Manuel e o “RECALL”
Manuel, como quase todos os Mexicanos por aqui, não tem nada de arrogante. Já tem todos os documentos e vive legalmente, mas sempre humilde,como se tivesse atravessado a fronteira no mês passado. Trabalhava em pavimentação de estradas quando teve um sério acidente com seu tornozelo. Ferimento grave, tivera de fazer uma grande cirurgia e estava em recuperação. Comentou como estava difícil pagar a casa que comprara pois o cheque vinha com apenas 65% do valor que ganhava, pois estava afastado.
Depois da operação, tinha voltado uma vez ao consultório do cirurgião, para reclamar que a dor continuava forte e parecia piorar. Comentou que o doutor não olhou o ferimento e disse que era assim mesmo, mas ia pedir uns exames só para garantia. Estava indo ver os resultados dos exames.
Ele desembarca, vou para outro paciente. Duas horas depois passo novamente para levá-lo para casa. Então vem com a notícia de que seu tendão de Aquiles estava infeccionado e que precisaria de um transplante. Não sei se por simplicidade ou por outro motivo, não parecia assustado. Iriam marcar a operação, assim que houvesse um doador.
Alguns meses se passam sem que eu saiba do Manuel. Um dia ele aparece na minha programação. Estou curioso para ver se tudo foi bem.
Dia seguinte, sorridente, diz que já fez a operação, que estava tudo bem e me mostrou um aparelho que carregava na cintura. Aparentemente este aparelho pingava, em doses pequenas, algum tipo de remédio que descia para o local da operação ou na corrente sanguínea. O doutor iria checar o “status”da cirurgia. Chegamos, faz-se a consulta e ele, além das receitas, vem com a notícia de que tudo está indo muito bem.
Mais um mês se passa e sou novamente escalado. Ao entrar no carro me diz que não sabia o porquê da consulta, que a secretária do médico ligara e dissera que tinha de ir ao consultório urgente. Fizemos muitas considerações, mas definitivamente não podíamos atinar com o objetivo da chamada fora do comum.
Fiz duas ou três corridas antes de voltar. Na volta ele vem com a bomba: o médico pergunta se ele tem advogado, o que, por si só, é bastante incomum. Em todo o caso se estava perguntando era para usar contra alguém e não contra ele mesmo, o médico. O cirurgião então fala algo que, para mim, é uma bizarra novidade. O tendão que tinha sido transplantado nele não era bom, tinha vindo de um defunto que tinha tido cirrose. Todos os órgãos doados poderiam ter problemas. Em resumo, estavam fazendo um “RECALL” dos órgãos doados. Fiquei um tempo perplexo, tentando entender se era alguma piada. Não, não era. Não consegui deixar de pensar no fulano que tinha recebido o coração. Mas parei o pensamento na mesma hora. Era muito para o mesmo dia.
Meses depois fiquei sabendo que o tendão foi retirado, um novo, sem cirrose, havia sido recolocado e o Manuel estava em plena recuperação.
Não deve haver registros deste tipo, mas desconfio que o Manuel tenha sido a primeira vítima de “recall”de tendão de Aquiles com cirrose na história da Medicina.
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