Wednesday, November 29, 2023

O Perfeito Companheiro



O Perfeito Companheiro

Marlin estava sentada na varanda de seu apartamento. Morava naqueles conjuntos residenciais que eram autossuficientes e que tinham um custo muito baixo para funcionários do sistema. Não havia mais governo da forma como entendíamos no passado. As grandes corporações dividiam entre si o poder. Na verdade havia pouco de político no sistema administrativo. O avanço da ciência havia sepultado para sempre uma série de ideias, preconceitos, maneiras de agir. Como sempre, havia o lado positivo e o negativo. Havia poucas preocupações sociais. Os maiores conflitos estavam concentrados nas próprias pessoas, muitas vezes envoltas em um tédio terrível gerado pelo próprio fato de que tudo era previsível e de que tudo já tinha sido resolvido anteriormente. Faltava um pouco de incerteza, um pouco de “perigo” para os humanos, algo que aguçasse os sentidos.
Como se podia deduzir por Marlin, o próprio aspecto dos seres humanos estava bastante diferente. As pessoas eram magras, altas, sustentadas por músculos rígidos, porém não volumosos. As cabeças eram completamente sem cabelos e quase todos usavam túnicas não muito diferentes umas das outras.
-Então, Ray, como foi seu dia?
- Um pouco monótono. A única coisa interessante foram as notícias sobre o acelerador de partículas que estão inaugurando na próxima semana em Marte.
- Ouvi falar. É algo inédito pelo seu tamanho... Parece, no entanto, que não estão falando tudo que deveriam falar sobre o projeto.
-Dizem que a companhia que cuida desse projeto não é muito de marketing e é cheia de segredos.
-Devem ter seus motivos.
O inglês que falavam, agora praticamente a única língua existente, era bastante diferente do inglês falado no sec. 21. Era como se ela tivesse engolido as outras línguas mais conhecidas, triturado suas palavras, aproveitado a essência do que era assimilável e revestido tudo com um toque americano.  Qualquer pessoa que conhecesse uma língua antiga, principalmente uma das línguas latinas, poderia sentir que havia um pouco do espírito da sua própria língua ali, sem saber dizer o que exatamente.
-Claro, eles não fazem nada sem motivos. De qualquer forma, no momento, o que mais se comenta é sobre os restaurantes estilo século 20 que estão proliferando pela cidade.
-Ouvi comentários a respeito. Um deles tem imagens holográficas quase perfeitas de pessoas da época. É como se eles estivessem andando pelo ambiente.
-Mais do que isso. Emitem aromas da época. Conseguiram até trazer o cheiro da rua da época para dentro. Um deles tem até um pedinte que olha pela janela estendendo um boné.
-Isto é de mau gosto...
-Acaba se integrando na paisagem. As pessoas se divertem. Você sabe como é difícil divertir as pessoas hoje em dia.
-Como sei...
Falaram, falaram... era bom. Numa época em que pareciam esgotadas todas as formas de entretenimento, onde tudo parecia ter sido já inventado, onde todos os temas já tinham sido abordados e todas as histórias já contadas, era bom ter alguém que conseguisse conversar por mais de uma hora.
Marlin pensou consigo mesmo como Ray era um bom companheiro. Tem sido maravilhoso desde o primeiro dia em que ele entrou naquela casa. Calou-se um pouco. Depois levantou-se, falou um “boa noite” bem terno para Ray, que respondeu sorrindo, e foi se deitar. As luzes suaves da varanda se apagaram automaticamente. Ray, então, abaixou a cabeça, encostou o queixo sobre o peito e ficou silencioso e imóvel como um boneco, ali mesmo na poltrona onde estivera o tempo todo.

Você jamais saberia quem era Ray se não pudesse olhar atrás de sua nuca e olhar com uma lente umas minúsculas inscrições. Lá dizia o ano de fabricação, o nome do fabricante e outros dados técnicos. Era um robô de companhia. Perfeito. Era o melhor e único amigo de Marlin. 
Boa Noite!!!

-----------------------------------------------

   ooo000oooo


Para comprar no Brasil 
(impresso e e book):


À procura de Lucas  (Flávio Cruz)
----------------------------------------------
Para comprar nos EUA:






Sunday, October 22, 2023

Demônios do Alabama

Demônios do Alabama



Samuel estava sentado sobre a sela de um cavalo naquela manhã  longínqua de primavera. As pessoas à sua volta gritavam, excitadas, palavras de insulto, xingamentos e outras impropriedades. Ele mal entendia o que estava acontecendo, mas sabia que não era nada bom. Em volta de seu pescoço havia uma corda que, mais acima, estava amarrada ao galho de uma árvore. Era o começo do século 19 numa pequena cidade do interior do Alabama, nos Estados Unidos, e ele estava aguardando sua execução.
O povo tinha verdadeira obsessão por enforcamentos e é por isso que muita gente havia se juntado na pequena praça. O carrasco e mais as autoridades estavam aguardando a chegada de alguém importante para presidir o ato e o povo estava ficando impaciente. Queriam ver o espetáculo.
Samuel tinha retardamento mental e era uma espécie de vagabundo que vivia pelas ruas à procura de alimento. Seu rosto e seu corpo tinham deformidades acentuadas e não era, definitivamente, uma figura bonita de se ver. Ninguém escondia o alívio de ver aquele ser horrendo desaparecer da paisagem local. Alguns chegavam a falar até que ele era o próprio demônio em forma de gente.
Samuel, entretanto, não conseguia entender todo aquele alvoroço, toda aquela confusão. Estava com fome, isso sim, estava. Tinha passado três dias na cadeia local e mal lhe deram algum alimento.  Sua vida nunca tinha sido boa. Para dizer a verdade, sempre fora abaixo de miserável, mas há alguns dias atrás tinha se tornado ainda pior. Na tarde do sábado passado,ele estava tentando encontrar algo para matar a fome  na parte de trás de um bar, quando se deparou com um corpo no chão. Havia muito sangue saindo do peito do pobre homem. Tinha levado um tiro ou uma facada. Samuel se ajoelhara para vê-lo e verificar se ainda estava vivo. Assim que se abaixou, ouviu gritos de “assassino, assassino”. Não demorou muito para que o agarrassem e o levassem para a cadeia. Lembra-se vagamente de ter sido acusado do assassinato daquele homem e de ter sido condenado à morte. Era por isso que estava ali.
Ia ser rápido agora.
Tinha chegado quem faltava, as pessoas urravam. Era só o carrasco dar uma chicotada no cavalo que o mesmo iria para a frente e seu corpo cairia pesado, quebrando seu pescoço e tirando sua vida. O barulho era infernal. Suas mãos estavam atadas atrás por uma corda. No último minuto, tinha percebido que ela estava frouxa. Poderia facilmente libertar-se dela. Tinham feito um serviço grosseiro, porque estavam com pressa de acabar com ele e por saberem que ele era um pobre coitado que jamais reagiria.
A autoridade fez um sinal para o carrasco e esse levantou o chicote para açoitar o cavalo. Samuel instintivamente livrou suas mãos e levou-as acima de sua cabeça, agarrando-se na corda que pendia do galho da árvore. Com uma força que não sabia possuir, ato contínuo, deu um impulso no corpo, como se fosse um gato e subiu na árvore.
As pessoas, antes barulhentas, agora estavam mudas de pavor. Os palavrões foram substituídos por clamores a Deus e quase todos saíram correndo. Alguns permaneceram ali, petrificados. Lá de baixo dava para ver a figura de Samuel, de cócoras, escondido entre as folhas e os galhos. Começou, instintivamente, a uivar. Seu sentido de autopreservação deu-lhe forças descomunais. Seus gritos aumentaram e finalmente afugentaram o resto dos assistentes. Saíram fazendo o sinal da cruz, aterrorizados.Todos, incluindo as autoridades e o carrasco. Ele tinha se transformado no diabo, pelo menos para quem estava ali. Quando se sentiu seguro, Samuel desceu e penetrou na mata, que começava não muito longe dali.
A lenda ficou. A cidadezinha tentou enforcar o demônio e não conseguiu. Dali para a frente, nas noites escuras, muitos garantem que veem a figura do demo e ouvem seus uivos lancinantes.

Samuel, entretanto, era um anjo por dentro e ele, sim, tinha visto muitos demônios naquele dia. Estava agora longe, seguro, em outra cidade, em outro estado, mas a sua imagem ficou lá atrás, na perdida cidade do Alabama. Por décadas, desde o incidente, os habitantes tiveram de lidar com seus próprios demônios.

Joana, Jerônimo, e o Caleidoscópio



Joana, Jerônimo, e o Caleidoscópio

Não é preciso apagar a luz
Eu fecho os olhos e tudo vem
Num caleidoscópio sem lógica
Eu quase posso ouvir a tua voz
Eu sinto a tua mão a me guiar
Pela noite a caminho de casa

(Herbert Vianna - Caleidoscópio)

Não sei que loucura deu na cabeça do seu Juvenal. O lugar onde ele e dona Maria moravam já era um fim de mundo. E, mesmo assim, ele resolveu se mudar para mais longe. A Maria aceitou, porque ela era mulher de aceitar, mas não conseguia entender a cabeça do marido. Em parte, ela sabia sim. Era um danado de um eremita, parece que tinha medo de gente. Por ela, não ligava não. O que mais a preocupava, era a criança. O que a Joana, uma menina de três anos, ia fazer num lugar daqueles?
Criança acaba sobrevivendo a tudo. E Joana criou seu mundinho de fantasia ali mesmo. Os vizinhos mais próximos não tinham nada de próximos, estavam bem longe.  O Jerônimo era mais fácil de se ver do que eles. Ele tinha uns 20 anos e seguiu a carreira do próprio pai. Uma espécie de caixeiro-viajante do sertão. Trazia coisas que as pessoas que moram no fim do mundo precisam. Um pouco de sal, tempero, pimenta. Sim, claro, farinha de trigo, que as outras, de mandioca e milho, a Maria mesmo fazia. Pedaços de pano, retalhos, às vezes trazia igualmente. Não havia vaidade naquelas pobres mulheres, perdidas naquele buraco. Mas um pouquinho sempre há, acho que é antropológico.
Um dia, o Jerônimo, que gostava de crianças, trouxe para a Joana um brinquedo. Foi presente mesmo, não cobrou. Imagina só que coisa, um caleidoscópio. Naquele lugar sem cor e sem sabor, podia haver algo melhor? A menininha ficava o dia todo mexendo naquele tubo. As cores mudavam, mudavam as cores, mudavam as formas. Diferente daquele vazio sem fim. Pai e mãe tentaram ver o que a menina via. Qual era a graça daquilo? Ou por ser coisa de criança, ou por serem de vista fraca, ou por não acharem mais graça na vida, eles nada enxergavam. Mas a Joana, sim. O milagre para ela, era que aquilo nunca repetia o mesmo desenho. Como pode? Como o pintor, que pintou aquilo, pintou tantas coisas, tantas coisas sem fim, sem repetir?  Era mesmo de se admirar. Era o cinema que ela não conhecia.
O caleidoscópio salvou a infância da Joana. Criou a cor de que ela precisava. Substituiu a escola que ela não fez, a escrita que ela não escrevia, as letras que ela não conseguia ler.
Mesmo onde o judas perdeu as botas, as coisas vão passando e lá passaram também. O Jerônimo continuou vindo com suas tranqueiras, que muito bem vindas eram para os três. Outros presentes trouxe para a menina, bonitos sim, mas nunca nada como o caleidoscópio.
Joana chegou na adolescência e virou jovem  quando tinha então 13 anos. Foi uma coisa gozada. Aquilo tudo acontecendo com seu corpo e, ao mesmo tempo, uma tristeza aconteceu na sua vida. Uns bichos roeram seu caleidoscópio. Daí ela viu o que tinha dentro. Pedrinhas e vidrinhos. O bom foi que aprendeu que pode existir beleza sem fim em coisas simples como pedrinhas e espelhinhos. Ela não entendia como mas sabia quê. Assim aprendeu também que o corpo dela às vezes ficava gozado, mas não sabia como.
Deu uma vontade forte de pedir outro para o Jerônimo, mas ela, como sua mãe, não tinha boca para nada. E ela foi crescendo. Daí ela notou que o Jerônimo agora era diferente. Tinha uma barba mais comprida, o seu corpo era um pouco mais curvado. Estava mudado, mas ainda assim, muito mais forte que seu pai, com certeza.
Joana estava com dezessete anos, mas ainda era uma criança. Nesses lugares, a alma só cresce o necessário. E assim é que é.
Notou que agora o Jerônimo vinha mais amiúde. E conversava mais com o seu pai. Interessante que o Juvenal, antes,  não era de muita conversa. Talvez seja coisa de quem fica velho.
Um dia, seu pai falou que na semana seguinte vinha o Jerônimo de novo, e ele tinha acabado de vir. Era estranho, pois, por mais amiúde que ele viesse, não era tanto assim. E disse mais, que ela podia escolher um presente, que não ia ser presente dele não, era um presente do Jerônimo. A menina não sabia que o Jerônimo tinha uma afeição por ela, não? Não percebia? E era para arrumar as pouquinhas coisas que tinha, que dava para levar no cavalo, que ela ia embora com ele. Com o Jerônimo, sim senhor.
A Joana não entendeu direito, pois ela era menina de dezessete anos e era mais menina do que os dezessete. No corpo não, mas na cabeça, sim.
O Jerônimo era um bom homem, mas ele não entendia de cabeça de mulher, só entendia do corpo. E o corpo da menina, para ele, estava bom demais, mais do que um caboclo como ele poderia querer. Muito mais.
Até que vai ser bom, pensou a Joana. Ver coisas diferentes. Foi assim que a mãe explicou também. E ela disse mais, que estava triste, pois gostava da filha. Mas mais alegre estava, que ela ia poder sair daquele buraco, para onde ela nunca quis que seu rebento tivesse vindo. Ia ser bom.
Quando os dois, Jerônimo e Joana, partiram a cavalo, chorou a mãe e chorou a filha. O pai fingiu que não chorou, pois nunca havia chorado antes e não era de chorar. A “dona” Maria chorou, mas chorou feliz.
Foi daí que o Jerônimo, envergonhado, ela não sabia por quê, perguntou qual o presente que ela queria ganhar. Ela pensou um pouquinho, mas só para fazer de conta, pois já sabia o que queria. Um caleidoscópio. O Jerônimo deu um sorriso maroto e disse, então, que nem aliança não precisava não, porque ele ia lhe dar o caleidoscópio mais bonito da vida, mais bonito do mundo, ele ia sim. A parte da aliança, a Joana não entendeu, mas a do caleidoscópio, ela entendeu muito bem. E enquanto seu cavalo ia andando, par a par com o do Jerônimo, ela não via mais nada. Nem o córrego, nem os cascalhos da trilha, nem o barulhinho das águas do rio. Só antecipava. Uma antecipação gostosa, como um gozo. Ela só via aquelas cores bonitas, se misturando, se mexendo, se multiplicando em formas mil. E a vida pareceu ainda mais bonita do que é. As pedrinhas e os espelhinhos, que agora ela conhecia como sendo o segredo de tudo, iam se misturando, coloridos, brilhantes, num remexer sem fim. Pedrinhas coloridas, como um  milagre, e os vidrinhos repetindo a fantasia da vida. Multiplicando. Que tudo é fantasia, nesse sertão sem fim, nesse sertão imenso de Deus. Mentiras da vida, miríades.

Eta vida bonita! Belezura sem fim.



Você já leu?:



Lançamento no Clube de Autores:  Insólito

Para comprar no Brasil ( impresso ou e book) clique: 



Para comprar nos Estados Unidos clique



A casa de vidro


A casa de vidro

 

Doutor Erin tinha saído mais cedo do consultório. Tinha concordado em fazer uma visita domiciliar, algo que nenhum médico mais fazia. Afinal de contas tinha mudado para aquela zona inóspita do estado, onde algumas concessões eram necessárias. Bem lá no fundo, na verdade, tinha sido dominado por uma vontade premente de conhecer aquela parte estranha da cidade para onde pouca gente ia. Cidade? Aquilo era muito mais campo, ou rural, do que qualquer outra região que ele tinha visto. Outra motivação era o tédio do dia a dia, o mesmo tipo de gente, o mesmo tipo de tudo.
E lá estava ele, naquela estrada remota, com um arremedo de asfalto, vendo a mesma paisagem por mais de meia hora. Uma vegetação baixa, um terreno plano que nunca terminava. Não tinha passado ainda por nenhum carro. Provavelmente não encontraria nenhum Alguém já tinha comentado que, às vezes, passavam-se dois dias sem nenhum veículo circulando por aí. Pelas instruções que tinha recebido, em cinco minutos veria um pequeno sinal de madeira com a inscrição “Sítio da Linda”. Deveria virar á direita, numa estrada tosca, estreita, e seguir mais dois quilômetros. Aquela quase viela já fazia parte do sítio, como, com orgulho, a dona Linda tinha explicado.
Estava olhando atentamente para o lado direito, procurando pela indicação, quando notou um barulho vindo da frente do carro. Não gostou nada daquilo. Naquele lugar, problema mecânico não seria um simples problema mecânico. As mais diversas ideias passaram por sua cabeça. Uma delas era que por ali celular não funcionava, como dona Linda muito bem tinha frisado.
E aconteceu o pior. O carro parou de vez. Fez um último ruído estranho e não funcionou mais. Doutor Erin começou  a repetir para si mesmo: sem pânico, sem pânico, sempre há uma solução. Mesmo sabendo que por ali não passaria alma viva por um bom tempo, olhou para os dois lados na esperança de ver algo ou alguma pessoa. Um verdadeiro deserto de paisagem humana.
Sentou-se no banco do carro, porta aberta, pernas para fora. Suspirou e ficou se xingando por alguns segundos. Quanta estupidez! Não tinha ninguém para culpar a não ser a si mesmo! Levantou-se, andou uns dez metros para frente e outros tantos para trás. Olhou para a imensidão de arbustos de ambos os lados do caminho e era tudo igual. Cobriu o rosto com as mãos e lançou xingamentos contra si, mais uma vez.
Por entre os dedos da mão que cobria seu rosto, de repente pareceu ver um clarão, um brilho. Olhou atentamente para a direção de onde tinha vindo a luz, mas ela não estava mais lá. Ficou desconsolado com o roubo da pouca esperança que tinha construído em sua mente. Foi então que notou uma suave brisa e, com ela, um movimento das plantas. Percebeu que, de acordo com seu movimento, podia ver, às vezes, o reflexo e de onde ele vinha.
Sem alternativa, resolveu caminhar naquela direção. A vegetação não era espessa e ele foi avançando rápido rumo ao objetivo. Eram cerca de 2 quilômetros e, aos poucos, a imagem foi ficando mais clara. Deu os últimos passos e, com o coração aos pulos, lá estava. Era uma casa de vidro. A vegetação a sua volta refletia-se nas paredes e por isso era difícil vê-la de longe. Isso só era possível quando algum raio de luz atingia suas paredes e refletia em alguma direção. Por uns momentos Erin se esqueceu de seus problemas. Aquilo era algo muito estranho. Certamente nunca tinha visto nada igual. Embora seu pensamento lógico estivesse lhe dizendo que havia alguma explicação, seu instinto estava lhe transmitindo muito medo.
Ali, no meio do nada, uma construção completamente feita de vidro, sem acesso, sem calçada, sem portas ou janelas?
Depois de alguns minutos andando ao redor,  ficou claro que não havia nenhum porto de entrada. Resolveu então aproximar-se da parede que parecia ser a principal, a frente da construção. Encostou nela as palmas das mãos e viu que era muito fria. Com cuidado encostou seus olhos no vidro. Teve um choque.
Dentro, tudo parecia ter o aspecto de uma casa normal. Havia móveis, tapetes, quadros nas paredes internas, embora essas fossem de vidro também. Ficou mais assustado ainda quando viu que havia pessoas lá dentro. Uma mulher andava pela sala recolhendo almofadas e outros objetos do chão. Arrumou, com muito cuidado, tudo que havia juntado e estava colocando cada peça de volta em seu lugar. Foi então que dois garotos de cerca de 5 anos saíram por uma porta interna e correram até ela. Perguntaram algo e ela respondeu. Eles bateram palmas como se tivessem recebido uma boa notícia e voltaram alegres para o quarto de onde tinham saído. Foi então que um homem saiu de um outro aposento, chegou na sala, deu um beijo na mulher e voltou para o lugar de onde tinha saído. Ela, finalmente, resolveu sentar-se no sofá. Pôs as mãos atrás da cabeça e parecia estar relaxando.
Erin achou que tinha de fazer algo. Bateu com os dois punhos, com toda a força que tinha, na parede. Começou a berrar. A mulher continuava completamente indiferente. Obviamente não estava ouvindo ou vendo nada. Erin procurou algo mais sólido a sua volta para usar. Achou uma pedra quase do tamanho de sua mão. Golpeou violentamente o vidro. Nada. O material parecia ser completamente indestrutível. Olhou novamente para dentro da sala. Agora os dois estavam sentados, lado a lado, conversando. Uma das crianças brincava no tapete. Tentou mais uma vez gritar. Nada.
Desistiu. Sentou-se na grama, colocou a cabeça para trás. Estava muito cansado, seu corpo todo doía. Fechou os olhos por alguns instantes, tentando não pensar em nada.
Quanto tempo havia passado? Não saberia dizer.
Estava quase adormecido, quando ouviu um som suave, quase como se fosse uma brisa passando pelos seus ouvidos. Olhou para trás e viu que uma espécie de abertura oval se abriu . Vinha luz lá de dentro. Caminhou com cuidado e entrou. As pessoas que tinha visto não estavam mais lá. Ouviu, no entanto, uma voz de mulher vindo de outro cômodo. Parecia de alguém que conhecia. Sentiu então um calafrio. Claro que conhecia. Era a voz de sua esposa que tinha falecido há alguns anos.
Pensou em ir lá ver se a encontrava, mas ele  estava tão leve que parecia nem ter corpo. Uma paz que nunca tinha experimentado antes, envolveu todo seu ser. E uma felicidade tão forte, tão insistente, que não conseguia descrever. Já não se lembrava mais do carro, da paciente, de seu consultório, de sua vida, de nada.
E Erin viu que aquilo era bom. Erin não queria sair dali, não queria saber de mais anda.
Erin estava feliz, nunca mais iria voltar.

==================================================================

GERMÂNIKA

Imagine um país que vai de São Paulo até o Uruguai, numa outra realidade. Imagine agora que este país foi dominado pelos alemães e agora são seus habitantes. Esta nação é GERMÂNIKA e pertence a um universo paralelo ao nosso.
Leia GERMÂNIKA, disponível no Amazon.