor dele – do nosso sujeito e não do Mário – não entende nem de gramática, como vai inspirar coisas de literatura? Além do mais, no final, mesmo sem saber, ele – nosso personagem - corrigiu. Amar, verbo transitivo direto. Amanda, sujeito claro e também o objeto direto do amor. Nem deu tempo de falar dos adjuntos adnominais e outros afins. Termino por aqui- adjunto adverbial de lugar, mas não aqui, nesta situação, acho que aqui, “aqui” é adverbial de tempo! Finalmente! Adjunto adverbial, será? 
E assim termino minha análise sintática. Ufa!


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Estranhas Histórias
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