Wednesday, July 31, 2013

O Quadrilátero de Klas


O Quadrilátero de Klas


Um monge do Tibet tinha aparecido, sem mais nem menos, numa estrada deserta do Arizona. Não sabia explicar o que tinha acontecido. Piscou os olhos e estava lá, naquele calor desgraçado. A maior parte das pessoas que lia a história, achava que era mentira, coisa inventada. O governo estava em cima daquilo, desmentia tudo mas  sabia que era tudo verdade.
As coisas, porém, foram piorando. Um composição, com todos os vagões, sumiu dos trilhos de uma ferrovia na China. Apareceu em pleno Pantanal  Matogrossense, com todos os passageiros dentro. Chineses de todas as idades, saindo, desesperados, dos vagões. A área foi isolada, a história desmentida. Veículos terrestres e aéreos da Federação Brasileira e mais outros da Liga Latina protegiam uma vasta região em volta do local do incidente. Sinais de comunicação de todos os tipos foram bloqueados. Não queriam que qualquer imagem saísse de lá.
Antes disso, muitas pessoas simplesmente estavam sumindo já há algum tempo. O que havia de diferente, porém, era que elas sumiam na frente de outras pessoas, de repente. E não era só isso. Havia o caso das “duplicatas”. Do nada, uma pessoa se via em frente de outra, exatamente igual a ela. Poucos minutos depois a “cópia” morria. Outras pessoas, viam-se, de repente, “presas” dentro de outros corpos a milhares de quilômetros de distância. Esse último fenômeno durava dois ou três dias e depois se desfazia.
Embora as autoridades negassem, esses estranhos fenômenos começaram a acontecer depois do incidente com o “Quadrilátero de Klas”.  O “Quadrilátero”, simplesmente, como também era chamado, era uma fantástica obra de engenharia espacial. Era uma estrutura baseada em quatro pontos, como atesta o nome, sendo um em Marte, outro na nossa Lua, um terceiro em Urano e um quarto em Júpiter. Em dois dos pontos, Marte e Lua, havia dois gigantescos colisores de partículas, pelo menos 50 vezes maiores do que o famoso LHC, construído na  fronteira da França com a Suíça em 2008. Eles eram ligados por raios Laser, formando o famoso “quadrilátero”. O objetivo era estudar os “campos”  e a Teoria das Cordas, que finalmente foi aceita como a melhor forma para se entender os princípios básicos do Universo. Nem de longe se esperava qualquer resultado ou obtenção de novo conhecimento na questão das 11  “dimensões” previstas na teoria. Entretanto, o impossível aconteceu.
Numa tarde do verão de 2148, no centro de controle do Projeto “Quadrilátero de Klas”, os técnicos estavam dando início a mais uma sessão de experimentos. Os dois colisores e os quatro pontos estavam para ser acionados. Após a contagem regressiva, deu-se o início. Alguns minutos depois, todo o conjunto e mais uma área de cerca de 30 metros ao seu redor, entraram em estranha vibração. Muito baixa, mas constante e firme. Todos sentiram. Depois, uma claridade e uma espécie de explosão. Foi uma explosão muda, silenciosa. Quinze minutos depois todos “acordaram”. Tudo parecia em ordem. Entretanto, havia vários objetos espalhados pelas diversas salas e que não pertenciam ao local.  Maurice imediatamente reconheceu alguns deles. Pertenciam à Estação de Marte e da Lua. Muitos deles, ele havia instalado pessoalmente. Stevenson reconheceu outros, como sendo dos outros dois pontos do “Quadrilátero”. Ele os havia preparado para envio há muitos anos atrás.
Ninguém sabia o que dizer, ninguém sabia explicar. Todas as variáveis foram analisadas pela inteligência do computador central da missão e a única coisa que aparecia como resposta era “paradoxo”.  O fenômeno ficou conhecido como “Fator Hoppa”, do vocábulo sueco para “pular”.
O projeto foi suspenso. sem previsão para reinício, pelo menos oficialmente. Obviamente a conclusão mais óbvia é que todos esses fenômenos, que continuaram a acontecer, em escala cada vez maior por todo o globo, estavam intimamente ligados ao ‘Quadrilátero”. Oficialmente isso foi negado inúmeras vezes. Entre as explicações dadas houve a de “alucinação coletiva”, consequências dos experimentos e estudos avançados sobre  cérebro do Instituto de Moscou e outras bem menos convincentes. O fato era que  o absurdo estava acontecendo, só faltava ficar oficial. Não havia explicação científica, pelo menos uma explicação perto de qualquer coisa plausível.
Homero Duran era um cientista brasileiro de primeira linha. Em 2098, aos 17 anos de idade, saiu diretamemente  do Instituto das Ciências, na Nova São Paulo, diretamente para o antigo MIT, mais tarde batizado com o nome de IIT ou  “International Institute of Technology”, nos Países Confederados da América do Norte. Era especialista em “Quântica Aplicada” e fazia parte da “Comissão Internacional da Nova Ciência”, juntamente com outros dois brasileiros.
O vôo entre São Paulo e Nevada durava apenas uma hora e cinco minutos pelo novo sistema aéreo de propulsão a plasma. A maior parte da viagem eram a decolagem e a aterrisagem. Duran havia saído há apenas dez minutos e já estava em pleno voo. Podia ver pela escotilha a imensidão da Amazônia, protegida e preservada  pela Conferência Internacional de Reservas Naturais, aquele verde imenso, pontilhado cá e lá por uns pontos metálicos. Eram os pontos de inspeção, supostamente discretos e que não deveriam interferir com a pureza da floresta, única grande área ainda preservada no planeta. Duran, junto com mais 67 membros do mundo todo – todos cientistas do Comitê Internacional -   fora convocados às pressas, diante do aumento incontrolável de incidentes relacionados supostamente ao “Fator Hoppa”.
Naquele exato momento, entretanto, refletia sobre outras coisas. Tinha recebido relatórios sobre uma supreendente onda de misticismo que estava se alastrando por todo o planeta. Notícias  sobre o “Fim do Mundo”, “Sinal dos Tempos”, “Julgamento Final”, estavam aparecendo por todo o lugar. Era incrível para ele, que, mais de 100 anos depois que praticamente todas as religiões haviam desaparecido, de repente e com tal fúria, essas crenças “primitivas” ressurgissem. Sem uma explicação científica razoável para os fenômenos que estavam ocorrendo, as pessoas se refugiavam nas mais diversas crenças.
Estava bem no meio desses pensamentos, quando ouviu um zumbido. A unidade aérea em que estava, começou a vibrar, algo completamente inédito. Olhou para fora e, ao invés do verde da floresta e do azul do céu, viu uma intensa luz branca. Ele, os outros passageiros e toda a tripulação perderam a consciência. Nos controles de voos, aquela unidade voadora tinha simplesmente  sumido repentinamente. Os funcionários encarregados do monitoramento de voos das Américas, em cada unidade, olhavam perplexos uns para os outros. Ninguém falava, mas todos estavam pensando no “Fator Hoppa”. Imediatamente tentou-se localizar o aparelho e seus passageiros em alguma parte da Terra. Foi inútil, não havia sinal deles em nenhuma parte. Ninguém duvidava, entretanto,que eles tinham sido vítimas do “Fator Hoppa”.
Não se sabe a respeito dos outros, mas Duran, quando acordou, estava se levantando do chão, ajudado por colegas. Estava muito mais jovem. Era apenas um rapaz. Vestia uma jaqueta com o logo do Instituto de Ciências da Nova São Paulo. Seus colegas, adolescentes também, perguntavam se estava bem. Ainda se lembrou do “Quadrilátero de Klas”, do “Fator Hoppa”, da viagem e dos motivos pelos quais estava voando para Nevada. Mas foi só por alguns segundos. Ele havia “viajado no tempo” e a consciência estava se adaptando para a nova realidade, talvez uma nova dimensão, onde não havia “Quadrilátero de Klas”, nem “Fator Hoppa”. Depois não se lembrou de mais nada a não ser da vida que tivera até agora, nessa nova realidade. O “agora” dele era 2098, um rapaz de 17 anos, brilhante, que estava no último mês de seu curso no Instituto de Ciências e que havia sido convidado para estudar no International Institute of Technology, no próximo ano. Era tudo de que se lembrava. Ele se lembrava só da nova vida. À tarde, passaria pelo Centro Médico do Instituto para fazer um “scan”, pois era a primeira vez que havia desmaiado em sua vida. Mas ele não tinha medo. Era jovem. Confiava nas ciências médicas e na ciência em geral. Sabia que no futuro iria ser um grande cientista, especializado em “Quântica Aplicada”. HHopp


Sunday, July 28, 2013

A revolta das árvores: uma fábula infantil para adultos

A revolta das árvores: uma fábula infantil para adultos


O Manuel  da Lenha sabia que era proibido, mas continuava a fazer aquela coisa vergonhosa. Bem à noite, saía às escondidas, adentrava a mata que havia nos arredores da cidade e cortava umas árvores. Cortava as coitadinhas e as levava para longe, num depósito, para vender. Durante o dia, dormia como um anjo, aquele demônio. Todo mundo sabia disso e era daí que vinha seu nome. Nada podia ser feito, ninguém o pegava em flagrante. Até tentaram, mas ele era muito esperto, além de violento.
As pessoas estavam já se acostumando até que um dia, aconteceu algo que ninguém esperava. Quem pode esperar o absurdo, o sobrenatural? Mas aconteceu, estava lá na frente de todos. Uma  árvore, bonita e frondosa, apareceu bem no meio de uma das principais ruas da pequena cidade. Não pensem que estavá lá colocada, ajeitada no meio da pista. Não, estava plantada mesmo, com raízes e tudo, como se tivesse chegado há muito tempo. Ninguém viu quando e como aconteceu. Não podia ser verdade, mas era. Os carros conseguiam passar, um de cada lado, mas era por pouco.
Claro, os boatos, as opiniões e os comentários se espalharam Alguns achavam que era um milagre,  outros achavam que era uma vingança da floresta contra o Manuel da Lenha, e outros achavam que era um dos sinais do fim do mundo. O prefeito chegou a falar em cortar, ou tentar transferir o ipê, mas todos estavam contra. Ninguém sabia o que era aquilo, era melhor não abusar dessas coisas do além.
Cada vez mais, as pessoas culpavam o Manuel da Lenha. Um monte de gente olhava feio para ele e outros o xingavam nas ruas. Ele começou a se esconder do público e só saía quando era abslutamente necessário. Nem por isso parou de cometer aquele crime contra a natureza.
A recém chegada estava cada vez mais bonita e frondosa. Estava me esquecendo de dizer, ela não estava muito longe da casa do assassino florestal. Sua casa ficava a uns cem metros dali, na mesma rua.
Aí aconteceu de novo. Outra árvore, um pouco menor, apareceu, do mesmo jeito, na mesma pista, uns duzentos metros abaixo. E noutro dia, mais uma, e depois mais outra. Em dez dias, havia mais de 30 árvores na rua, impedindo os carros de saírem das garagens, e principalmente impedindo o pequeno caminhão do Manuel de ir para qualquer lugar.
Agora era óbvio para todos. Aquilo era uma revolta das árvores e a revolta era contra o Manuel da Lenha. Ele mal podia sair à pé de casa, pois o que havia ali era um pequeno bosque.
Pela primeira vez o homem  se apavorou. Não tinha como não se chegar à óbvia conclusão. A coisa era com ele. As árvores estavam tramando algo.
Passou mais três dias completamente recluso, as janelas e as portas fechadas.

Daí, outra coisa aconteceu. Numa bela manhã de sol, assim de repente, as árvores não estavam mais lá. Nem sinal. Não havia buracos no chão, nem um risco no asfalto sequer. Quem também desapareceu, foi o Manuel da Lenha. Deixou tudo para trás, não levou nada e nunca mais foi visto. Isso já faz muito tempo. Há pessoas que dizem que ele nunca saiu de casa. Teria virado nutriente botânico, ali mesmo. As raízes das árvores teriam vindo por baixo, entrado em sua casa e...Mas isto é especulação. Ninguém podia provar, ninguém podia garantir. Mas não sei não...

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Estranhas Histórias
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Monday, July 22, 2013

Tchaikovsky em Perus, São Paulo

Tchaikovsky em Perus, São Paulo

Quando você fica um certo tempo longe de sua terra, as imagens, os aromas, as visões e as lembranças ficam ainda mais vivas. Por isso é que às vezes me lembro do vilarejo onde passei minha infância e dos fatos que lá ocorreram,  com especial intensidade. Perus, norte da Grande São Paulo não era, como agora, um aglomerado de casas e comércio que às vezes se assemelha a secções  de uma grande cidade da Índia. Ao contrário, era uma paisagem quase bucólica há algumas décadas atrás. A estrada de ferro, antes chamada de Santos a Jundiaí, ainda corta o local bem no meio e tem como acompanhante um rio que vai serpenteando a seu lado e, no caminho, acaba dividindo a praça principal bem no meio. O rio e a estrada formam uma espécie de vale cercado de elevações, ou morros, como dizíamos. Na minha infância ainda era tudo muito espalhado, não havia tantas casas assim e elas estavam como que semeadas pelas elevações, enquanto o comércio, os bancos, o cinema e tudo mais, estavam no Centro, em volta à praça. De um lado da mesma, saía uma rua, na verdade uma rampa íngreme, que chamávamos de Morro do Cartório, e que levava a algumas habitações mais para cima , inclusive a casa onde eu morava. O cartório – o Tabelionato Farias, acho – ficava bem no meio desta rua, que subia, subia e continuava subindo. Ao pé da mesma, estava a igreja católica, cuja padroeira era a Santa Rosa de Lima. E antes de continuar a andar pela “cidade”, quero parar um pouco por aí. Era uma igreja como outra qualquer, branca, com uma torre, etc. Deve ter mudado desde então. 
Toda tarde, às seis, algo muito especial acontecia. Nessa época, a esta altura do dia, as pessoas estavam começando a encerrar as atividades, fechar o comércio, ir de volta para casa. Então, com uma pompa e força inusitadas para todos, soava o “Concerto no. 1 para Piano e Orquestra de Tchaikovsky”. O som saía das torres da pequena igreja e ecoava pelas montanhas, pelas ruas, entrava nas casas, ia, ia, para além das fronteiras do nosso bairro. Era vibrante, imponente, poderoso, sensacional. Enchia os ouvidos, o ar e a alma. Se você não conhece esta peça, está intimado a ouvi-la. É incompreensível que um ser humano passe a vida sem tê-la ouvido pelo menos uma vez. É uma peça musical grandiosa, não sei como o compositor conseguiu se inspirar tanto assim...Depois de algum tempo, o som ia diminuindo, sem desaparecer, no entanto. Entrava então  a voz de um locutor, altivo, pomposo: “Ao som deste prefixo musical, vai ao ar o Serviço de Alto-Falantes da Paróquia da Santa Rosa de Lima de Perus”. Não podia haver nada mais solene do que isto. Naquele momento Perus e sua paróquia eram mais importantes que o Vaticano, que Roma, que Aparecida do Norte, Brasília ou Rio de Janeiro. Éramos insuperáveis. Tudo parava por alguns segundos, pelo menos na minha imaginação. Nem sei o que o locutor falava depois. Talvez banalidades, anúncios locais... Não importa. Naquela hora era Tchaikovsky, e  Tchaikovsky  era o papa. Ele nos aproximava de Deus, mais do que qualquer sermão, livro, exortação. Era um momento simplesmente lindo. Um momento mágico, infinito enquanto durava (Vinícius, com licença) .
O locutor era meu irmão. Ele faleceu há algum tempo atrás e entre as inúmeras coisas boas e bonitas de que me recordo a seu respeito, essa foi a mais apropriada que achei para homenageá-lo. Como dizem meus filhos, “era a cara dele”...

Ninguém morre de véspera

Ninguém morre de véspera



A chinesa Ye Mengyuan, de 16 anos, fez um longo voo para chegar aos Estados Unidos e participar de um programa para estudantes, um  “Summer Program”. A garota, certamente inteligente, animada, estava fazendo a viagem de sua vida. Junto com as colegas, estava aqui para descobrir as maravilhas do mundo ocidental. Naquela cabecinha, certamente, fervilhavam mil emoções, mil planos.

Como todos sabem, o voo 214, da Asiana Airlines, não chegou do jeito que devia chegar. Um piloto em treinamento estava fazendo a aterrisagem. Errou a aproximação. Voava em velocidade muito baixa na chegada. Perdeu a cauda na cabeceira da pista, descontrolou-se, pegou fogo. Ela, como as outras, seguiram as instruções de emergência e saíram rapidamente do avião em chamas. Já salvas, esperavam junto à pista pelo resgate. As ambulâncias e caminhões de bombeiros aproximavam-se do local, em meio à confusão. Quis o destino, cruel destino, que um dos caminhões atropelasse a menina, depois de ela ter escapado viva, de maneira espetacular, de um dos mais bizarros acidentes aéreos dos últimos tempos.

Como pode? É justo? Estou tentando entender este destino brincalhão. Depois de conseguir um milagre, deixar que ela morresse assim? Matou os sonhos da menina, os sonhos de seus pais. E tanta gente ruim, que leva tiro e tudo, e não morre!


Pois é, como diz o velho ditado, “ninguém morre de véspera”, mas certamente morre no dia seguinte, principalmente se o dia seguinte é seu dia de morrer.



Sunday, July 21, 2013

Os paralelepípedos do Morro do Cartório

Os paralelepípedos do Morro do Cartório



Era uma rua de paralelepípedos e era dura de subir. Não uma rua. Era uma rampa. Íngreme, longa, cruel. Não era uma opção, era uma necessidade. Uma obrigação.
Era como eu chegava em casa, era a ladeira da minha casa. Quando subia, olhava para baixo. Olhar para cima, desanimava. Ver o que faltava para subir era muito desalentador. Isso mesmo, causava dor antecipada. Olhando para o chão, eu me distraía com as pedras, paralelepípedos, que nada mais são que pedras paralelas. Pedras, umas atrás das outras, cortadas em forma de retângulos, paralelos, par a par uns com outros,  pares, iguais, num infernal repetir.
Fechava os olhos, às vezes, e dava uns passos mais longos. Era para me enganar, fingir que ainda faltava muito, para eu mesmo me surpreender. Pensar que estava mais atrás, estando, de verdade mais na frente. Paralelepípedos. Ilusão, paralela ilusão.
Chegava, então, o Cartório do “seu” Ernesto. Tabelião, tabelionato, reconhecimento de firmas, escrituras com assinaturas que são reconhecidamente dos assinantes. Casórios, matrimônios. Gente se comprometendo sem saber se podia se comprometer. Sonhos de verdade, ilusões. Nascimentos. Registros. Menino lindo, é a cara do pai. Da mãe, também. Sorriso do avô. Às vezes, o seu Ernesto estava lá, com seus supensórios, a olhar quem subia o morro, pisando os paralelepípedos, que, insistentemente, insistiam em quadricular a visão.Visão da vida. Qual seria a visão de vida do “seu” Ernesto? Difícil saber.
Será que é por isso que inventaram a expressão “chorar na rampa”? Chorar eu não chorava, mas suava e suspirava. Quando eu via o “seu” Ernesto, era porque já tinha ido um terço do caminho. Da rampa. Era bom, mas ainda havia muitos paralelepípedos para pisar. Daí pensava nos Carpenters. Cantarolava uma música, mas eu não sabia Inglês. Cantarolava os Beatles mas não sabia a letra. Mas era bonito, distraía. Distraía daqueles paralelepípedos sem fim.  Que não paravam de se suceder numa sucessão racional, irracional. Do lado esquerdo, aquele casarão. Do “seu” Jamil e da “dona” Rosa. Depois a casa do dentista. Homem bom. Era ele que cuidava dos meus pobres dentes. Gente especial, de valor.
Ah, se eu soubesse, que ali era também a casa do irmão do meu futuro amor. Como poderia saber? Mas acho que eu sabia, bem lá no fundo da alma. Como poderia? Não sei. Loiros cabelos, olhos com cores mil, uma blusa branca, de gola alta. Um sorriso. O sorriso.
A segunda parte ia terminando. Já não aguentava mais. Tantos paralelepípedos.  Pípedos, Lelos, quem inventou esta combinação, essa composição, essa paralela complicação?
A terceira parte não era mais uma rampa, era uma vertical. Apontava para o céu. E ali o morro se bifurcava. A esquerda, suave,  se aquietava e ia mansa até o correio. A direita era a minha, a rampa vertical. Já não via mais nada, fechava os olhos procurando chegar. Havia o muro, o longo muro da direita, que parecia não ter mais fim. À esquerda, o casarão do meu amigo da loteria. Esperança de uma vida melhor. Não era um subir, era escalar.
Enfim, chegava o final do morro. O morro do Cartório. Das  escrituras, das assinaturas e de outras coisas que nem sei. Uma pequena reta à direita, mais uma subidinha e lá estava a casa construída pelo senhor Bonifácio. A minha casa. Que alívio. Mais um pouco, se quisesse,   eu chegaria na Igreja de São Jorge. São Jorge, o Jorge do Morro de São Jorge. Quem demitiu o santo? Por quê?
Um dia não precisei mais contar os paralelepípedos, os dias. Passei a morar numa reta, gostosa de se chegar. Ainda assim tenho saudades. Dos paralelepípedos, cuidadosamente, paralelos, assentados na ladeira sem fim. Projeto de vida. Visão de vida.

Mal sabia que pedras duras, duros paralelepípedos, iria  encontrá-los sempre, pela vida afora. Pedras de dentro, pedras de fora, duras, granito de lei. Pedras no caminho, pedras no corpo, na alma pedras também. A existência é um caminho de pedras. São paralelepídos com outras formas, colocados em desigual disposição. Mas são elas mesmas, as mesmas  pedras duras da vida, as pedras de antes, que continuam agora e para sempre,  pavimentando a rampa, perpetuando a ladeira sem fim...




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Thursday, July 18, 2013

Snowden, não sei se eu teria coragem



Snowden, não sei se eu teria coragem



Ouviu o que não era para ouvir. Leu o que não era para ser lido. Descobriu o que não era para ser descoberto. Divulgou o que não era para ser divulgado. Mexeu com quem não era para mexer. Agora está num aeroporto que não é para se estar.
Não tem para onde ir. Para onde pode ir, não tem como ir. Para onde queria ser convidado, não foi.  Não fica, não vai, não pode ficar. Muita gente te quer para heroi, muita gente te quer para processar, muita gente não sabe o que pensar. Para uns, heroi dos tempos modernos, para outros, alguns poucos,traidor  interesseiro e abominável.
Da próxima vez, programa melhor o que vai fazer, Snowden. Você trabalhava para a CIA, não pode dizer que não sabia.
Nem sei se queria saber tudo o que você sabia e que vazou. Saber demais, tal qual viver, é perigoso. Revelar tudo o que você revelou, bota perigo aí. Sou teu amigo, mas não conta para ninguém, não é coisa para se divulgar.
Uma coisa é certa, que você tem peito, você tem.
Vou dar um bom conselho. Dá um jeito de chegar no Paraguai. Pode ser na Bolívia também. Depois, atravessa a fronteira, vai pegando carona até chegar em Quixeramobim. Lá, você fala que seu nome é “Gringo”.  Não sei se tem internet, mas se tiver, não usa não. Fica, quietinho, quietinho. Quem sabe a gente consegue um RG ou um CPF de alguém que já morreu? Não quero exagerar, mas quem sabe um CPF com pensão e benefícios? Prometo que não vou vazar para ninguém. Um dia, quando o Assange conseguir sair da embaixada, ele vai te visitar, pode se assegurar. Não existe lugar mais seguro no mundo, posso garantir. Lá, ninguém vai te achar.
Eu sei o que você está pensando. Como fazer para sair do aeroporto de Moscou? Bom, essa parte eu não sei não...

Sunday, July 14, 2013

Oandlig


Oandlig




Meu nome é… Para dizer a verdade, não tenho nome. Não sou daqui, não tenho corpo, mas não sou espírito também. Existo, porém. Não que seja difícil explicar, isso eu sei como fazer, e como sei. O problema é você entender. Alguma coisa eu posso explicar, outras nem vai adiantar, pois você não tem referência, vai ser completamente impossível você sequer chegar perto de um entendimento. Além de tudo, se você endendesse, não acreditaria. Se eu estivesse no seu lugar, no seu tempo, com suas características, eu também não acreditaria.
Em todo caso, algumas coisas, você pode saber. Por exemplo, eu sou do futuro, mas não do jeito que você está pensando. O que quero dizer, estou a mais de 300.000 anos daqui. Mas seu agora é meu agora. Existem características sobre a maneira como você conta o tempo, que faz com que seja difícil você me acompanhar. Existe algo mais. Nem quando a sua espécie alcançar a mesma idade da nossa, ainda assim ela não vai ser igual  à nossa. Vocês são, como por assim dizer, de outra dimensão. O fato é que nós podemos visitar vocês, mas você nunca vão conseguir nos visitar. Nós somos muito, muito, diferentes. Você precisaria estar numa outra dimensão e, além disso, estar  uns 300.000 anos no futuro. É difícil qualquer forma de comparação. No entanto, estou aqui falando com você. Não sou eu mesmo, mas isso você também não entenderia.
O que vou dizer agora, vai parecer estranho. Estou aqui, como se stivesse retido por um tempo, por causa de um defeito. Eu sei que alguém tão adiantado como nós, não deveria ter defeitos. Mas o defeito não foi nosso, foi de vocês. Isso, também, você não entenderia, eu sei. Por falar nisso, há muitos de nós por aqui. Muitos mesmo. Vocês não nos vêem, não nos sentem. Mas nós podemos não só ver vocês, como também sentir, saber o que vocês estão pensando, podemos saber tudo. Meus iguais vão e vêm. É como se estivéssemos estudando vocês. Quando queremos, “entramos” em vocês, para saber de outras coisas. Como se fosse “conhecer vocês por dentro”, acho que você me entende. Não podemos ficar fazendo isso o tempo todo, por causa do problema das “dimensões”.
Quando entrei nesse alguém, senti que poderia haver problemas. Ele é humano, sim, mas havia um problema com ele. Fiquei “preso” dentro dele, por assim dizer. Eu vou conseguir sair, é algo provisório. Por falar nisso, nós não morremos. Quero dizer, é como se não tivéssemos tempo, como se só houvesse o que vocês chamam de “presente”. Por isso, não tenho pressa de sair. O que eu preciso é encontrar alguém como ele, como a pessoa que estou habitando. Só daí posso fazer uma espécie de conexão, e me libertar do corpo que habito agora.
Eu queria explicar muito mais para você, mas é absolutamente inútil. Nem que você estivesse a centenas de milhares de anos na frente, ainda haveria o problema das dimensões. Nós, antes também não conseguíamos transitar entre elas. Nós sabemos, entretanto que vocês nunca conseguirão. É uma questão de “essência”. Nem sei por que estou falando com você. Saber eu sei. Talvez você aprenda algo mais. Talvez você aprenda que niguém sabe nada. Para você ter uma ideia, nem nós sabemos tudo. Estamos longe disso. A diferença é que nós sabemos o que sabemos e o que nunca saberemos. E o que sabemos é muito, é fácil para você ter uma ideia. E sabe de uma coisa? O que não sabemos ainda é muito mais. Muito mais... Se você quiser me chamar por um nome, pode me chamar de Oandlig. É uma palavra de um lugar aí de vocês, chamado Suécia. É o que mais chega perto do que eu sou.

Isso mesmo, pode me chamar de Oandlig.

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