Wednesday, December 31, 2014

Os dados de Chíntia



Os dados de Chíntia

Cínthia sabia que alguma coisa estava errada. Estava preocupada mas não a ponto de tomar uma atitude radical. Na verdade, ela nem podia fazer algo a respeito. Melhor ficar quieta e não ir atrás do que realmente acontecia. Descobrir algo que não tem solução?  Muito melhor nem ficar sabendo. Era o que seu avô sempre dizia e contra o que sua avó sempre se rebelava. Mas eles, quando eram vivos, tinham tanta idade e pertenciam a uma geração tão diferente que não serviriam como referência.
Vamos considerar os dados, ela sempre pensava. O que ela sabia e o que ela não sabia. Tinha consciência de que tinha uma doença muito grave, um câncer no cérebro. Nem por isso era questão para se desesperar. A ciência estava avançadíssima e isso não seria fatal. Não havia mais câncer incurável. Entretanto, em seu caso, havia agravantes. O primeiro era que, mesmo sabendo do problema, não procurou assistência médica até o “sistema” por si mesmo detectar o caso e obrigá-la a se submeter a um tratamento. Como lhe dissera a cientista do Departamento de Medicina Pública, ela estava num estágio tão avançado, tão avançado, que teria de se submeter a um tratamento completamente diferente. E não era só isso. Os exames mostravam que ela tinha algo mais do que  essa doença. Havia alguma outra coisa em seu cérebro que, até para eles, cientistas, era uma novidade. Tinha a ver com partículas subatômicas que compunham os átomos de suas moléculas ou algo assim. Ela nunca fora boa em ciência. Sabia também que o “sistema” não cuidava de casos assim, pois era um tratamento experimental e eles não queriam assumir responsabilidade. Com certeza isso era “conversa fiada”. Recomendaram que fosse cuidar de sua cabeça num instituto particular. Não teria de se preocupar com custos ou nada assim pois o “sistema” pagaria tudo. O lugar se chamava “Alexandria” e não era apenas um prédio. Era como se fosse um grande parque de diversões, só que as atrações ou os “brinquedos”, eram na verdade unidades de tratamento, mais precisamente, “unidades alternativas de tratamento”. Assim que entrou pelo portão principal e procurava pelo escritório de atendimento, pôde ver uma placa: “Unidade de Reconstrução Total”. Mas havia outras placas, quase todas com nomes estranhos.
Não se intimidou e procurou a sala onde deveria fazer a inscrição para o programa. Além de dizer o próprio nome, não precisou dizer mais nada. Extraíram tudo do seu chip de identificação. Daí foi para outra sala onde deitou-se numa cama. As duas atendentes falaram para ela ficar relaxada. A luz diminuiu e então elas saíram.
Foi aí que  começaram as coisas que ela não sabia. Quando acordou, não sabia onde estava. Tinha uma vaga noção de quem era. Não sabia se estava curada. Apareceu em outro lugar mas não sabia onde. Não sabia quem eram as pessoas também. Às vezes parecia que elas a entendiam, que elas a podiam ver. Outras vezes parecia que ela era um fantasma, ninguém notava sua presença. Realmente havia muita coisa que ela precisaria saber. No geral, porém, sentia um grande bem-estar. Não havia dores. Podia se dizer que havia até um princípio de felicidade.
Desconfiou que talvez estivesse em coma. Talvez estivesse sob efeito de drogas fortíssimas. Alguma coisa estava errada. Queria voltar.
Embora ela não soubesse,  havia uma chance de voltar à realidade. Alguns meses haviam se passado e finalmente seu irmão estava conversando com uma técnica na recepção do instituto. A senhorita Robin, cabelos loiros e curtos, jovem e sorridente, explicava para o irmão de Chíntia o que havia ocorrido:
-Infelizmente o corpo estava irrecuperável. Ela deixou a doença danificar seus neurônios de tal forma que, mesmo com os recursos moderníssimos que existem, é impossível recuperá-los.
Sorriu e continuou:
-Entretanto, agora que você está por aqui, há uma solução. Como a sua carga genética é bastante semelhante à dela, podemos criar um “clone” com material extraído de você e posteriormente fazer nele o “input”.
Diante do ar interrogativo de Samuel, Robin explicou melhor:
-Temos tudo dela salvo num “hardware”.Qualquer dado genético ou psicológico imaginável. Desde a “careta” que ela vai fazer quando chupar um gomo de limão até seus mais secretos desejos. Temos guardada a informação de como ela gosta de dormir, de lado ou de bruços, temos a exata sensação que passa pelo seu corpo quando ela vê um pássaro cantar. Tudo.

Samuel já tinha lido sobre essas coisas. Ele pensava, entretanto, que era tudo experimental, que ainda não estavam fazendo no dia a dia, com pessoas normais, muito menos com sua irmã. Enquanto sua mente divagava ainda um pouco confusa com as novidades, Robin entregou-lhe uma pequena caixa metálica.
-Pode abrir, disse Robin.
Samuel apertou um botão preto e a tampa abriu-se automaticamente. Dentro podia ver um pequeno cilindro de 1 centímetro de diâmetro por 8 de comprimento. Parecia cristal e dentro dele havia minúsculos circuitos feitos com fios de ouro, minúsculas esferas cor de bronze e outros pontos minúsculos que não podia identificar.
-Está tudo aí, Samuel. Pode levar, guardar em temperatura ambiente e, quando você estiver pronto, volte aqui para colhermos seu material. Demora no máximo uma hora.
Samuel agradeceu, colocou a preciosa caixa no bolso de sua túnica e despediu-se da senhorita Robin. Saiu pela porta central e dirigiu-se para seu veículo “carregando” sua irmã no bolso.
Tinha de pensar muito, não sabia se seria capaz de fazer isso. No fundo ele sabia que acabaria fazendo. Ele sentiu muita falta da irmã todo esse tempo e, de certa forma, estava se sentindo poderoso. Era como se pudesse ser Deus, como se pudesse devolver a vida para um ser usando sua própria carne. Por alguns segundos lembrou-se de uma passagem daquele livro antigo onde o Criador fez a mulher da costela do homem. Sorriu. Ele sabia que iria concordar. Estava só “dando um tempo” para se acostumar com a ideia.
A temperatura era maravilhosa e uma brisa suave acariciava o ar. Era a primavera do ano 2365.


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Tuesday, December 30, 2014

Meu amigo Doug


Meu amigo Doug

O Doug é um grande amigo meu. Apareceu em casa assim, sem mais nem menos. Ficou olhando com aquela cara meio triste, mas cheia de dignidade. Estava com fome, o coitado.  Dei-lhe um pedaço de pão. Ainda bem que não se ofendeu. Ao contrário, comeu com avidez. Continua me visitando regularmente até hoje. Um amigão, mesmo.
Como disse, seu nome é Doug. Seu nome de registro, porém, é Mycteria Americana, da família Ciconiidae. Alguns o chamam de Wood Stork. O importante mesmo é que ele é um amigão do peito.

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Friday, December 26, 2014

Existe alguém mais triste do que eu?



Existe alguém mais triste do que eu?

Seu olhar lânguido se espalha no espelho. Olhar bonito, mas triste. Semelhante a outros tristes olhares, mas alheio a si mesmo. Como no conto, conta vantagem de sua tristeza. Espelho, espelho meu, há mais triste olhar do que o meu? A sua imagem parelha lhe responde que aquilo é apenas um mau-olhado. Com lágrimas se espalhando pela face, insiste no mesmo monótono perguntar. Refletidas, então, no espelho, cenas deprimentes deixam-na abobalhada. Crianças com fome, outras com defeito e até morrendo, algumas.
Cai em si, despenca de seu egoísmo e autopiedade. E ela, que nem sabe rezar ou orar, faz uma prece sem graça, mas sincera.

Olha-se novamente no espelho e vê sua imagem sorrir.

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Monday, December 22, 2014

Brincadeiras


Brincadeiras


As crianças brincam com brinquedos.
Os adolescentes brincam com jogos virtuais, de vida e de morte.
Os jovens brincam com tablets e androids.
Há adultos que brincam com máquinas poderosas, voadoras ou não.
Alguns adultos, porém,  brincam com a fé. Outros com dinheiro, e alguns até com o bem e com o mal.
No laboratório e nos computadores, cientistas da Genética e Físicos teóricos não querem saber de brincadeira. Ou estarão eles brincando de Deus?

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Monday, December 15, 2014

Um governo corporativo: Continuum


Um governo corporativo: Continuum


Em ficção científica, o tema das grandes corporações controlando todos os governos, é um tema muito comum. No seriado americano “Continuum”, esse é um dos temas principais. Neste cenário, de um lado, as grandes empresas fornecem bem estar, emprego, segurança. De outro, controlam tudo, sabem de tudo, não há mais vida privada. Eles são o Governo. Se olharmos com cuidado, principalmente nas grandes nações, isto já está acontecendo. Nos Estados Unidos, a contribuição para campanhas eleitorais atinge números jamais alcançados anteriormente. Conseguem eleger parlamentares, pessoas para cargos executivos e judiciários. E o ciclo vai se completando: todas essas pessoas, com muito poder, acabam fazendo e aprovando leis onde esse sistema vai se fortalecendo. Não há como retornar. Vão passar de órgãos que “controlam” o governo para serem o “próprio” governo. E essas empresas são multinacionais. Do patamar onde controlam os grandes países, para aquele onde vão controlar os pequenos e médios, é apenas um passo pequeno. Talvez o lado positivo, ou seja, o fato de que elas vão oferecer estabilidade, emprego digno e saúde - melhor do que o próprio governo -  supere o lado de quase total perda de privacidade e liberdade. Ou talvez seja uma dominação completa, descarada. Duvido que façam isso. Até para o total domínio da sociedade, é preciso um certo marketing. E elas são boas nisso. Pode se preparar. Isto é um destino certo. Talvez demore 20, 30 anos. Talvez um pouco mais, mas vai acontecer. Garantido.

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Sunday, December 14, 2014

Quem é essa mulher, que canta sempre esse estribilho?


Quem é essa mulher, que canta sempre esse estribilho?

O Chico, na sua música “Angélica” pergunta “Quem é essa mulher, que canta sempre esse estribilho? Todos sabem que é Zuleika Angel Jones, mais conhecida como Zuzu Angel. E o estribilho dizia: “Só queria embalar meu filho, que mora na escuridão do mar.” E o filho da Zuzu era Stuart Jones. O pai era um americano, Norman Angel. Ela era estilista de moda e começou com costuras bem simples, tornando-se famosa mais tarde.
No entanto, ela ficou mais famosa pela luta para encontrar o corpo de seu filho, que havia sido preso, torturado e morto pela Ditadura no  Centro de Informações da Aeronáutica (CISA), no aroporto do Galeão. O governo, na época, declarou-o como desaparecido. Mas todos sabiam da verdade. E Zuzu, destemida, nunca parou de batalhar para saber a verdade, para encontrar seu corpo. Na época, uma atividade muito perigosa. Só não foi “bloqueada” logo de início, por ser esposa de um americano e por ser internacionalmente conhecida no mundo da moda. Protestou de todas as formas.
Na madrugada de 14 de abril de 1976, sua busca terminou. No entanto, foi por outro motivo, não por ter encontrado o corpo. Sofreu um estranho acidente na Estrada da Gávea. Duas testemunhas afirmaram que ela foi jogada fora da estrada. As autoridades do regime militar disseram que foi um acidente. Estranhamente, uma semana antes ela havia deixado uma mensagem com o Chico Buarque. Se ela morresse por acidente ou outro motivo, os responsáveis seriam os mesmos assassinos de seu filho.

E a música continua: “Só queria lembrar o tormento, que fez o meu filho suspirar”. Insiste que “Só queria agasalhar meu anjo, e deixar seu corpo descansar”. Mas ela não teve chance. As mesmas forças que cobriram de trevas seu filho, finalmente a levaram também.

Chico canta: Angélica


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Tuesday, December 9, 2014

O silêncio dos inocentes


O silêncio dos inocentes

Quando há guerras, revoluções, os primeiros a caírem e sofrerem as consequências, são os inocentes. São eles também as vítimas principais quando um motorista bêbado causa um acidente. O mesmo acontece quando há atentados terroristas, sequestros, violência doméstica. A primeira conta, a mais pesada, são sempre os inocentes que pagam. Assim é que são as coisas, por mais otimistas que sejamos. Os verdadeiros vilões, às vezes, só às vezes, acabam sofrendo alguma coisa.
Dizem as pessoas de boa vontade que um dia as contas serão acertadas, numa outra vida. Lá é o lugar da verdadeira justiça. Seria melhor, entretanto, que fosse aqui mesmo. Além disso, se os bandidos vão mesmo pagar, só saberemos depois que tudo acabar, quando mais nada importar.
Acho que é isso que Thomas Harris estava pensando quando fez o script de “O silêncio dos inocentes”, aquele filme de dar medo, com Jodie Foster e Anthony Hopkins.  Pois é isso que acontece com eles.

Eles se calam.

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À procura de Lucas


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Sunday, December 7, 2014

Sapatos às margens do Danúbio


Sapatos às margens do Danúbio

Nada mais prosaico que sapatos. Quem faria uma escultura com eles? Coisa de arte moderna, talvez? Uma daquelas que só os entendidos podem comentar? O fato é que um grande amigo meu, Milton Assumpção, conhecedor de vinhos e amante da cultura do velho continente, ficou impressionado com os sessenta pares desenhados em ferro por Gyula Pauer e colocados às margens do Danúbio em Budapeste. Eram modelos usados por crianças e adultos nos distantes anos 40. Um pouco corroídos pelo tempo, estão lá desde o ano 2005, quando o monumento foi inaugurado Há muito mais por trás deles. Há a crueldade doentia de um grande ditador, há a dor e humilhação de milhares de pessoas.
Ferenc Szálasi era um político afinado com os ideais da causa nazista e líder do Partido da Cruz Flechada na Hungria. Em parceria com o assassino alemão, tinha, como um dos seus principais objetivos, eliminar todos os judeus. Enchia trens com as pobres vítimas e as enviava para o campo de concentração em Auschwitz. Quando os vagões estavam lotados, o trem partia. Os que ficavam para trás, tinham de tirar seus sapatos e ficar em pé, esperando pela execução. Eram então fuzilados e jogados nas águas do famoso rio, para que fossem levados embora. Com o frio rigoroso que fazia na Europa, seria um desperdício serem atirados junto com os corpos.

Essa é a história dos sessenta pares ali expostos. Um conto de terror e uma metáfora horrorosa sobre a bestialidade humana, contada em forma de escultura, sólida, em ferro, para que não nos esqueçamos jamais.

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Thursday, December 4, 2014

Uma infância que não existe mais



Uma infância que não existe mais

Hoje em dia, as mulheres famosas se perdem em vaidades antes impensadas. Muitas, não famosas, também. Ficam transparentes de corpo, enquanto um véu intransponível cobre suas almas. Mostram tanto que, muitas vezes, o desejo se torna imaginar como seriam, se vestidas. O inverso da volúpia. Uma confusão de sinais. Elas ficam mulheres cada vez mais cedo. O tempo de ser criança é cada vez mais curto. Um dia nem vai mais existir e as crianças já vão nascer adultas. Talvez tenha de ser assim. Parte da evolução do ser humano. Não sei por que, entretanto, acho que vou sentir uma saudade enorme do tempo em que as crianças só eram meninos ou meninas.

Ainda bem que, quando isso acontecer, não vou estar mais por aqui.

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Monday, December 1, 2014

Minha primeira aula

Minha primeira aula



Parece que foi  ontem. Existem coisas que a gente não esquece nunca. Desci do trem, atravessei a linha, e lá estava eu na escola. Passei pela diretoria para avisar que tinha chegado. Nem precisava. O diretor disse que era só passar pela sala dos professores,  pegar meu material e ir direto para a sala. Peguei os diários de classe, o apagador e uma caixa de giz. Eu tinha decorado tudo que iria falar. Era minha primeira aula como professor, não queria que nada falhasse.
Olhei para todos e fiquei um pouco acanhado. Os alunos me olhavam com curiosidade. Duas meninas cochicharam alguma coisa. Acho que fiquei vermelho. Criei coragem e comecei. Daí ficou tudo mais fácil. E eu fui falando, falando... Escrevi no quadro-negro, distribuí folhas. Passou tudo muito rápido, logo a seguir o sinal tocou. Naquele dia eu só tinha uma aula.
Voltei para casa feliz. Era uma coisa gostosa de se fazer. A partir daí eu tive certeza de que era o que eu queria. Demorei para dormir porque pensava, pensava...

Havia uma coisa que eu não conseguia entender: por que pagavam a gente para fazer uma coisa tão gostosa? Nem precisava...


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