Tuesday, March 20, 2012

A Bailarina

Autor: Flávio Cruz

Ela era uma bailarina. Eu nunca tinha visto uma bailarina de verdade. Pertencia a um grupo de dança de Orlando. Para mim bailarina tem de ser delicada, suave, leve, quase transparente. Isso é o que ela era. E muito mais. Ela falava como bailarina, respondia como bailarina, andava como bailarina. Desconheço seus pensamentos mas sei que pensava como bailarina. Era peruana. Suave no corpo, suave no rosto e, tenho certeza, suave por dentro, lá no fundo da alma. Ainda nova, 23 anos, havia se casado com um cubano. Claro, o cubano também dançava, era professor. Um dia a bailarina machucou seu tornozelo num ensaio. Foi uma tristeza. Não pela dor, isso ela aguentava.  Era por não poder dançar. Talvez por pouco tempo, ainda não sabia. Fez um raio X.
 O especialista confirmou que iria ser um pouco mais longo do que ela esperava. 
Teve até de fazer uma pequena cirurgia. A tristeza cresceu dentro de seu peito. Ela, que já comia pouco, agora quase parou de comer. Você nem pode imaginar o que a tristeza pode fazer para uma pessoa. Nem as palavras do marido, consternado, nem o consolo das colegas, nada a animava. Daí então veio o pior. O médico disse que havia a possibilidade de ela não poder mais dançar e perguntou para ela se ela gostava de ensinar. Pois isso, ele achava que talvez ela pudesse fazer. Eu sei que há coisas mais tristes no mundo como a morte, a fome, a miséria e outras coisas mais. Foi então que aprendi que não mais dançar, para uma bailarina como a peruana, era ainda mais triste que tudo isso. Parece quase uma injustiça falar isso, mas era verdade.
Perdi o contacto com a bailarina. Quer dizer, poderia achá-la, conversar, ver como ela está. Mas da última vez que a vi, ainda havia a possibilidade de o médico estar enganado, havia a chance de ela voltar a bailar, ainda que demorasse.  Se voltasse a vê-la, havia a possibilidade de eu saber que nunca mais isso fosse acontecer. Já havia tantas tristezas na vida que achei melhor ficar sem saber. A esperança é uma coisa muito preciosa. A informação pode matá-la. Resolvi não arriscar e não ficar sabendo.  Volta e meia me lembro dela e a imagino dançando...Assim é melhor. Existe tanta coisa no mundo que seria melhor não ficar sabendo...Baila, bailarina, baila... Em meus sonhos, em seus sonhos, nos palcos da vida. Baila!


Ciranda da Bailarina: Adriana Calcanhotto







Novo lançamento no Clube dos Autores: Essa vida da gente


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