Um céu
de abóbora
Era época de eleição na Vila dos Enganos. Quase todo dia havia comício no palanque
montado na praça principal. E daí vieram os debates. Com megafones, os dois
candidatos ficavam se insultando. O mais comum era dizer que o outro era
mentiroso. O candidato do Partido Conservador, Ronaldo Tromposo era muito
agressivo e a candidata do Partido renovador, Cíntia Sorriso, embora mais
delicada, era bastante sarcástica. Cada vez que eles se enfrentavam, havia uma
novidade, geralmente alguma coisa grosseira, um escândalo.
Naquele domingo ensolarado, sem nuvens, de um azul quase
agressivo, de repente o Tromposo soltou a bomba:
-A Dona Sorriso, imaginem, diz que o céu é azul, e, como
todos podem verificar, ele é de cor abóbora. Como é possível confiar o destino
dos eleitores a uma pessoa que nem sabe a cor do céu?
Inúmeras vaias misturadas a assobios e aplausos. Além
disso, logo a seguir todos olharam para o céu. E alguns clamavam, que absurdo,
é lógico que é azul! Outros diziam, como alguém pode confundir azul com
abóbora? E houve tumulto.
Durante a semana, houve brigas e mais brigas. Meu Deus, o
céu sempre foi azul, como ele pode dizer algo assim? Isso diziam os leitores da
Cíntia. Faz tanto tempo que o céu virou abóbora e esses idiotas não perceberam,
diziam os seguidores de Tromposo. E a
coisa ficou feia. Houve ataques físicos e até alguns atentados.
O assunto trouxe gente de fora. Assim que chegavam, eles
ficavam ofuscados pela luz forte vinda de cima. Alguns enxergavam azul, outros
enxergavam abóbora. E depois disso, não conseguiam mais sair da cidade.
Finalmente veio um entendido em assuntos políticos e
conflitos sociais. Já sabendo do problema, veio munido de óculos especiais.
Entrou com calma, olhando para todos os lados e para todos. E o que ele viu foi
o seguinte: pessoas andando a esmo, tateando para poder achar as coisas,
cambaleando, batendo contra paredes, dando encontrões. Pareciam cegos. O céu?
Ah, o céu! Ele estava cinzento de um cinza tão escuro que jamais havia se
visto. Parece que fora sempre assim.
O especialista, contemplado que estava com poderes
especiais para enfrentar a situação, mandou fazer uma cerca enorme em volta da
cidade. Os trabalhadores também estavam munidos de óculos especiais. Assim que
foi possível, eles se retiraram da cidade e deixaram os habitantes à própria sorte.
Dizem que até agora cada um vê o céu de sua própria
maneira. O que eles não sabem é que atualmente quase ninguém vê mais o azul. Alguns
veem o verde, outros o rosa, outros ainda o amarelo e outras tonalidades.
A maioria, entretanto, continua vendo a cor de abóbora.
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