Wednesday, February 27, 2013

Órfã de filho


Órfã de filho



No décimo andar do prédio, o coração de um  bebê bate suave, seguro. A mãe embala seu sono. A criança parece sorrir. A mãe, cansada, sorri também. E daí adormece. Um anjo, agora, cuida dos dois, deles e de seus sonhos.
Na mesma rua, num ponto escuro, um grito, uma discussão, um palavrão. Depois, um tiro. Som seco, surdo. Um gemido pungente ecoa contra o concreto duro das paredes das construções. Um coração para, o outro bate agitado. A cocaína troca de mão. No bairro distante, uma mãe chora, nem sabe por quê. Outro anjo, distraído, de repente percebe que não há mais o que fazer. Agora só restam as lágrimas da mãe. É preciso enxugá-las.
No fim da noite, os seres angelicais contabilizam perdas e danos. Preparam-se então, para a batalha do novo dia. Desta vez, sem distração.

Tuesday, February 26, 2013

O Maestro Pedro Salgado (Perus)


O Maestro Pedro Salgado

O  seu Pedro vinha da casa dos fundos, por entre duas cercas, até chegar ao portão. Depois, segurando uma pasta debaixo do braço, abria a tramela. E lá ia ele, rua abaixo, ligeiramente corcunda, cumprir suas tarefas do dia. Eu, muito criança, acompanhava sua cabecinha branca até ela desaparecer na curva. Diziam que dava aulas de música. Isso era bom, era bonito. Depois fiquei sabendo que ele era maestro e até compositor. Fazia parte da paisagem da minha rua, da minha meninice.
Não sei  se é conversa fiada, mas corria uma história interessante sobre ele. Diziam que tinha sido ele o compositor da música do quarto centenário de São Paulo. Dizem que deixou a partitura lá, para ser avaliada, e depois ela apareceu com outra autoria. Vai saber...São histórias.
Com partitura ou não, o seu Pedro Salgado era uma figura agradável, doce, sem malícia, sem arrogância. Cumpria todos os dias o seu ritual. Poderia ter sido uma pessoa importante, conhecida. Importante eu sei que ele era, mas ninguém contou para o resto da cidade. Se fosse hoje em dia, eu botava o maestro no Youtube e você ia ver o que é sucesso!
Para nós, lá da Rua Dona Rosina, em Perus, ele era o homem mais sabido, mais imprescindível, e olha que nós nem sabíamos direito tudo que ele fazia.
A minha amiga Irene, que morava do outro lado da rua, me contou que ele ensaiava a bandinha ali mesmo, na frente da casinha que alugava de seu pai. E eles usavam umas vestes coloridas, bonitas, que a encantavam.
Morreu pobre e quase ninguém foi a seu enterro, em 1973, no Cemitério Dom Bosco, em Perus.
Mas eu tenho certeza de que agora ele está lá em cima, regendo uma bandinha de anjos, com sua batuta e seu cabelinho branco, brilhando, brilhando. Que saudades da minha rua, que saudades do maestro Pedro Salgado!

--------------------------------------------------------------------------------  
Pesquisa sobre Pedro Salgado feita por Irene Duarte Fernandes:

Pedro Salgado nasceu em Arrozal do Piraí no estado do Rio de Janeiro em 1890.
Com um ano e meio ficou orfão de pai.
Em 1892 a mãe com dificuldades financeiras foi morar em Taubaté.
Em 1896,mudou para Aparecida do Norte onde a mãe D. Augusta lavava roupa para fora e os paramentos da igreija.
Em Aparecida com 6 anos encontrou um rico ambiente musical e passou a frequentar as bandas da cidade pedindo para carregar os instrumentos musicais.
Em 1900 liderou um grupo de meninos formando um banda de música, soprano instrumentos feitos de talos de mamoeiro e batendo tampas de caçarolas e panelas.
Com 15 anos passou a integrar a Corporação Musical de Aparecida seu instrumento era o trombone.
Com 3 meses de aprendisado apresentou o dobrado de sua autoria ESTRELA DO NORTE.
Do trombone passou ao pistom, bombadino e outros instrumentos de sopro.
Em 1915 formou com outros musicos a  Corporação   Musical de São Benedito, tinha muitas musicas de encomenda.
Trabalhava com gráfico em Aparecida e varava a noite estudando e compondo.
Segundo relatos compunha uma valsa em 4 minutos e um dobrado em 3 horas, era considerado REI DOS DOBRADOS.
Tem 1126 musicas catalogadas.
Chega S.Paulo em 1944, foi morar numa modesta casa onde ganhava a vida tocando trombone em um circo.
Em 1946 torna-se funcionário publico na Secretária de Segurança Publica do Estado de São Paulo.
Na ordem dos Musicos do Brasil ingressou em 1961,recebendo a carteira numero 1280.
Foi morar na casinha em Perus mais ou menos a partir de 1954.
Em 22 de dezembro de 1965, recebe a terceira batuta de prata da musica brasileira. As anteriores foram presenteadas a Carlos Gomes e Heitor de Villa Lobos.
Em 15 de novembro  de1971, recebeu o diploma de Honra ao Mérito do Conselho Estadual da Cultura.
Faleceu em 1973 e está enterrado no Cemitério Dom Bosco no bairro de Perus.



<><><><><><><><><><><><><> 



Para comprar no Brasil 
( impresso e e book):


À procura de Lucas  (Flávio Cruz)
----------------------------------------------
Para comprar nos EUA:




<><><><><><><><><><><><><> 
 


Sunday, February 24, 2013

O desejo do Rogério


O desejo do Rogério


Naquela manhã o Rogério foi um pouco mais tarde para o trabalho. Tinha ficado acordado até tarde na noite passada, preparando uma apresentação que tinha de fazer no curso noturno que estava fazendo. Depois de um dia inteiro de trabalho, não ia ser fácil. Não sei quem inventou essas história de trabalhar e estudar ao mesmo tempo. Deve ser coisa e brasileiro, de “dar um jeitinho”. Não dá. O outro problema que ele tinha era explicar para o chefe por que estava chegando atrasado. Bem no dia de fazer a folha de pagamento, o que era sua responsabilidade. Era evidente que iam falar que foi de propósito. Eles nunca acreditam nas desculpas. Nem nas esfarrapadas nem nas bem arrumadas.Nunca. Além disso, que trabalho chato, o que fazia. Monótono, repetitivo, que não levava a nada. Sem perspectiva.
Definitivamente precisava mudar alguma coisa na vida. Daquele jeito não dava, iria acabar louco. Pelo menos naquele dia o metrô não estava cheio. Pelo contrário, havia muitos lugares vazios, nada daquela multidão louca de todos os dias. Outra vantagem de não ir tão cedo para o emprego. E ainda mais: naquele vagão, pelo menos, só gente bonita, bem vestida. Pessoas conversando, rindo.
Tinha reparado na loirinha que estava sentada alguns metros a frente. Estava lendo um livro, de vez em quando levantava a cabeça e...Não tinha certeza, mas aparentemente dava um sorrisinho tímido na sua direção. Que manhã diferente. Que contraste entre o dia sem vergonha que ia enfrentar e aquele momento delicioso que estava tendo ali. Contou na cabeça quantas estações ainda tinha antes de  descer. Sete. Essa era a cota de felicidade do dia. Passar pelas sete estações, sentado, calmo, olhando para aquela garota. Depois, o inferno.
Fechou os olhos por um instante. Não mais do que o suficiente para arriscar perder o próximo sorriso da loirinha. Pensou como seria bom se aquele momento fosse eterno. Chegaria na sétima estação e, ao invés de descer, começaria de novo, da primeira, curtindo cada segundo. O momento seria o mesmo, não evoluiria. Não sentiria fome, cansaço ou aborrecimento. Ficaria infinitamente ali, indefinidamente curtindo a paz, o olhar da garota, o passar das estações, depois começando tudo de novo. Nunca chegaria ao trabalho, nunca chegaria à escola. É bom sonhar. Na verdade, Rogério estava mais do que sonhando. Estava desejando que aquilo acontecesse, estava pedindo para que acontecesse.
Ninguém sabe ao certo como funcionam as leis da vida, as leis do destino, mas não é que o desejo de Rogério foi atendido? Chegou a sétima estação, ele não precisou descer, começou tudo de novo. Paz, tranquilidade e  os sorrisos da garota. Isso já faz muito,muito tempo. Ele continua repetindo a deliciosa viagem através dos dias, dos meses, dos anos.... E as pessoas que estão hoje no vagão, não o vêem, não sabem,  mas ele está lá, a loirinha também. O sonho se realizou. Ele vai ficar para sempre viajando naquele vagão.
Quem disse que os sonhos não se realizam? Claro que sim...

Wednesday, February 20, 2013

Previsão para o ano 2013


Previsão para o ano 2013

Uma das melhores videntes do mundo me confidenciou. Têm a lista completa dos acontecimentos para o ano que acabou de começar. Disse ela que, num grande país,  vai haver um sangrento tiroteio. Dezenas de pessoas vão morrer. Dois furacões vão destruir vidas e propriedades. Em outro lugar, distante, um terremoto e um tsunami, porém não muito grandes. Também numa nação importante, um tremendo de um escândalo político. Vários casos de corrupção em países menores. Ah, sim, uma grande ator vai morrer. Vão prender os componentes de uma rede internacional de pornografia infantil. Casos bem sérios de doping em competições internacionais, uns três ou quatro. Uma surpresa política. Até em igrejas vão acontecer coisas dignas de reprovação. Cá e lá, casos bem estranhos. Uma grande companhia vai quebrar.  Parece até que vai haver um acidente aéreo, dos grandes,  em algum lugar, mas disso ela não tem certeza. E mais, muito mais...

Às vezes fico pensando, como é que essas videntes conseguem prever todas essas coisas? 

Há alguma coisa errada com o céu do Raymond




Há alguma coisa errada com o céu do Raymond

Ele sabia que alguma coisa havia acontecido. Estava fazendo um esforço enorme para se lembrar. Andava numa estrada que ele parecia conhecer, mas não sabia exatamente para onde ia. Tinha aquela sensação interior de que, em alguns instantes, tudo voltaria à sua mente. E mais: sabia que algo semelhante havia acontecido  antes. Continuou a caminhar, devagar, tentando se recompor, tentando entender o momento. Não sentia dor nenhuma, ao contrário, um bem-estar quase irresponsável, levando-se em conta a situação em que se encontrava. Olhou a paisagem dos dois lados e imediatamente reconheceu que estava numa região árida. Deveria se preocupar? Talvez sim. Entretanto sua mente estava tranquila.
Agora Raymond estava olhando para o céu. Não havia nuvens e o ar estava parado. Pelas imagens que via, deveria estar muito quente, mas ao contrário, ele poderia jurar que aquela era a melhor temperatura que um ser humano poderia sentir. Tanta perfeição para quem nem sabia onde estava, chegava a preocupar. Esse pensamento acabava de vir à sua mente, quando finalmente notou algo que o preocupou.
O céu. Algo não estava certo. Raymond tinha certeza de ter arquivado em sua mente qualquer matiz de céu possível, em qualquer condição climática, sob qualquer combinação imaginável de condições atmosféricas. Havia algo naquela cor que não ia bem. Ao mesmo tempo que pensava isso, começava a recuperar a memória. Nada recente, mas sua história, sua meninice, sua juventude, sua formação, já apareciam vivas e com detalhes. E isso explicava, de certa forma, porque estava tranquilo. Sabia que era extremamente inteligente e certamente iria entender o que havia de errado com o firmamento.
E assim fez. Pensou bastante e chegou a uma conclusão óbvia, porém assustadora. Aquele céu não era real. Não podia ser. Esta verdade, incrivelmente óbvia, ao invés de assustá-lo, deixou-o excitado. Tinha ali, à sua frente, um enigma para resolver.
Partindo do princípio básico de que uma parte da paisagem não era real, não havia dúvida de que o resto também não era. Difícil de imaginar, uma vez que podia sentir seu corpo, seu coração batendo... Podia agora sentir uma brisa que trazia consigo o perfume de alguma planta, de uma flor. Abaixou-se, pegou uma pequena pedra pontuda e riscou o seu braço. Imediatamente viu uma pequena linha vermelha se formar sobre a pele. Era seu sangue, sem dúvida. Deu um beliscão em sua bochecha e sentiu também. Ele existia, estava vivo. Será? Lembrou-se vividamente de ter visto filmes, lido livros sobre realidade virtual. Ele poderia estar sendo “vítima” de um experimento. O céu, um pequeno erro no sistema? Talvez  a cor do céu estivesse certa e a sua lembrança dela é que estava errada. A cor estava certa, o que ele lembrava dela é que era diferente?
De qualquer forma, estava impressionado com a própria inteligência. Ou, conforme ele mesmo pensou, com a inteligência que o criou. Enquanto analisava o resto da paisagem, considerou que talvez fosse impossível se chegar a uma conclusão. Se ele fosse parte de algum projeto, ele nunca poderia sair daquela “prisão”, para poder ver de fora, fazer uma análise da própria realidade. Como você mesmo pode dizer se você é real?
Enquanto continuava a caminhar, deu um pequeno descanso à mente.  Podia ser que alguma ideia, ou uma intuição, surgisse para esclarecer o impasse. Quando começou novamente a pensar quase se irritou com o óbvio. Havia outras possibilidades a considerar. Cono não pensara nisso antes? Claro que ainda não havia abandonado a ideia de ser apenas um elemento de uma realidade criada por alguém. Talvez por um cientista maluco.
Ele podia ser um clone. Talvez mantido em estado de hibernação por um longo tempo, até chegar a hora de precisar substituir sua “matriz” que talvez tenha morrido ou se acidentado de tal forma que não podia ser recuperada. Fizeram então a transferência de memória, sensações, tudo que sua “matriz” tinha. Na própria memória que havia sido transferida para seu corpo havia aquela ideia sobre clones, como funcionavam, como a sociedade científica estava usando essa “tecnologia”. Sim, era bem possível. E o “defeito” no céu? Algum problema na hora da transferência dos dados para o novo corpo. A realidade tinha de estar certa, o que estava errado era a percepção que ele tinha dela. Além disto, isto explicaria aquele tipo de “intuição” que ele às vezes tinha. Um clone certamente poderia ter intuição. Faz parte do que é um cérebro. Já na realidade virtual... Bom, depende, eles podem simular tudo, por que não uma “realidade virtual intuitiva”?
Definitivamente, as duas possibilidades, clonagem e realidade virtual, tinham chances iguais de serem corretas. Qualquer uma das ideias era viável.
Talvez fosse um personagem criado para participar desses moderníssimos jogos que haviam desenvolvido há algum tempo atrás. Os fabricantes  eram extremamente competitivos e havia boatos que estavam usando cérebros humanos, de corpos irrecuperáveis, para criar essas peças do jogo, numa interação dos neurônios humanos com os avançadíssimos equipamentos já desenvolvidos. Tudo para que os participantes virtuais dos jogos agissem como humanos, pensassem como tal, e, assim fossem realmente um páreo para os clientes cada vez mais exigentes.
Sim, poderia ser isso. Sua intuição, embora não totalmente, estava flertando com essa hipótese. Ficou até imaginando uma luta dele com algum participante. Talvez uma caça no deserto onde ele fosse a caça. Explicaria porque ele apareceu, ali, de repente, naquela região sequíssima. Olhou para o horizonte na expectativa de aparecer algum caçador com alguma arma. Tentou vislumbrar as chances  de escapar e vencer seu algoz. Depois pensou, para quê?  Se fosse verdade essa possibilidade de ser apenas uma peça num jogo, era melhor se entregar e acabar  de vez com a história. Mas talvez os seus “donos” o pusessem de volta no jogo, repetidamente... Não, não era uma boa ideia.
Ainda bem que essa possibilidade era remota. Tinha quase certeza de que havia outra explicação.
Raymond não entendia por que aquela ideia não havia lhe ocorrido antes. Certamente era a mais óbvia, a mais verossímel. Talvez seu subconsciente não lhe estivesse sequer permitindo considerar essa possibilidade: estaria ele dormindo? Por alguma razão estaria tendo um sonho induzido. Não poderia ser um sonho natural, ele podia sentir isso. Era extremamente vivo, e certamente teria sido criado artificialmente. Por que teriam feito isso? Talvez para curar uma doença mental? Ou curar um trauma terrível?  Teriam transferido uma memória “inventada” para substituir alguma outra experiência desastrosa da vida real? Se fosse isso, eles tinham realmente criado um software extraordinário. A sensação de realidade era quase perfeita. Talvez ele fosse um criminoso, um monstro, que precisasse de conserto. Estava ali, no nível mental, reaprendendo as regras sociais, uma maneira aceitável de viver. Isso explicaria aquela paz, aquela serenidade que ele sentia. Tudo estava sendo “plantado” em seu cérebro, durante o sono, para criar um novo homem, um novo ser social. Era bem possível, o homem sempre sonhara com uma sociedade perfeita, sem crimes, sem problemas. Talvez aquela fosse a solução. Ao invés de ser executado ou ir para a prisão para sempre, ele estava ali sendo consertado através do sonho, da implementação de uma nova  “história”, de uma nova “memória”. Quando voltasse, seria outro homem. Sem perigo para a sociedade.
Foi então que Raymond sentiu que alguém estava “mexendo” com ele. Até então, por mais estranha que fosse a situação, era só ele, o que era quase um consolo. Estava vivendo bem naquele mundo, sem se preocupar. E agora? Que tipo de interferência haveria? De qualquer forma, teria de enfrentar a situação. Resolveria a questão, acabaria a dúvida. Ele podia sentir as pessoas, mas não as via nem as ouvia. Estranho, porém compreensível. Mais uma prova, definitiva, de que ele não era simplemente uma pessoa, um ser humano normal. Sim, a essa altura isto já estava claro. Sob este novo ponto de vista, o que é normal? Talvez a realidade virtual pudesse ser mais “normal” do que as outras...
Estavam para fazer alguma coisa, podia sentir. As vibrações que vinham do cérebro daqueles dois mostrava uma certa excitação, como se estivessem para experimentar algo novo, algo que nem eles mesmo conheciam. É, ele tinha registro disso, essa “excitação” por criar coisas novas, por inventar. Certamente ele era objeto de um experimento. Isso estava claro. Já não estava mais no deserto. Estava em lugar nenhum agora. Era uma paisagem vazia, abstrata.
Na verdade havia dois especialistas conversando. Eles estiveram ali o tempo inteiro. Antes ele não os ouvia. Agora não só estava escutando a conversa, como também podia vê-los, mas não como se estivesse com eles, podia vê-los em sua mente. Ambos usavam um uniforme. Sim, lá estava no crachá:  ULTRALIFE.
Inteligente que era, Raymond imediatamente entendeu que era algum projeto com mentes humanas. Ele era um cérebro humano, ou o que havia dentro dele. Para dizer a verdade, esse cérebro, agora estava sem corpo. Isso ele podia garantir. Talvez isso explicasse por que ele via, sentia e ouvia as pessoas em sua cabeça, mas não diretamente.
-O que você acha, Dr. Stelth?
-Obviamente as coisas não funcionaram do jeito que queríamos. Está claro que há alguns problemas de transferência. A “realidade” do Raymond está com falhas.
-É, eu sei. Se pudéssemos fazer um novo upload, tudo ficaria bem. Mas o corpo deteriorou muito, agora não dá mais.
-Resumindo, temos só duas opções. Ou completamos o processo do jeito que está, com essas pequenas falhas de realidade virtual ou abandonamos o caso.
-Para ser bem honesto com você, acho melhor abandonarmos o caso.  Não é nossa falha o que aconteceu com o original. Por outro lado, se permitimos que Raymond saia por aí com um defeito desses, não vai ser bom para a a ULTRALIFE.
-Concordo totalmente!
-Ok, vamos fazer o processo de terminação para o corpo do Raymond. Quanto ao dados...
-Você quer guardar por um tempo ou simplemesmente deletamos tudo?
-É melhor deletar. Alguém da comissão pode querer examinar os dados e ter uma opinião diferente, só por motivos políticos, e nós vamos ficar o tempo todo com esse problema das falhas por aí... Você sabe, algum idiota é capaz de falar que foi culpa nossa e... enfim, é melhor garantir. Delete tudo e devolva o aparelho para o setor de equipamentos usados.
Foi aí que Raymond finalmente entendeu tudo. As coisas se encaixavam completamente. Não estava apavorado, mas não concordava com os doutores. Achava melhor guardar seus dados. Nunca se sabe. Claro, essa tal de ULTRALIFE deve ter seus protocolos. A realidade que ele sentia estava boa assim, nem precisava de corpo. Era só um probleminha com o firmamento. Ele nem ligava para isso. Quem precisa da cor exata do céu?
De repente Raymond sentiu que alguma coisa muito importante estava acontecendo. As coisas não estavam mais claras como antes, não conseguia raciocinar. Já não se lembrava mais da infância. Agora nem mais de seu nome se lembrava.
No monitor do Dr. Stelth, havia uma linha horizontal, igual essa dos hospitais, quando uma pessoa morre. No canto da tela, do lado direito, dizia: processo completo.
Foi assim que terminou a história do Raymond. Tudo por causa de um defeito no céu.

Monday, February 18, 2013

Os asteroides são anticomunistas?


Os asteroides são anticomunistas?

Primeiro foi em 1908 em Tunguska, Sibéria. Um asteroide, provavelmente com mais de cem metros, destruiu mais de 80 milhões de árvores.  Há alguns dias atrás, na mesma Rússia, em  Chelyabinsk, um outro, bem menor, explodiu nos ares. Não matou ninguém mas feriu centenas de pessoas. Uma visão apocalíptica, nos dois casos. Uma grande coincidência, dois eventos raros, acontecerem no mesmo país. Agora , mais um. Na cidade de Rodas, em Cuba, outro fenômeno, aparentemente também um pequeno asteroide, assusta as pessoas, explodindo no céu e fazendo tremer as estruturas dos prédios. Mais uma coincidência: todos são países comunistas.
Não é que os corpos celestes têm algo contra os comunistas? Estão vendo? É aviso dos céus. Não foi falta de avisar o Fidel que seus caminhos não são os caminhos corretos. Até o papa renunciou, por que ele não desiste? Desistir só “meia-boca” não vale.

Claro, estou brincando. Mas existe gente que leva essas coisas a sério. Um político lá da Rússia já anunciou aos quatro ventos que o que aconteceu em  Chelyabinsk é coisa dos americanos. Estão testando uma nova arma secreta. Algumas pessoas adoram essas teorias de conspiração. Não existe gente que insiste em dizer que o Obama não nasceu nos EUA? Mesmo que fosse verdade, eu o deixaria no cargo. Afinal de contas, o “cara” tem de ser bom: imigrante ilegal e ainda consegue virar presidente? Quem me dera ter um presidente tão esperto assim.
Quem não ouviu falar da tragédia de Newton onde várias crianças foram assassinadas por um doido? Não é que um professor universitário da Flórida colocou em seu blog que aquilo tudo foi “montado”, com artistas e tudo, só para ajudar na campanha contra as armas nos EUA? Tudo bem que ele seja da Flórida, até dá para entender, coisas estranhas acontecem por aqui. Mas Professor universitário? Coitados desses alunos...
Existe muita gente doida nesse mundo. Deus nos livre dos asteroides e delas também...Os asteroide só vêm de vez em quando, mas esses estão aí  o tempo todo e por todos o lados.


Thursday, February 14, 2013

IPOD


IPOD

Tudo está tão diferente... Apps da apple no meu macintosh? Microsoft? Bits, bites, bugs, boots... estou precisando dar um reboot? Spam de cookies no meu tablet? Trojan, virus, java, linux? Novo reboot? Sem dinheiro para o ipod, mas o andróide pode? 
Preciso de um oracle ou de um nerd para mexer nos meus gadgets e nos meus widgets. Já estou ficando louco e vou acabar nas nuvens.  Quero dizer,  na cloud.
Cloud, depois de tudo isto? Quem inventou essa?
O que vocês pensam que eu sou? Parem com o  texting...Não reconheço sua voz, nem o ipad, muito menos encrypted messages.
Sou dos anos 60, pelo amor de Deus! Como ipod? Quero dizer como eu poderia?

Tuesday, February 12, 2013

Onde é que eu fico nesta história toda?


Onde é que eu fico nesta história toda?




O grão, quase invisível, faz parte do pólen. Que está numa flor que fica no jardim. É o jardim da minha casa, que está num bloco de um bairro. É um bairro que faz parte da minha cidade. A cidade está num estado do meu querido Brasil. Este país, tão grande, está num mundo maior ainda, mas que é pequeno perto do sol ao qual ele obedece. Obedece, quero dizer, gira em torno dele. Esse sol, nada mais é do que uma pequena estrela, que de outros planetas, muito distantes, nem sequer pode se ver. Mas está lá e pertence, junto com bilhões de outros  corpos celestes, à Via Láctea. Essa, então, pertence a um Universo tão grande, tão grande, que, ela mesma chega a ser pequena naquela imensidão. E, acreditem, existe muita gente que acredita, até cientista, que esse cosmos é apenas um de muitos outros. E, até, acho que é exagero, que tudo isso é apenas, novamente um grão do pólen de uma outra flor que....Meu Deus, onde vamos parar?
Pode ser até que seja tudo verdade, uma boa parte eu creio até que seja, mas, então me pergunto:
Onde é que eu fico nessa história toda?

Monday, February 11, 2013

A litorina


A litorina

“Eu sou a mosca
Que pousou em sua sopa
Eu sou a mosca
Que pintou prá lhe abusar...”
( Raul Seixas: Mosca Na Sopa)

Eu fiquei conhecendo a palavra “litorina” no seminário.O dicionário diz que é um veículo ferroviário com motor próprio e que ao mesmo tempo carrega passageiros. Para nós era uma coisa completamente diferente.
Nosso refeitório era enorme e nos sentávamos em grupos de 8  ou 10 garotos. Não precisa ser um gênio para saber que não tínhamos a mais fina cozinha da região. Claro que eu, criança que era, não era muito exigente. Só queria um feijãozinho com arroz, batata e carne com molho, parecidos talvez, com o que minha mãe fazia. Não me lembro direito do maravilhoso cardápio, mas  tenho certeza de que, se me lembrar, não vou ter saudade. No entanto, me lembro da litorina. Ao contrário do que você possa pensar, a litorina não era uma especiaria do nosso menu. Ou, de certa forma, era. Tínhamos uma sopa de fubá, que por algum motivo técnico, ou logístico, ou mais provavelmente econômico, era um dos nossos pratos mais constantes. Sopa quente enchia o estômago, era eficiente. Voltando à litorina, toda vez a grande panela de sopa vinha com três ou quatro delas: um verme amarelo, anelado, com um comprimento de mais ou menos um centímetro. Era nojento mas no final acabávamos nos acostumando. Tínhamos um “chefe” para cada mesa e ele era o encarregado de pescá-las e colocá-las de lado  antes de passarmos a grande panela  pela mesa. A remoção da litorina, como todo o resto, fazia parte de um ritual.
A litorina ficou para trás, não tenho mais nojo ou raiva dela. Existem coisas mais perigosas do que as litorinas hoje em dia...

Lançamento:

Um livro importante para quem está aprendendo Inglês

Minidicionário de expressões e phrasal verbs 
da Língua Inglesa



Sunday, February 10, 2013

Serelepe


Serelepe

Não tenho certeza, mas acho que “seu” Armando daqui a alguns anos iria passar para a quarta idade, se é que ela existe. Entretanto, ele não sabia disso pois continuava firme e saudável. Não queria incomodar ninguém e por isso morava sozinho. Sua filha sempre arrumava uma desculpa e dava um jeito de ir conferir. Um dia ela decidiu dar de presente um fox paulistinha para o pai. Era um presente de aniversário e mais uma desculpa para ela poder vê-lo com mais frequência. Agora, com o Serelepe ia ficar mais fácil pois todos sabiam que ela amava cachorrinhos.
O “seu” Armando, como era fácil de se prever, se apaixonou pelo Serelepe. Ficavam juntos a maior parte do tempo e uma boa parte dele o danadinho passava no colo de seu dono. Eles “conversavam” bastante mas não precisariam pois eles se entendiam sem se”falar”.
O tempo foi passando e, cruel, foi judiando do “seu” Armando. Mas este não era de se entregar, continuou vivendo. Tinha algumas dores, não podia fazer algumas coisas, mas tinha saúde suficiente para continuar morando sozinho.

Mais tempo se passou, e os dois ficaram mais velhinhos, bem mais velhinhos. A filha quase brigou para que eles fossem morar com ela, mas nada. Era orgulhoso e teimoso. Andava com dificuldade, mas era capaz de fazer praticamente tudo que fosse necessário.
Um dia, sentado na varanda,  o “seu” Armando parecia mais triste que o normal e também estava muito pensativo. O Serelepe era muito vivo e percebeu que havia uma tristeza no ar. Por isso estava meio irriquieto e mudou de posição três vezes no colo do seu dono. De repente o “seu” Armando falou:
-Serelepe, nós vamos  fazer assim. Eu vou primeiro, porque se você ficar sozinho, a minha filha vem aqui e pega você para morar com ela. Ela vai cuidar de você melhor do que eu, você sabe. Além disso, você também está velhinho e precisa de cuidados. Se eu ficar sozinho, vou ficar muito triste sem você e não vou querer sair daqui, nem que minha filha insista. Fica combinado assim, então.
Acho que o Serelepe não gostou muito daquela conversa. Podia se notar que estava preocupado. Ele se mexeu muito à noite, certamente não dormiu bem. Um dia mais se foi e o “seu” Armando não falou nada. Passou o dia inteiro triste e com o Serelepe no colo.
No dia seguinte, ele tomou café da manhã, alimentou o Serelepe e foi para a varanda. O cãozinho pulou no colo e percebeu que o seu dono não estava muito bem. Parece que ele adivinhou os pensamentos do Serelepe pois falou assim para ele:
-Parece que não vamos ter problemas, Serelepe. Afinal de contas, acho que vou mesmo antes de você. Se eu for mesmo, não quero ir para o hospital, quero “ir” daqui mesmo. E você, na hora certa, vai morar com minha filha, eu falei, ela vai cuidar bem de você.
Depois de falar mais um pouco, abraçou o Serelepe, deu um beijo em sua cabeça e aparentemente dormiu. Não sei o que o Serelepe pensou, mas ficou muito assustado. Dali a pouco saiu do colo e foi para sua cama.
Mais tarde o “seu” Armando acordou, sentiu a falta do Serelepe e foi conferir. Desconfiou do jeito que ele estava dormindo, um medo interior se apossou dele. Ajoelhou-se perto da cama e conferiu os sinais vitais do Serelepe. Ele não respirava mais, havia morrido. Imediatamente o “seu” Armando percebeu o que havia acontecido:
-Serelepe, seu safado! Você achou que eu ia morrer e resolveu ir antes para não ficar sozinho. Malandro, não foi isso que nós combinamos!
A filha ajudou a enterrar o pobrezinho. Depois disso o “seu” Armando teve de ir à força para o médico. Na volta não teve chance e  foi praticamente “sequestrado” para a casa da filha. Por mais que tentassem alegrá-lo, não havia jeito, ficou lá, encostado, pensando no Serelepe. Remungava baixinho:
-Danadinho, você me enganou.
Alguns dias depois, o “seu” Armando, sem ficar doente, nem nada, faleceu. Como o médico disse, morreu de velhice mesmo, sem doença. O coração simplesmente parou de bater. A filha sabia muito bem o que havia acontecido. Com certeza, ele foi atrás do Serelepe para tirar satisfação a respeito do acordo não cumprido.

Saturday, February 9, 2013

O DA14 e uma bala perdida


O DA14 e uma bala perdida

Ele era obcecado por catástofres: terremotos, tsunamis, furacões. Lia estatísticas, assistia a documentários, colecionava artigos. Assim era o Rubens. Ultimamente se ligara muito nas possíveis consequências da queda de um asteroide. Tinha lido sobre aquele grandão, que despencara sobre a península de Yucatán, no México, e que destruíra os coitados dos dinossauros. Que coisa horrível.  E aquele caso mais recente, 1908, na Sibéria, onde 80 milhões de árvores foram derrubadas. Isso é coisa séria, coisa para se preocupar. Por falar nisso, o motivo para a apreensão do Rubens tinha um nome: DA14. Segundo a sabidona da Nasa, ele estava para passar pertinho da Terra no dia 15. No entanto, já avisararm que não havia motivo para pânico. Sem chance de contato direto e imediato com a superfície.
Quem diz que o Rubens sossegava? Apesar de respeitar a Nasa, ele estava muito desconfiado. Ficava pensando no tal do DA14 o tempo todo. Estava até atrapalhando o seu trabalho.

Naquela manhã, uns dias antes do ameaçador corpo celeste se aproximar da nossa querida, esplendorosa  Terra azul, ele estava mais preocupado do que o normal. Estava com péssimos pressentimentos. Pensava como poderia sobreviver, como faria depois da catástrofe, o que faria se a maligna rocha caísse perto dele, aqui, bem pertinho? Caminhava para o trabalho, absorto em seus pensamentos.  Decidiu que, ao chegar em casa, à noite, iria pesquisar sobre as chances estatísticas do DA14 chegar muito perto.
Pois bem, acho que esse foi o último pensamento do Rubens. Sentiu uma agulhada nas costas. Um fio de sangue escorreu pelo tecido bege de sua camisa e ele foi caindo, caindo na calçada. Não sei se ainda pensou mais uma vez no asteroide. Só sei que em alguns instantes o coração parou de bater. As pessoas começaram a se juntar em volta do corpo inerte. Alguém comentou e outro confirmou: uma bala perdida. Todos haviam ouvido os tiros.
Afinal de contas ele estava certo. Se um projétil, imensuravelmente menor e certamente menos veloz do que os 13 quilômetros por segundo  do DA14, era capaz de matá-lo, imagine o “dito cujo”. Que pena, o Rubens não estaria aqui para ver que nada de mal aconteceria.
Deus nos livre dos meteoros esporádicos e, principalmente, das balas perdidas de cada dia.

Friday, February 8, 2013

Destino Cruel


Destino Cruel

A garotinha morava no final da rua. No outro final, morava o garotinho. Eles eram muito pequenos mas já sabiam o que era gostar. Ela olhava para ele, sem ele saber, e se enchia de amor. O coraçãozinho batendo forte, quase descompassado. Ele, também tinha sobressaltos quando a via. Um não sabia do amor do outro. Foram crescendo, nunca se falaram, nunca tiveram chance. Quando jovens, cada um foi para seu lado, para cidades distantes, cuidar da vida. Nunca se esqueceram dos olhares, daquela coisa gostosa no peito. Ambos se casaram com outras pessoas. Depois de algum tempo ele teve uma briga feia com a mulher e houve o divórcio. Pouco tempo depois ela também se divorciou pois o marido era um cafajeste. Ambos continuaram se lembrando da infância e sentiram saudades do amor infantil. Nunca mais se casaram com ninguém, nunca mais se viram, mas ficavam pensando um no outro, até ficarem velhinhos, até a hora da morte.
O destino às vezes é cruel, não é mesmo?

Thursday, February 7, 2013

O Trem da morte


O Trem da morte

Estava olhando e não acreditava. Estava paralisado de terror. Havia corpos no meio dos trilhos, de um e de outro lado da estrada-de-ferro também. Um corpo sem vida eu já vira antes, embora a gente nunca se acostume com isso. Mas ali...Havia membros decepados, rostos desfigurados, havia partes humanas por todos os lados. No meio do arbustos, por entre as pedras que sustentam os trilhos. No entanto o que machucou mesmo o coração foi quando eu vi, no meio da carnificina, livros e cardernos dilacerados, marmitas, bolsas, objetos pessoais. Não eram as coisas em si, era o fato de elas estarem ali, junto com a morte, espalhadas pelo chão. Era a prova de que a vida havia sido cortada, exterminada. À noite, no curso noturno, aquela garota não abriu o livro. O trabalhador também não abriu a marmita na hora dpo almoço.
De repente, para acabar de destruir meu coração, vejo numa mão separada do corpo, uma aliança. Daquelas grossas, que se usavam antigamente. Um casamento que não ia mais acontecer, um filho que não ia mais nascer, um amor que não mais ia se realizar.
Uma hora antes, a composição de passageiros que estava quebrada em Caieiras, acabou sendo consertada por um mecânico da estrada de ferro que estava passando na outra linha. Antes, porém, havia sido pedido socorro para Perus, que mandou uma locomotiva diesel com pessoal para consertar a composição na mesma linha. Já consertada, ela partiu, sem saber, de encontro à locomotiva. Essa destruiu os primeiros vagões, causando várias mortes e inúmeros feridos.
Era a manhã do dia 21 de março de 1969. Havia acordado com um burburinho vindo da rua. Fui ver, falaram do acidente. Corri para lá para ver o que não queria ver, o que não era para ser visto. Nesse dia era melhor ter ficado dormindo, sem saber de nada...