Tuesday, January 30, 2018

Deu um branco




Deu um branco

Deu um branco. Já aconteceu com qualquer um de nós. É verdade que, com a idade, a ausência de cor, vai, pouco a pouco, sendo a dominante. Existem, porém, doenças e acidentes que podem deletar tudo, mesmo numa tenra idade. O que é uma mente sem lembrança nenhuma? Não sabemos, não dá para saber. Talvez seja a própria pureza, talvez seja uma forma de infinito, onde o tempo e o espaço não se contam. Talvez seja, finalmente, o encontro com Deus. Talvez não seja nada, nada mesmo, como se tivéssemos morrido.
É por isso que gosto de escrever. Se o vazio invadir meu cérebro, se tudo for deletado e minhas sinapses entrarem em colapso, tenho esse consolo. O que fui, o que deixei de ser, vai estar escrito por aí, em algum lugar. Nem que não houver ninguém lendo, ainda assim, isto vai ser parte de mim. Sim, isto vai ser o meu espírito, rudimentar, escrito em prosa e verso, pairando em forma de perdidas palavras, pelo ar, para quem quiser ouvir...


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Friday, January 26, 2018

A história de Clotilda

 


A história de Clotilda

Em um ano começaria a Guerra Civil nos EUA, mas desde 1808 já era proibido trazer escravos da África. A escravidão, no entanto, durou até dezembro de 1865, logo depois de terminar o confronto entre o sul e o norte do país.
Apesar da proibição, Timothy Meaher, um negociante do Alabama na época, quis provar que ele era capaz de burlar a lei. Junto com alguns investidores, enviou um navio para o oeste da África. No reino de Whydah efetuaram a compra de mais de 100 escravos e voltaram para a América com a preciosa “carga”. Quando estavam chegando perto da cidade de Mobile, no entanto, perceberam que seriam facilmente detectados e perseguidos pelas autoridades. Agiram rapidamente. Depois de atearem fogo àquela embarcação, transferiram os escravos para outra menor. O que restou desapareceu nas lamacentas águas do delta. Timothy ficou com 30 dos homens e entregou os outros para os que tinham investido nessa triste empreitada.
Alguns anos depois terminou a guerra e junto com ela, a escravidão. Aqueles pobres seres que haviam sido trazidos do outro lado do mar contra sua vontade, agora estavam livres. Um grupo deles solicitou ao governo americano que eles fossem levados de volta para sua terra, mas isso foi negado. Compraram então uma área de terreno e formaram uma comunidade chamada Africatown. Outros, que haviam se separado, começaram a voltar também para se unirem aos companheiros da terrível jornada. Africatown existe até hoje e lá residem seus descendentes. Tentaram conservar suas tradições, sua língua. Mais tarde alguns se converteram ao Cristianismo.
Há algumas semanas trás, um repórter do Alabama parece ter encontrado os restos da escuna que fora então incendiada. Possivelmente um ciclone conhecido como “ciclone-bomba” desenterrou o que havia sobrado.
O nome dessa escuna era Clotilda e foi o último navio negreiro a desembarcar na América.

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Thursday, January 25, 2018

São Paulo bandeirante

                                                  

São Paulo bandeirante

Ando em São Paulo pelas ruas,
e tudo que vejo são almas nuas.
Vejo angústia, solidão,
sorrisos que não se firmaram,
esperanças que findaram
para sempre na imensidão.
Gente com andar seguro,
e no ar, cheiro de café expresso
em meio a crimes confessos.
Vejo nos rostos, abortos
de desejos retos e tortos.
Vejo também muitos anjos,
mulheres com ar de criança,
e marmanjos sem esperança.
Vejo inúteis ideais,
mesclados com ideias banais.
Vejo o mundo se criando,
de novo, a cada instante,
neste eterno despertar
de metrópole gigante.
Acho que é por isso que te amo,
minha cidade bandeirante,
e com força te conclamo
para ser minha amante.
                  

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Monday, January 22, 2018

Andando pela Pauliceia Desvairada



Andando pela Pauliceia Desvairada

Não fujo do ridículo. Tenho companheiros ilustres.
O ridículo é muitas vezes subjetivo.
 Independe do maior ou menor alvo de quem o sofre.
Criamo-lo para vestir com ele quem fere
nosso orgulho, ignorância, esterilidade.
(Pauliceia Desvairada)

Falei com o Engenheiro Goulart e com o Ermelino Matarazzo e disse que ia tomar a Liberdade de ir até a Sé para conseguir alguma Consolação ou até alguma Luz para a Pedreira que é a vida do Paulista. No Pacaembu procurei Palmeiras que acabei não achando. Achei, porém, Paineiras no Morumbi, depois de passar pelo Paraíso sem pedir licença para a Ana Rosa. Andei também por Itaquera, mas só achei o que queria no Parque da Vitória, pois a dita cuja não estava lá. Falei com muitos santos: São Mateus, Santa Terezinha, São Domingo, Santa Ifigênia, São Lucas. Pedi a eles Socorro para minha Saúde. Santo Amaro, então, me falou que deveria ir até a Vila dos Remédios para encontrar o que eu queria. 
Fiquei com fome e fui pescar na Ponte Rasa lá no Rio Pequeno. Não consegui nada. Fui então rezar na Vila Oratório para conseguir comida, a não ser que eu quisesse alguns Perus, pois as Perdizes estavam muito caras tanto no Mercadão como no Mercado da Lapa.
Além de fome, senti sede e fiquei em dúvida entre a Água Fria, a Água Funda e a Água Branca. Achei melhor ir para a Água Espraiada, não sem antes fazer um Bom Retiro no Alto da Lapa, de onde se podia ter uma Bela Vista. Cheguei na Lapa de Baixo e falei Mandaqui um Limão, pois ainda vou passar pela Quarta Parada e pela Quinta da Paineira. Parei na Parada Inglesa e fiquei pensando por que tanta coisa com os ingleses – Chácara Inglesa, Morro dos Ingleses, se nós temos apenas Brás e Brasilândia.
Sem dinheiro para o Metrô, fui ao Tatuapé e, enquanto andava, me perguntava por que a gente precisa de um Moinho Velho se há um Brooklin Novo ou um Parque Popular se há um Real Parque.

É mesmo uma Pauliceia Desvairada, como dizia o Mario de Andrade. Ainda bem que, quando estiver chateado, posso ler uns trechos de Brás Bexiga e Barra Funda, do Alcântara Machado, pegar o “Trem das Onze” com Adoniran Barbosa, ou tomar um “chopps” na esquina da Ipiranga com São João.

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Thursday, January 18, 2018

A foto do fato, de fato?




A foto do fato, de fato?


O fato, de fato, aconteceu, não havia dúvida. O fato foi documentado com uma foto. Disseram, porém, que a foto não representava factualmente os fatos. Foto fraca, fato forte. Entendidos em foto refizeram a foto. Foto refeita, foto bem feita. Fotoshop. O fato é que a foto não era mais o retrato da fato, tão modificada que estava. Agora a foto que era a tal, o fato era um mero fator e dele se esqueceram. Só se falava na foto. Mas fato é fato, uma foto precisa de um fato para ser uma foto fatal e total. Mas não se podia ignorar o fato de que no final todo mundo respeitava mais a foto do que o fato. Afinal a foto você sempre vê e o fato você só vê uma vez. Só alguns veem.  Isso é um fato, um fato que nem dá para você fotografar.

Agora virou moda, falam sempre mais da foto que do fato. Os fatos, que fatos? O que importa é o documento que retrata o fato, nem que o fato não tenha acontecido.

Resumindo, meu irmão, ninguém se preocupa mais com a verdade. Todo mundo, quase todo mundo, só se preocupa com o retrato que as pessoas de poder fazem dos fatos. Essas pessoas até fazem fotos de fatos que não são fatos, só fotos. A foto fica colorida quando precisam de cor. A foto fica em branco e preto quando querem dizer que a situação está preta. Quando ainda não decidiram o que fazer do fato, a cor é, sabiamente, a sépia.

Isto é um fato. E gostaria de lembrar o fato de que desse fato não se pode tirar uma foto. Claro, se não, esse fato seria uma foto, e não um fato, conforme foi provado  pelos fatos expostos acima. É ou não é um fato?


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Tuesday, January 16, 2018

Danny Glover e as raspadinhas







Danny Glover e as raspadinhas


Sei que é uma estranha combinação, mas no final tudo vai se esclarecer. Vamos começar com Jimmy, o funcionário da concessionária de veículos. Toda noite, por volta das 8 horas, ele passava pelo 7-Eleven e pedia para a atendente conferir uma pilha de “raspadinhas”. Esse termo, sem dúvida, é o melhor para traduzir as loterias de “scratch-off” ou os “scratching-tickets” que temos por aqui.
Não era uma quantidade absurda, mas também não eram poucas. Na fila, aquela cara de impaciência de muitos, com pressa de voltar para casa ou para ir onde quer que tenham de ir. Jimmy normalmente ganhava o direito ao mesmo bilhete, às vezes um prêmio modesto, nada que pudesse mudar sua vida nem sequer por uma semana. Os resultados não impressionavam, o que me impressionava, no entanto, era a assiduidade do Jimmy. Não falhava um dia sequer. Ao saber dos resultados não mostrava nem rancor por não ter ganhado, nem decepção, talvez, no máximo, um longínquo ar de esperança misturada com resignação. Esta era a vida do Jimmy. Comprava algo no mesmo caixa para o jantar, como todos que estavam na fila e ia para casa.
Era vendedor, provavelmente vendia seus dois ou três carros e voltava para casa à noitinha. Jimmy tinha um rosto familiar e por alguns meses eu tentei descobrir por quê. Finalmente um dia decifrei a charada. Estava assistindo mais uma vez ao filme “Lethal Weapon” (“Máquina Mortífera”) e lá estava: era o próprio Danny Glover, o policial parceiro da personagem de Mel Gibson, no filme. Agora nosso título acima está explicado.
O outro mistério que era difícil de entender era o porquê daquela assiduidade. Anos a fio, todo dia comprando as tais loterias, com resultado quase nenhum? Pensei muito sobre o assunto e cheguei a uma conclusão. Todos os dias Jimmy vendia carros novos, ou seja, vendia realização de sonhos para as pessoas. Eu não sei quais eram os sonhos de Jimmy, mas sei que tinha muitos. Nem importava ganhar, importava manter a fantasia, a esperança. Jimmy havia escolhido uma forma de materializar a procura da sua. Todo dia ele comprava pedacinhos de seu devaneio...

Todos nós também, todos os dias, cada um à sua maneira, estamos “comprando”, de alguma forma, nossas “raspadinhas de sonho”...



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Saturday, January 13, 2018

Um casamento como nenhum outro

Um casamento como nenhum outro



O Armando estava lá na frente da igreja, firme, esperando pela noiva. Bonitão, elegante, olhava para a porta do templo, esperando a futura esposa chegar. Olhando para seu semblante, porém, você jamais poderia saber o que se passava em sua mente. Havia duas forças se confrontando. Uma, que poderíamos chamar “de fundo” estava comparando a vida que ia ter, de casado, com a que tinha tido até então. Como ele se relacionava com a Márcia há muito tempo, era fácil “montar” um quadro mental do futuro “lar”. Não se pode dizer que ele estivesse decepcionado ou apavorado com o futuro próximo, mas certamente não se pode dizer que ele estava vivendo um gozo antecipado. A outra força, que poderíamos chamar de “aparente” , tentava fugir desses pensamentos e olhava a paisagem festiva e solene, a decoração, as faces das pessoas. Foi então, que uma luta surda começou a se travar dentro de sua cabeça. A força “de fundo” estava chamando a consciência exterior para uma conversa, uma discussão sobre o cenário que estava a se descortinar. A outra evitava o confronto porque sabia que não ia ser bom. Mais do que isso, agora era tarde, nada mais poderia ser feito. Por que, então, pensar no que já é quase um fato e que não tem mais jeito? “O que não tem solução, solucionado está”, não é assim que se diz?
A cena era a típica de um casamento.  Amigos, parentes e conhecidos distribuídos ao longo dos bancos. As mulheres, invariavelmente, conversavam baixinho, sussurravam, discretamente, como requeria o lugar. Apontavam coisas e objetos. Com um pouco de imaginação, quase era possível adivinhar-se do que falavam. Os homens, um pouco mais silenciosos, examinavam o teto, os altares laterais, ou simplesmente olhavam para o vazio. Só Deus sabe o que realmente pensavam.
De repente, Armando percebeu  o que todo mundo já tinha percebido. A noiva estava muito, muito, atrasada. Havia mais. Já se podia perceber uma movimentação extra no fundo da igreja. Algumas mensageiras chegavam, outras saíam. Era óbvio que alguma coisa estava no ar. Algumas donzelas estavam nervosas, outras disfarçavam um choro e outras, maldosas, mal podiam conter um ar de sadismo. Os homens, invariavelmente, fingiam que não tinham percebido nada. Uma atmosfera de constrangimento invadiu o sagrado recinto.
Todos já sabiam a essa altura que algo havia ocorrido. O “algo” também todos sabiam o que era, mas não ousavam falar. A noiva teve um ataque de pânico e desistiu na última hora.
Se você  pudesse ler a mente dos presentes, iria encontrar inúmeras e estranhas  “correntes” de pensamento. Um colega de trabalho estava pensando no dinheiro que gastou com o presente. Será que eles iriam devolver? Pedir de volta certamente era impensável. O outro lamentava a viagem que deixou de fazer para estar ali. Um amigo sincero se preocupava com o que iria acontecer com o Armando. E assim por diante. Provas cabais da mesquinharia humana poderiam ser recolhidas ali, se  alguém por acaso duvidasse de sua existência. Eu não vou falar das coisas que se passavam nas cabeças das mulheres, pois alguma leitora poderá pensar que tenho ideias machistas. Posso garantir, entretanto, que iam desde uma dor profunda, sincera, até um “bem feito, ela merece”...
E o noivo, o preocupado Armando, que até agora há pouco estava com aquela monstruosa batalha interior, de repente percebeu que poderia encerrar a disputa mental que estava ocorrendo. Para economizar tempo, vou direto ao ponto: estava tremendamente aliviado, como nunca estivera antes em sua vida. Claro que não poderia mostrar o que sentia por dentro... Por isso, naquele momento sua preocupação passou a ser outra: como coordenar aquela enorme sensação de surpresa e genuína felicidade pela libertação recém adquirida, com uma cara oficial – que teria de fazer para a ocasião – de tristeza e humilhação. Ele bem que tentou.
Se alguém tivesse tirado uma foto de seu rosto naquele exato momento, iria obter uma expressão facial nunca registrada antes. Ganharia fácil do ar misterioso do rosto de Monalisa. Sempre havia a possibilidade de se explicar aquele sorriso contido (Como é possível diante de tal tragédia?), como sendo consequência de um choque traumático. Tantos anos juntos, mais de um ano preparando o casamento e, de repente, os dois abruptamente fugindo de seu destino.
Armando e Márcia provavam mais vez que os corações humanos escondem segredos que nem o mais habilidoso psicólogo consegue penetrar. Ora bolas, quem consegue entender o ser humano?


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Tuesday, January 9, 2018

Capitu, a cachorrinha carente




Capitu, a cachorrinha carente

Estou dirigindo meu carro pelas ruas de Orlando e escuto a Rádio Bandeirantes local. Ouvir um pouco a voz da terra. Afinal eu ainda sou professor de Português e a gente acaba se esquecendo de palavras, expressões. Não só isso, estão sempre aparecendo novidades na língua. Na minha época de Brasil, por exemplo, não havia “socorrista”, “cadeirante”, por exemplo...
Daí uma apresentadora começa a responder a uma pergunta da ouvinte preocupada com sua cadelinha. Ela quer carinho o dia inteiro. Exige. Eu conheço este problema, pois em casa temos alguns, nem ouso dizer quantos. E eles estão sempre com as patinhas puxando a mão da gente quando o agrado para. A moça da rádio explica que não pode ser assim. Quem tem tempo de ficar o tempo todo fazendo carícias nos “pets”?  Precisa dar alguma atividade para ela, fazer algum exercício, deixá-la cansada. A atitude dela explica-se exatamente por isso, fica sem fazer nada o dia inteiro, só pensa em ser acariciada. Explicação bem equilibrada, profissional. No entanto, o que mais me impressionou, foi o nome da cadelinha. Nada mais, nada menos do que Capitu. Sem dúvida uma das minhas personagens preferidas entre tantas outras com as quais Machado de Assis nos presenteou.
Quase fiquei indignado, mas eu gosto muito de animais e além disso imediatamente achei que havia uma certa lógica. Lembrei-me imediatamente da misteriosa Capitu – a do Dom Casmurro – e me dei conta de que ela, de certa forma, também queria muito carinho. É bem verdade que ela foi além, lembra-se do que foi falado a respeito dela: "olhos de cigana oblíqua e dissimulada"?

Você que leu o livro, sabe. Ela foi muito, muito, além... Ou será que não?

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