Sunday, November 30, 2014

O violão

O violão



Não sei por que o Beto me colocou ali, desajeitado, em cima de uma caixa no banco de trás do carro. Ele é distraído, eu sei. Mas precisava deixar o vidro aberto? Ele sabe que eu  não posso  fazer nada e não é só por que tenho um só braço. É mais complicado do que isso, você vai ver.
O Beto gosta muito de música. Entretanto, não tenho tanta certeza se ele gosta da vida. Estou dizendo isso por causa do jeito que ele dirige. Hoje, por exemplo, não tem nada para fazer, e mesmo assim, está correndo como louco por essas ruas. Faz curva fechada, nem diminui a velocidade. Qualquer hora...
Eu não falei? Eu fui atirado para fora do carro na última esquina. Ele nem percebeu, continuou acelerado. Não foi nada fácil, aterrizar, assim, direto no asfalto. Tenho certeza de que alguma coisa está quebrada. Eu não posso me mexer e este monte de carro, passando, tentando se desviar de mim...Ai, esse me pegou, pegou meu braço. Agora sei que não vou tocar mais. A não ser que me “consertem”, mas vai ser uma reforma e tanto, não sei se vale a pena. Justo agora que o Beto e eu estávamos acertando bem as notas. O samba já estava saindo bem há muito tempo. Ultimamente estávamos tentando o chorinho e não é que estava dando certo? Agora, não vai ter nem choro nem vela, com minha mão massacrada e este meu único braço inútil. Será que agora, pelo menos, o Beto se deu conta de que eu caí do carro? Também não adianta mais... Começou a chover. Agora sim é que as coisas vão piorar. Não vai ter conserto.
Espera aí, vem vindo um mendigo aí. Não vai adiantar muito, pois tenho certeza de que ele não sabe música. Mas quem sabe ele me pega e me leva para alguém, que me conserte, quem sabe? Ele me olha, balança a cabeça e vai embora. Nem ele se interessou. Devo estar mesmo todo quebrado.
É definitivo. Minha carreira de violão, acho que terminou. As cordas estão soltas, minha madeira já está até inchada de tanta água. Nem milagre...Será que pelo menos o Beto vai sentir falta de mim, seu violão, quando chegar em casa?

Se ele fosse compositor, poderia, ao menos, fazer um samba para mim. “Onde está meu violão, coitado está na solidão, perdido na noite escura, na rua da amargura”. Não está bom, só tem rima, não tem emoção. O Beto não sabe compor mesmo, ele não ia fazer nada. Mas acho que triste ele vai ficar...Quem canta comigo, canta o meu refrão, meu melhor amigo é meu violão.” Seria bonito se o Beto cantasse igual ao Chico. Mas não sei não, esse Beto é muito distraído...



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Paralelo 38 e outras histórias
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Saturday, November 29, 2014

A Manuela desapareceu


A Manuela desapareceu

Não sei se você conhece alguma Manuela. Bom, espero que as Manuelas não se ofendam mas eu tinha uma máquina de escrever que se chamava Manuela. Faz muito tempo e ela já morreu. Talvez por causa das lembranças que ela me traz foi que eu fiquei emocionado quando conheci mais uma Manuela. E por essa eu não esperava. Estava lendo umas notícias quando ela apareceu. Ela é do Rio e ficou desaparecida por 30 anos. Entretanto ela estava ali, ao lado da família, e ninguém percebeu. Crueldade. Nem sequer puseram uma nota de “desaparecida” no jornal. Pior que isso, quase ela foi para o lixo.  A família estava arrumando a casa, colocando tudo em sacos plásticos. Se o vizinho não visse, ela teria ido embora no caminhão.
A essa altura, mesmo que você não tenha visto ou ouvido a notícia, já deve estar desconfiado que a Manuela não é uma pessoa. Verdade, mas é quase. É um jabuti. A coitadinha ficou lá perdida num monte de coisas velhas por 30 anos, num quarto. Pode?
Isso dá o que pensar. Que resistência, que paciência. Escutando a vida lá fora sem poder sair. Enchendo-se de esperança todos os dias, achando que talvez a pudessem descobrir e, então, como num milagre, transformar-se no mascote da casa, com “status”, quem sabe, até de um cachorro. Deve ter ouvido brigas, pequenas e grandes, através desses anos e através das paredes. Deve ter ouvido desabafos, reclamações e até choro. Talvez gritinhos de alegria, lamentações e, por que não, suspiros de amor? E ela lá, sem ninguém saber de sua existência. Que dureza!
E nós, humanos, precisamos aprender pelo menos algumas coisas com ela. Paciência, é claro. Persistência, também. Perseverança. Disciplina. Nossa, quanta coisa ela pode nos ensinar. Mas a coisa mais importante foi a fé. Eu tenho certeza de que a coitadinha teve muita fé. Até na hora em que estava a alguns minutos de ser lançada, descuidadamente, brutalmente, no caminhão. Salva no último momento. É muita fé, meus irmãos, mais do que qualquer um de nós.  Ela nunca desistiu. Existe gente falando que a notícia é falsa, porque ninguém explica o que ela comeu nesses anos todos...Não estou falando que essa gente não tem fé?
Por outro lado, fico pensando...Será que ela não está pensando agora... Que azar, estava tão bem lá, sozinha, sem perturbação. Uma paz! Agora esse povo todo em volta de mim, falando, comendo, gritando, brigando, assistindo tevê. Povo agitado, meu Deus! Que saudades do meu cantinho, da minha paz.
Nunca se sabe...

A notícia

Mais uma


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Friday, November 28, 2014

Um lugar chamado "Muitoalém"



Um lugar chamado "Muitoalém"
Batendo o pé, emburrado, o moleque saiu de casa como se fosse embora. Parou, porém, e sentou-se na calçada. Era um mundo muito injusto. Só levava bronca. Nem tinha lição de casa, mas mesmo assim levou uns gritos porque estava brincando. As lágrimas, grossas, rolavam pelo rosto. Levou um susto quando alguém puxou conversa:
-Vida dura, hein, campeão?
Ele não respondeu para o interlocutor, um homem de cerca de 30 anos, magro, alto e que estava ali, bem na sua frente, com uma mochila nas costas. Não parecia um doutor mas também não levava jeito de mendigo. Ele insistiu:
-Ei, campeão, posso tomar um pouco de água ali na sua torneira?
Ainda soluçando, o menino fez que sim com a cabeça.
Após tomar uns goles, o estranho aproximou-se e agachou-se a seu lado:
-E aí, me conta, o que aconteceu? Por que você está chorando?
Aos soluços, ele explicou que sua mãe tinha tirado seu brinquedo e disse que ele tinha de fazer a lição, mas ele não tinha lição para fazer. Ele explicou, mas mesmo assim, levou um tapa no bumbum.
-É assim mesmo, gente adulta não consegue entender o que as crianças explicam. Existem coisas que eles não conseguem entender mesmo. Mas existe um lugar onde tudo é diferente, onde não há bronca, nem lição de casa não existe.
Diante do olhar interessado do garoto, que agora já soluçava bem menos, o rapaz continuou:
-Imagine só, nesse lugar que te falei, é tudo diferente. Diferente mesmo. Lá os adultos nunca dão bronca. Para dizer a verdade, as crianças e os adultos são uma coisa só. Todos são crianças e todos são adultos. Como eles vão ralhar um com o outro? Não dá...E tem mais...
Fez uma pausa para ver se o pequeno ouvinte ainda estava interessado e continuou:
-Sabe quantos dias tem a semana lá? São dez dias ao invés de sete. E você vai à escola só em três. Os outros sete são só para brincar e conhecer novos amigos. Claro, não tem lição de casa. Os nomes dos dias são todos diferentes. Um deles se chama “Felicidade”, o outro, “Alegria”, e assim por diante...Nada de segunda ou terça.
O menino estava com os olhos bem abertos e parecia acreditar na história.
-Mas o mais bonito de tudo é à noite. Você não vai acreditar. Tem duas luas no céu. Uma é igual à nossa e a outra...está pronto para o que vou contar?
O menino abriu uns olhos enormes, cheios de luz, e balançou a cabeça.
-A outra lua é três vezes maior e é azul. Um azul bonito, forte. E essa luz azul ilumina todas as coisas e tudo fica mais bonito. E é por isso que as crianças podem dormir mais tarde. Para poder ver as duas lá no céu. Às vezes elas ficam bem perto uma da outra. E aí é mais bonito ainda. Sabe por quê? Porque, daí, a luz azul da grande ilumina a outra lua e as duas ficam azuis. Você precisa ver...
- Eu sei que você quer saber o nome desse lugar. Ele se chama “Muitoalém”. E toda vez que você estiver triste ou tiver um problema, você de tem que fechar os olhos e pensar no “Muitoalém”. Pense na grande  “Lua Azul”, espere um pouco e, quando você abrir os olhos, o problema se foi. Promete que vai fazer isso?
O garoto fez que sim. O rapaz passou a mão pela sua cabeça e partiu fazendo um gesto de “adeus”.
Ele nunca mais se esqueceu da história.

Agora ele já tem cinquenta anos, é casado e tem filhos. Mesmo assim, quando existe algo atrapalhado em sua vida, para, senta-se em algum lugar, fecha os olhos e pensa em “Muitoalém”. Daí ele vê aquela imensa Lua Azul... Acaba sempre ficando bem calmo e achando uma solução. Uma solução muito além do convencional, do comum, do ordinário...

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Thursday, November 27, 2014

Ser feliz


Ser feliz

Ser feliz é uma arte por bem poucos administrada. Antes de mais nada, você precisa saber quem você é, quais são os segredos de sua alma. Despojar-se do que é supérfluo, do que é acidental. Rejeitar o que os outros pensam que é bom para você, descobrir o que realmente motiva sua vida. Depois, você pode partir para a grande jornada: ir atrás dos próprios sonhos. Esta, porém, não é uma fácil empreitada. Mente para você quem diz que é tudo simples, que basta seguir o coração. A felicidade de outras pessoas pode depender de você e a sua pode depender de outros. Existe uma linha tênue, tênue mesmo, que está entre o que você deseja e o que deseja a pessoa que você ama. Existe um equilíbrio, quase impossível, entre o que é amar e o que é ser amado. Existe uma proporção, uma fórmula, muitas vezes difícil de se alcançar, entre a razão e o coração. Entre o coração e alma.
O mais complicado de tudo e que poucos entendem, é que para ser realmente feliz, é necessário um pouco de infelicidade também. Senão, como você vai apreciá-la? Mas o melhor conselho mesmo, é o que eu vou dar agora. Não vá por mim, provavelmente eu não entendo nada. Cada um sabe melhor o que é bom para si mesmo...

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Monday, November 24, 2014

Drones, “quadcopters” e cultura nacional

Drones, “quadcopters” e cultura nacional



Os EUA começaram, há um bom tempo atrás, a usar drones para assassinar terroristas. Lá de longe, a milhares de quilômetros, os “pilotos” miram nos inimigos e os aniquilam. O risco para os atiradores é zero. Estão confortavelmente sentados em salas de Nevada ou no Arizona, como se estivessem jogando vídeogame. O campo de batalha pode ser no Afeganistão, no Iémen, em qualquer lugar. É claro que existem as vítimas colaterais, mas sempre foi assim na história do mundo, não foi?
Aquele antigo conceito, de que épocas de guerras são excelentes para se desenvolverem novas tecnologias, é bem verdade, está provado. No fim, entretanto, tudo acaba virando dinheiro. É por isso que agora os drones começaram a se espalhar para outros usos mais cotidianos e menos bélicos. Estão falando em usá-los para examinar áreas rurais, grandes construções, jornalismo e uma série enorme de outras coisas. Claro que, nesse caso, não precisamos daqueles enormes que carregam armas. Eles precisam apenas da força suficiente para carregar pequenas encomendas e, principalmente, câmeras. Já dá para imaginar a confusão que está para chegar. Mulheres famosas e outras não tanto, sendo fotografadas, em suas formas naturais, à revelia (ou não). Homens famosos em seus afazeres diários sendo bisbilhotados.
Esses drones mais leves e com várias hélices, são chamados de “quadcopters” e já dá para ver um futuro econômico brilhante para eles.
Com um pouco de cinismo, porém, pode-se ver também um outro porvir. Nos EUA, quem garante que não vamos ter, logo, logo, um tiroteio, daqueles estilo “faroeste moderno” entre “quadcopters”? Não duvide, não. E, na nossa pátria amada, quem duvida que um espetacular assalto a “asas armadas” não ocorra em breve?
Isso é a tecnologia se adaptando à cultura ou vice-versa.


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Paralelo 38 e outras histórias
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Friday, November 21, 2014

O das trevas, o tinhoso


O das trevas, o tinhoso

O tinhoso é cheio de artimanhas, cheio de história mal contada. Assim ele estava fazendo com o Timbé. Timbé já tinha sido da luz, mas já fazia muito tempo. Daí seu pensamento virou do avesso e ele mergulhou na escuridão. Depois ficou assim-assim com o canhoto, com o sujo. Conversavam até, tal qual um camarada conversa com outro. Ultimamente estavam cheios de fazer acordos. Trocar mentiras.
Assim foi que o capeta chamou o Timbé de lado e confidenciou umas coisas daquelas que não se falam em voz alta. Era uma experiência de três etapas. Coisa do demo, mesmo. Ele é cheio de numerologia, cheio de símbolos enganosos, que é para atrair os incautos. Esse coisa a toa, o da escuridão, é realmente uma coisa a toa, se é que você me entende. Flor que não se cheira. O Timbé, você sabe, já estava bem lá no fundo do poço, nem mais discutia, nem mais negociava. Caía direitinho, toda vez, no ardil do maldito. Toda vez. Não aprendia nunca, não adiantava. Já começou com essa história de três etapas. Três etapas nada, o que ele queria eram três pessoas mesmo. Pessoas já na meia escuridão, tal qual o Timbé, embora esse já tinha passado mais da metade. Coitado do Timbé, dá até dó quando a gente pensa que uma vez ele até via luz. Não mais. Agora só aquelas sombras escuras que vêm do outro lado, do lado para onde ninguém quer ir, o lado do engano, o lado negativo, a casa do medo.
O safado sabia muito bem que o Timbé era cheio de conhecer gente de meia escuridão. Gente que está com um pé aqui e outro lá. Gente que não decidiu. Gente que sabe que existe o bem mas não tem força de resistir aos enganos do que vem da noite, da morte, das profundas. O Timbé conhecia muita gente assim, e cada vez conhecia mais. É sabido que o excomungado não tem parada, quer sempre mais. Ele queria mais Timbés, porque Timbé é bom de enganar e bom de se enganar. Arrumar três pessoas era uma moleza para o Timbé. E num instante ele arrumou.
A serpente detalhou para Timbé as entrelinhas do acordo. Manhosa, ela escondeu o que tinha de esconder e mostrou o que era para ser mostrado. Parecia coisa vantajosa para o Timbé. As coisas da cobra nojenta são sempre assim. Lustrosas por fora, repugnantes por dentro. As três pessoas, amigas de Timbé, tinham de passar por uma tentação. Dos sete pecados capitais, o demo ia usar só três. Para que mais?  E a escolha dele foram a inveja, a luxúria e a ira. Os outros vícios iam ficar para depois, ocasião não ia faltar. Para cada amigo do Timbé, uma tentação, um pecado. Se eles caíssem, como a Eva caiu, iam para as trevas, para as chamas do inferno tenebroso. Se conseguissem sair ilesos, ficavam por aqui para enfrentar outras tentações no futuro. É assim esse mundo, desde que foi criado, quando aquela mulher virou a cabeça do Adão. Se a maioria dos três, dois ou mais, caísse na tentação, era vitória do Timbé. Um cordão, grande, bonito, de ouro verdadeiro, ele ia ganhar. Botar no pescoço e se exibir. Ele ganhava, mas o tinhoso ganhava também: mais incautos nas labaredas. O demo sempre ganha, sempre leva vantagem. Mas nisso o Timbé não pensava, a única coisa que ele tinha na cabeça era aquela coisa dourada no pescoço, ofuscando as trevas de seu coração. Alma perdida não tem jeito, não há o que fazer. É um vício. O consolo é que nem dá para piorar. Ou dá?
Era um por semana, de acordo com o manda-chuva, o da escuridão. O primeiro, passou pela luxúria. Uma mulher ardente, esposa de um amigo, esperava por ele no motel. Adultério. E o Timbé ainda falou para ele: “Não dá para aguentar não. Aquela mulher é quente, é um trovão e ela te quer”. Como se precisasse. Ele já estava vencido e seduzido antes de começar. Mulher era coisa que ele não deixava de lado. Mulher de amigo, ao invés de ser homem, como dizem verdadeiros amigos, para ele era mais tentação. E foi. E foi pecar. Estava até suando, pensando nas partes deliciosas daquela mulher. Nas partes íntimas, deliciosas da mulher de seu melhor amigo. Cara safado. O tinhoso nem deu o gosto dele pecar de vez. Fez acontecer um desastre com um bêbado na direção a caminho da casa, da alcova. Os dois morreram: o pecador e o outro motorista.  Nem se deliciou com o prazer da luxúria. Para as leis do do além, porém, ele já tinha pecado. Um ponto para o Timbé. O primeiro dos três no cemitério, o primeiro dos três nas profundezas do inferno.
O segundo tinha de passar pela inveja. O primo dele tinha conseguido ficar com uma boa parte da herança que seus pais tinham deixado. Coisas de família, eles tinham seus motivos. Estava se comendo de inveja. Ardia por dentro. No entanto, tinha tanta gente rezando e orando para acalmá-lo, que ele se segurou. Um caso raro. Valeu a oração. O Timbé não marcou o segundo ponto, esse amigo não morreu, resistiu à tentação. O cordão de ouro não estava mais garantido. Ainda não era dele.
E agora vinha a ira. O amigo de Timbé, escolhido para o terceiro teste, estava furioso. Estava armado e estava se dirigindo, a pé, na direção do objetivo de sua ira: a esposa que o traíra. Subiu as escadas e estava pronto para entrar no covil da traição. Abriu a porta e, antes que pudesse matar os dois, a mulher e o amante, levou um tiro desse último. Morreu na hora e já caiu direto nas profundas. A mesma lei da intenção, uma lei do outro mundo. É o que vale, a intenção. Na cabeça, ele já tinha matado, já tinha pecado. Mas não matou não, morreu. O Timbé tinha desempatado e a única coisa em que ele pensava agora, era sua peça de ouro. Dois a um. Números certos, não tinha como o excomungado inventar história. Matemática fria. Nos arranjos que tinha feito com o tinhoso, o “prêmio” ia ser entregue na próxima sexta-feira. De madrugada. O sem-vergonha gosta da escuridão da noite, gosta da sexta.
Antes, Timbé, que já tinha ido no enterro do primeiro amigo, agora teve de ir para o segundo enterro. Todo mundo estava chorando. Ele tentou fingir umas lágrimas, mas seu coração estava muito seco. Há muito tempo estava assim. Contorceu a cara na tentativa, mas nada saiu. Fingimento faz parte desse palco da maldade e ele só fez seu ato.
Chegou finalmente a sexta. Ele foi se deitar, o Timbé. Sabia que o rabudo não ia falhar. Não era coisa que ele fazia. Sua joia estava garantida. Dormiu. Não posso dizer que dormiu como um anjo, devido a sua parceria permanente e segura com o tinhoso. Nem como força de expressão, ficaria bem. Não se sabe há quanto tempo estava dormindo, quando, de repente, acordou. Logo sentiu que estava muito abafado. Muito calor. Tentou se mexer e viu que não podia. Estava num caixão de madeira. Trancado, bloqueado. Claustrofóbico. Dava até para ver uma pequena linha de luz na parte de cima. Uma fresta. Pensou “Que diabos?”, o que era apropriado nas circunstâncias. Tentou entender. Obviamente o das trevas estava aprontando mais uma das suas. E o cordão de ouro? Iria ele cumprir sua promessa? Ele estava tão de intimidades com o tinhoso que ele respondeu à sua pergunta pelo pensamento. Isso mesmo, eles “estavam ali, um com o outro”. De telepatia e tudo. Foi então que entendeu que o “prêmio” ia ser entregue sim, mas a cerimônia ia ser lá embaixo, nas cavernas de fogo, de onde nunca mais ele poderia sair. Pensou em reclamar, mas sabia que com o mofento não ia ter jeito. Safado. Era mais uma artimanha. Ia dar um grito, mas o demo deu um berro antes. Uma gargalhada. Deve ter ecoado até nos quintos. Daí escutou o barulho de terra caindo sobre o caixão. E mais, e mais, até ficar um silêncio tal que nem o tinhoso se ouvia.  Em questão de segundos iria parar de respirar. Poderia, então, pegar a sua joia de ouro lá no inferno, mas ia estar tão quente, tão quente, que daria para furar suas mãos, se tentasse. Esse bode preto, esse capeta, esse das trevas, não tem jeito. É cheio de enganos, é cheio de manhas. Cheio de histórias mal contadas. O Timbé foi enterrado vivo. Tinha ficado lá em cima, na terra dos homens, um de aprendiz para tomar seu lugar. O Timbé já estava garantido lá embaixo nas profundezas. O coisa-ruim não quis arriscar. De repente uma reza brava em cima dele e ele resolve voltar para a luz? Pode, não. Tinha de garantir o Timbé lá embaixo. Mortinho, com um cordão de ouro queimando no pescoço. Não é mesmo cheio de histórias esse tinhoso? Cheio de histórias mal contadas. É o que sempre falo, esse medonho não tem jeito, não... Não dá para confiar.


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Estranhas Histórias
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Wednesday, November 19, 2014

PONTO

PONTO



As palavras são sofisticadas, todas elas. São sutis, escorregadias, suaves e fortes ao mesmo tempo. Às vezes significam o que não parecem significar, às vezes não significam o que deveriam ou poderiam.
 A palavra “ponto”, por exemplo. Pode haver vocábulo mais simples do que este? Ainda assim há muitos pontos a serem considerados, senão vejamos.  Para você chegar ao ponto de entender tudo que “ponto” pode significar, temos de ir ponto a ponto. Para a vovó, que está junto à janela, uma coisa importante é o ponto de tricô. Para seu neto, que saiu para trabalhar de manhã, o mais importante é bater o ponto, assim que chegar. Antes disso, você sabe, ele precisou pegar o ônibus num ponto e descer noutro. No caso dele, que trabalha com vendas, muito importante, também, é o ponto de venda. Se elas aumentarem, ele vai conseguir uns bons pontos com seu patrão.
Depois do trabalho, esforçado como é, ele vai à escola, e isso é, sem dúvida, um ponto importante a ser considerado em sua carreira. Principalmente, porque, durante as aulas, há muitos outros pontos. O professor de Português fala sempre do ponto de interrogação e de exclamação. Já para o professor de Química, os pontos importantes são o de ebulição e o ponto de congelamento. E, se o aluno entender tudo, vai ganhar importantes pontos na avaliação. Se ele entendeu mesmo a lição, é um ponto a ser esclarecido. Vamos saber exatamente se ele, o aluno,  está no ponto, só no dia das provas. Precisamos ver quantos pontos ele consegue.
Existem outros pontos interessantes a serem considerados, inclusive o ponto de teatro, do qual ninguém fala mais, mas antigamente era um ponto muito importante.
Se formos traduzir para o Inglês, então, vai ser mais um ponto difícil de ser esclarecido. Às vezes o nosso ponto se traduz por “dot”, outras por “point”, sem contar “period” e “spot”...Vai ser “stop”, em Inglês, se  for o ponto de ônibus. É melhor vermos este assunto só do ponto de vista lusitano, se não quisermos ir além de um ponto razoável.
Poderíamos ainda falar sobre o ponto G, mas, segundo meu ponto de vista, é melhor por um ponto por aqui, pois não sei a que ponto vamos chegar, falando de pontos como esse. Isso mesmo, precisamos de um ponto de equilíbrio. Mas agora não é um ponto qualquer, agora é um ponto final.



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Paralelo 38 e outras histórias
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Tuesday, November 18, 2014

Idade Média do Futuro

Idade Média do Futuro



Os padrões estão ruindo. Os modelos estão se desfazendo. As antigas referências mudam a cada instante. As novas ainda não se definiram. Há áreas contraditórias, quase todas. O norte está mudando. O sul ainda está hesitante. Novos horizontes se formam, mas ainda não estão garantidos. Novas alianças se combinam  enquanto as antigas ainda tentam resistir. Os sábios se calam e os novos gênios falam coisas que ainda não se entendem.
Não existe mais branco e preto. É tudo um cinza claro, com cores hesitantes surgindo e sumindo cá e lá. Zona indefinida. Objetivo incerto. Zona de acerto, ainda cheia de desacertos.
Perdemos já nossa alma, mas o espírito cibernético ainda não chegou. Alguns estão lá na frente, mal  podem ser vistos.  Outros estão lá atrás e quase não se veem mais.
Época de confusão espiritual, apesar de os espíritos não estarem mais aqui. Época de certeza científica embora não se possa provar. Seríamos uma Idade Média de um futuro distante?
Ainda assim, a Religião professa sua certeza e a Ciência confessa seu talvez.
Uma época difícil de se entender, de se viver.
Talvez, daqui a algum tempo, consigamos enxergar o outro lado. Talvez o outro lado seja bom. Esperemos. É tudo que se pode fazer, esperar.



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Monday, November 17, 2014

Una questão de percepção

Percepção



Quem já não ouviu falar que não importam as coisas que acontecem? O que importa é como nós e as outras pessoas as veem. Em outras palavras, o que importa não é a realidade, mas sim a percepção que temos dela. Mais ainda, a percepção que cada um tem da realidade é diferente dos outros. É verdade também que os grandes líderes, na arte, na política, e em outras campos, às vezes têm tanta força que nos impõem a sua própria maneira de ver o mundo. Às vezes de um ângulo bom, às vezes de seu próprio e mesquinho ângulo de interesse. Por isso é que dizem também que a história é contada de acordo com os vencedores. Nesse caso, o que vale é a sua percepção e não a dos derrotados.
Isso significa que a percepção que temos de tudo não é a realidade. É a concepção, a criação que fizemos a partir da mesma, segundo nosso visão de mundo, segundo o que nós somos.
Mas agora fica a dúvida. E o que realmente aconteceu, para que serve? Uma dúvida maior ainda: será que a realidade mesmo, aquilo que aconteceu, será que aconteceu mesmo? Será que existe mesmo uma realidade? E se tudo que está à nossa volta não é uma grande obra de ficção? E, nesse caso, o autor dessa obra, será que está rindo desses personagens, desvairados, descuidados, perdidos entre a ficção, que para eles é a realidade e a percepção que eles têm dela?

Talvez esteja exagerando, mas que não temos controle dessa grande peça teatral, definitivamente não temos. Somos apenas personagens, fazendo nossos papéis previamente escolhidos, vagando, perdidos, nesse infinito palco cósmico.


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Friday, November 14, 2014

Uma tragédia mexicana


Uma tragédia mexicana

(Ou 43 motivos para pensarmos que não somos os mais violentos do mundo)

Nada menos do que 43 estudantes de uma faculdade rural de Isidro Burgos, no México, desapareceram. Tudo indica que a polícia local prendeu-os e os entregou a assassinos de um cartel de drogas. Aparentemente, o prefeito da cidade e a sua mulher estão envolvidos no caso. A polícia (espero que seja outra) ainda está investigando o caso. Embora o Brasil seja considerado um país violento, é difícil competir com um caso assim. De certa forma, tira a atenção de cima da gente. Ironia à parte, é difícil entender como podemos estar no século 21, termos essa incrível tecnologia, sermos tão avançados e, ainda assim, presenciarmos tais espetáculos.
Um outro aspecto deste assunto que nos assusta, é a cobertura modesta que o fato recebe. Uma notícia dessas deveria ser manchete no mundo, causar indignação sem precedentes. No entanto, o seio que a atriz deixou “sem querer” aparecer, uma frase ousada de algum idiota conhecido nas redes sociais, ou algo assim, são muito mais importantes. Têm 10 vezes mais cobertura. Claro, porque as pessoas se preocupam mais com esse tipo fútil de informação.
Como disse Cristo há 2000 anos atrás, “Pai, perdoai, pois eles não sabem o que fazem”.



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Estranhas Histórias
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Thursday, November 13, 2014

Marina Guimarães, a bailarina cega


Marina Guimarães, a bailarina cega

Eu vejo você e você não me vê. Você me encanta com seus encantos de bailarina. Suaves braços desenhando traços no ar. Suaves pés sustentando um corpo que, com graça, levita no palco. Um impossível bailado enche meus olhos incrédulos. É a impossível, improvável, dança mágica de uma alma especial. Tão especial que desafia a ordem do espaço, a ordem da lógica, com uma vontade quase insensata.
Marina, você é inspiração, e dá sentido para a vida.
Marina Guimarães, cega desde que nasceu, é a inusitada vitória da vontade sobre a razão.
Junto com outros bailarinos e bailarinas, forma o grupo Companhia de Ballet para Cegos. Obrigado, por nos mostrarem que a vida é muito mais do que aquilo que, nós, os verdadeiros cegos, conseguimos ver.




O grupo já se apresentou em várias cidades brasileiras e em outros países, como Argentina, Estados Unidos e Inglaterra. Na Paralimpíada de Londres, em 2012, quatro meninas dividiram palco com bailarinos do mundo todo. Entre elas estava Marina Guimarães, que é cega desde que nasceu. “Nunca imaginei que iria para uma Paralimpíada como bailarina. Foi sensacional. Fomos tratadas como artistas”, relembrou.




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Wednesday, November 12, 2014

Aviõezinhos de papel



Aviõezinhos de papel (memórias do seminário)

“Aviõezinhos de papel enchem o céu,
levados pelo vento...”
(Kimi ni Todoke:Amor Não Correspondido)


Tínhamos um dia de “folga” durante a semana. Não, nada do que você está pensando. Era apenas um dia sem aulas. Rezávamos como sempre, até mais do que o normal. No lugar das aulas tínhamos “estudos”, ou seja, ficávamos horas estudando em nossas carteiras. Estudávamos o que todos estudavam e coisas que, aposto, nenhuma outra criança da época estudava: Grego, Latim, História Natural, etc. De qualquer jeito, era um dia diferente, a ponto de termos uma hora ( uma inteira hora!) de folga, em que podíamos ficar no pátio, nos arredores, brincando, falando. Claro, tínhamos de falar só com os de nossa turma, os  "menores”.
Antes de vir para o seminário, meu irmão tinha me ensinado a fazer uns aviões de papel. Eu sei que todo mundo fazia aviões de papel, mas aqueles eram especiais. Tinha umas asas arredondadas, o que se conseguia enrolando as mesmas em volta de um lápis. Eles ficavam muito tempo no ar. Davam voltas e mais voltas. Às vezes parecia que iam cair mas surpreendiam e subiam mais um pouco. Depois de muitas acrobacias, eles pousavam suavemente, para serem lançados mais uma vez, e outra e outra... Alguns não voltavam, iam além dos arbustos onde não podíamos ir buscá-los. Não me incomodava com os que desapareciam, no meu coração eu também fugia com eles.
Numa extremidade do grande pátio onde ficávamos espalhados, havia uma pequena ribanceira.  Depois estendia-se uma longa área, proibida, com mato, pequenas árvores e flores. Amarelas, vermelhas, róseas. Sempre achei que ali era o paraíso prometido pelos padres nos sermões, para aqueles que tinham só "bons pensamentos". Acho que eu não  queria esperar aquele céu divino prometido nos sermões e me contentava com aquele paraíso, ali, naquela hora. Era dali que lançava meus aviõezinhos, que então pairavam sobre a paisagem, lenta e soberanamente... E eles brincavam no firmamento, sobrevoando as flores, indo e voltando, subindo e descendo no espaço. Era bom vê-los voando...Foi o meu primeiro contato com o infinito. Era o meu céu...e é por isso que ainda acredito na eternidade...



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Essa vida da gente

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