Saturday, March 28, 2020

A Gripe Espanhola, que não veio da Espanha





A Gripe Espanhola, que não veio da Espanha

(primórdios da guerra de desinformação e Fake News para uso político)

Uma forte gripe acometeu um soldado americano na base militar de Fort Riley no Kansas, EUA. Era o dia 4 de março de 1918 e a Primeira Guerra Mundial ainda assolava a Europa. Era um local de treinamento e dali tropas se movimentavam pelos EUA e finalmente para a Europa. Essa é uma das explicações mais fortes para a origem da pandemia. O presidente americano Woodrow Wilson se recusou a falar sobre a doença durante todo o tempo que restou de sua presidência. Isso prejudicaria o esforço de guerra, segundo seu pensamento, que foi compartilhado por outros líderes mundiais envolvidos no conflito.
A Espanha, que era neutra e não tinha censura, discutia amplamente a gravidade da epidemia. Ironicamente levou a fama e o nome. Pagou pelo preço da liberdade de informação.
Essa pandemia certamente matou mais que cada um dos dois grandes conflitos mundiais e provavelmente mais do que os dois em conjunto.
Estavam inaugurados, há mais de 100 anos, a guerra da desinformação e as Fake News. Funcionaram.



https://saude.abril.com.br/blog/cientistas-explicam/gripe-espanhola-100-anos-da-mae-das-pandemias/

Monday, March 23, 2020

A República dos Prazeres


A República dos Prazeres
autor: Flávio Cruz
Era uma vez uma república. Muito grande, muito rica, fabulosa. Trabalhava-se muito, ganhava-se muito e comia-se bem e bastante. Ah, sim, comida era algo muito especial. Como ninguém tinha tempo de prepará-la pois precisavam ganhar dinheiro, modernas fábricas se encarregavam disso. Elas faziam alimentos saborosos. Uma delícia. Especiarias crocantes, apimentadas e salgadas. Os doces então, não dá nem para descrever. O que não se economizava era o açúcar. Era tudo muito doce e isso era necessário porque antes o salgado e o crocante já tinham atiçado o paladar. Muito importante igualmente era o o óleo. Tudo precisava ser muito bem frito e ter aquele colesterol gostoso e indispensável. Outra coisa muito interessante era que eles colocavam sal nos alimentos doces para contrabalançar um pouco – era muito doce – e colocavam açúcar nos alimentos salgados, também para contrabalançar. Eram uns gênios em termos de culinária industrial.
Havia no entanto um pessoal chato e desmancha-prazeres. Inventaram uma história ridícula de que essas coisas não eram boas para a saúde e que até as crianças estavam ficando gordas. Conversa fiada.Todo mundo estava feliz, por que se preocupar? Existe gente que consegue ver problema em tudo. Esse pessoal que estava reclamando era muito chato e não parava. Eles eram iguais aos comunistas e subversivos. Estão sempre querendo mudar a ordem vigente. O pessoal não estava dando muita bola para eles. Se gostavam de falar, que falassem. O problema é que eles eram muito insistentes. Começaram a fazer estísticas. Pior que isso, ficavam falando das mesmas para todo mundo: nos jornais, na televisão. Alguns abusados escreveram até livros. Tem gente que não pode ver felicidade dos outros que quer estragar. Que mal pode haver no doce, no salgado, no azeite?  Afinal de contas, tudo vem da natureza.
Alguns mais chatos que os outros, começaram a fazer umas contas esquisitas. Que muita gente  estava com diabetes (imagina culpavam o coitado do açúcar!) e com pressão alta (imagina que falavam que era por causa do sal).Chegaram ao absurdo de dizer que tinha gente com problemas no coracão por causa do colesterol! Tudo isso dava para aguentar, mas quando falaram que, no final das contas isto poderia custar mais dinheiro no setor de saúde e que este dinheiro teria que ser conseguido através de mais impostos, então a coisa ficou feia.

A República, entretanto, tinha grandes cabeças e grandes estrategistas. Imediatamente explicaram o mal entendido, não havia necessidade de se apavorar. Pelo contrário, a ordem era só regogizar. Tudo muito óbvio e muito simples. Se era verdade que mais pessoas precisavam ir ao hospitais, verdade era também que estavam tomando mais remédios. Muitos remédios: comprimidos, injeções, soluções. E não era só isso. Havia mais consultas, mais receitas, mais médicos, mais enfermeiras, mais hospitais e o grande argumento: mais empregos!  Era impossível não se ver o benefício geral para a República. Ah, estava esquecendo, claro que haveria mais impostos também. Não estou nem mencionando  a questão da propaganda. Quanto dinheiro girava em anúncios! Pessoas felizes nas telas saboreando coisas crocantes, doces, salgadas, picantes e até geladas! Pessoas curadas por remédios fantásticos dando testemunhos na telinha. Propagandas de doutores e hospitais! De novo, mais anúncios e mais empregos para gente importante que sabe “bolar” um anúncio e para gente não tão importante que iria colar os anúncios nos “outdoors”. Só um idiota completo não conseguiria ver a quantidade enorme de benefícios para toda a nação! Existe gente que se perde em detalhes e não consegue ver o “todo”.
Há cidadãos que nunca estão felizes e por isso alguns ainda insistiram. Falaram com os representantes do povo e pediram  para eles intervirem e pararem com aquela loucura. Precisava haver controle, regulamentação, algo precisava ser feito antes que toda a nação ficasse doente.  Estavam diante da inevitabilidade de um país de obesos, hipertensos, circulando em cadeiras de rodas e outros aparelhos especiais. Que besteira! Além do mais, se isso fosse verdade, já pensaram na tecnologia a ser desenvolvida para esses veículos, as fábricas, os empregos?  Mal podia se antever toda a gama de oportunidades para todos.  Isso sem contar o conforto com que as pessoas poderiam circular daqui para a frente.
Voltando aos representantes do povo, a maioria não ligou, mas alguns resolveram discutir o assunto. Mas não tinha jeito. Aquele povo todo que fabricava alimento mandou um verdadeiro exército – tudo dentro da lei – para provar o erro dos subversivos, como eles não entendiam de economia, como eles iriam acabar com a  República, dificultando negócios, transacões e eliminado empregos com aquele debate desnecessário sobre  alimentação saudável.
A discussão era tanta e tamanha era a confusão que muitos advogados eram necessários. Com tantos advogados, eram precisos também mais anúncios para que eles pudessem explicar que eles eram melhores do que os outros e que iriam ganhar a discussão para você, desde que você pagasse as custas e os honorários necessários para se ganhar um argumento. Mais anúncio, mais gente fazendo anúncios… mais tudo.
Alguns representantes, muito poucos, estavam firmes na questão de preservar a saúde pública e prometeram fazer algo. Foi aí que aconteceu uma tragédia ainda maior e que não tinha nada  a ver com os doces e salgados. Aquele pessoal que cuidava do dinheiro das indústrias e do povo em geral, ousou mais do que era permitido ousar, aventurou-se mais do que era sábio aventurar. Uma catástrofe, perdeu-se muito dinheiro e, pior que isso, muito emprego. Todo mundo ficou mudo. Até pararam um pouco de falar do doce e do salgado. Agora só se falava de dinheiro e emprego.
Claro que o fato de não se falar sobre o fato não impede que  continue aumentando a quantidade de gente em cadeiras de rodas, gente nos hospitais, gente andando de ambulância… Mas acho que não há problema, pois isso vai gerar mais emprego, mais negócios, etc… e a República vai continuar a crescer, se divertir e ser feliz! Viva a República!
P.S.: Esta é uma história absurda, sem fundamento na realidade, pura obra de ficção, e qualquer semelhança com pessoas e fatos reais é pura e incrível coincidência!



Friday, March 20, 2020

Por falar em máquinas que falam



Por falar em máquinas que falam

Quem não conhece a antológica cena de “2001 – Uma Odisseia no Espaço” em que o computador da nave, o Hal, fala com sua voz suave para o astronauta Dave que, infelizmente, não pode deixá-lo entrar novamente na nave? Ele sabia que o Dave queria desligá-lo e não queria que tal fato acontecesse para não arriscar a missão. Esperto, ele. Muito mais esperto que muita gente.
Mas depois voltamos ao Hal. Por enquanto, o que queria dizer é que agora o que era ficção não é nada mais do que o cotidiano. Estamos falando com máquinas a todo momento. No começo era difícil, mas hoje em dia elas estão conversando muito bem. Existe uma – ainda estou falando das máquinas – que “trabalha” para um banco americano, que é especialmente boa. Ela entende praticamente tudo e pergunta exatamente o que deve ser perguntado. Além disso, é muito educada. Quando, devido ao nosso sotaque tupiniquim, ela não entende alguma coisa, ela pede para repetir. Avisa, porém, que é culpa dela, não nossa, e fala um “sorry” absolutamente honesto e sincero. Gosto dela. Qualquer dia, quando houver clientes brasileiros suficientes, ela não só vai entender nosso sotaque, como também vai falar “Que bonito sotaque você tem. Aposto que é do Brasil!”. É tudo uma questão de marketing, pode ter certeza. O que me preocupa, no entanto, é que ela pode fazer o mesmo que o Hal fez naquele fatídico momento do filme. “Sinto muito, querido cliente, não posso fazer isso.” Talvez eu precise de uma grana extra e o meu pobre saldo bancário não alcance o limite. Certamente um saldo negativo prejudica a “missão” bancária que é ganhar mais e mais. Mas posso ficar tranquilo, ela não vai me ofender. Vai falar com muita educação e suavidade. E devo ficar muito feliz com isso. Existem inúmeros humanos que não conseguem ser educados pessoalmente e muito menos por telefone!


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Novo lançamento no Clube dos Autores: Essa vida da gente



Monday, March 16, 2020

Sorria, pois sorrir é preciso


Sorria, pois sorrir é preciso    

A manhã chegou e Ethan abre a porta de frente da sua casa. Traz consigo um saco de lixo. É dia de coleta. Ao caminhar para a calçada, vê Logan do outro lado rua, acena e dá um pequeno sorriso. O vizinho responde com outro sorriso, que equivale a um “bom-dia”. Antes de voltar para dentro, ainda vê Emma, vizinha de Logan, e mais adiante, Connor, outros vizinhos. O mesmo ritual: um pequeno aceno e um pequeno sorriso. Daí, todos, como num ceremonial, vão voltando para dentro. O que Ethan não sabe, é que Logan, apesar do sorriso, está passando por um verdadeiro inferno pessoal. Está completamente falido, envolvido em negócios escusos, pode ser preso a qualquer momento. Sua mulher não sabe, nem seus dois filhos. Não pode nem sequer imaginar como vai ser a vida deles sem renda, com o pai na cadeia. Sem falar na vergonha, é claro. Pensou até em suicídio, mas de que adianta? Só vai piorar a situação para todos. Coragem e força para dar as más notícias, ele ainda não juntou e o tempo vai passando.

Outra coisa que Ethan não sabe, nem Logan, é que Emma também tem seus problemas. Descobriu há uma semana, que seu marido a está traindo com uma colega de trabalho. Duas filhas lindas, um casamento de 18 anos, tudo perfeito, agora isso... Não podia acreditar. Amanhã ou depois irá mandá-lo embora de casa. Precisa fazê-lo. A preocupação era com as crianças, ainda menores. Elas adoravam o pai. Uma tragédia que Emma não sabia ainda como enfrentar.
Connor, o outro vizinho, não tinha problemas nem com casamento, nem com dinheiro. Estava realizado na vida, tinha uma boa esposa e filhos carinhosos. Seu problema era outro. Não sabia como contar para sua doce esposa, Mia, que estava com um câncer avançado, que tinha só alguns meses de vida. Mia era muito frágil e insegura, como iria suportar a má notícia?
Havia um outro vizinho, Nicholas, que hoje não estava lá para sorrir e acenar. Tinha saído cedo, ia fazer uma entrevista num centro de reabiltação de drogas. Descobrira há pouco tempo que seu filho, Joshua, 16 anos, estava completamente viciado. Precisava fazer algo, estava desesperado. Não entende como, nem ele nem sua esposa, Ellen, demoraram tanto tempo para perceber.
Depois da casa de Nicholas, vem a casa de Rogers. Bem, o Rogers... Não, não vou fazer isso com você, não vou falar das tragédias do Rogers. Chega por hoje. Vamos voltar para o começo da história, quando o Ethan saiu com o saco de lixo na mão e deu um sorriso para Logan, Emma e Connor. Pronto. Faz de conta que não contei nada. Vamos ficar nos sorrisos, pois, não importa o que aconteça, “sorrir é preciso”...