A Mutação: VICUS37
Cynthia estava
pensando no irmão, que não tinha respondido a nenhuma de suas últimas 12 chamadas,
quando recebeu um alerta no seu comunicador de pulso. Deveria estar pronta em
48 minutos para ser recolhida pela equipe de saúde. Seria protegida por uma veste
especial e removida para a estação ferroviária onde a colocariam num trem
blindado.
O noticiário dos
últimos dias tinha ficado cada vez mais assustador. O vírus VICUS37 tinha
características aterrorizantes. A facilidade com que se propagava nunca tinha sido
registrada na história da Medicina. O índice de mortalidade, apesar de todo o
avanço da tecnologia médica, era inédito. Embora estivesse claro que não era
uma arma biológica, era como se o VICUS37 tivesse engendrado um plano diabólico
para derrotar a civilização do ano 2037. Provavelmente uma mutação sinistra do
famoso COVID 19 de 17 anos atrás.
Naquele dia, logo
de manhã, Cynthia sentiu algo diferente na comunicação oficial. O foco do
Departamento de Saúde tinha mudado. Não estavam mais transferindo pessoas
contaminadas para os grandes centros de recuperação. Agora as equipes de
resgate estavam levando as pessoas imunes e sãs para locais onde elas ficassem
isoladas e pudessem ser preservadas. Ou seja, e isto era tenebroso, estavam
desistindo de salvar as pessoas contaminadas, pois o índice de recuperação era
muito baixo. Estavam tentando salvar quem ainda tinha alguma chance. O que
estava acontecendo em nações mais pobres nem aparecia mais no noticiário. Era apocalíptico.
Tudo isso passava como um filme de terror na cabeça de Cynthia, quando ela escutou
o ruído da equipe de resgate que chegava. Tiraram a pequena valise que tinha na
sua mão e a puseram de volta no sofá. Não era possível levar nada, disseram
através da máscara especial que usavam. A seguir, revestiram-na primeiro com um
tecido especial e depois fizeram com que ela entrasse num uniforme amarelo
escuro. Como se ela fosse uma astronauta, colocaram um estranho capacete em sua
cabeça. Percebeu que era pressurizado. Foi conduzida, então, para um veículo
blindado, onde estavam mais três pessoas vestidas como ela.
Em 13 minutos
chegaram à estação. Um túnel de plástico havia sido montado de forma que os 4
ocupantes pudessem caminhar até o último vagão do trem sem nenhum contacto com
o ar exterior. A porta foi fechada e o trem começou a andar. Cynthia conhecia a
rota do trem. No painel havia a indicação de quantos passageiros seriam
recolhidos na próxima estação: 9. Provavelmente seriam colocados em outro
vagão. Dava para ver que as portas, além de terem sido fechadas hermeticamente,
estavam protegidas por uma espécie de fita que acompanhava todo seu contorno.
As outras estações tinham também indicações da quantidade de pessoas a serem
resgatadas: de 5 a 12 cada uma. Aquilo preocupou profundamente Cynthia. O que
aquilo queria dizer? Que aquela quantidade de pessoas era o total de
sobreviventes? Não podia ser. Por uma associação de ideias, lembrou-se do
irmão. Pensou em dialogar com os outros do vagão e percebeu que era impossível.
Com tanta agitação
em sua cabeça, não percebeu que o trem não tinha parado na estação seguinte.
Olhou para o painel e verificou que no lugar do número 9 havia uma palavra:
ERROR. O que significava aquilo? E ficou atenta para a parada seguinte. A velocidade
não diminuiu e passaram direto. De novo, o número foi substituído por “ERROR”.
Cynthia estava
entrando em pânico e estava desesperada para saber o que estava acontecendo.
Foi então que percebeu que mais ar estava sendo injetado em seu capacete. Logo
descobriu que, na verdade, era algum tipo de sonífero. Em segundos entrou em
sono profundo.
Cynthia não sabia
quanto tempo havia passado quando acordou. Percebeu, no entanto, que tudo
estava muito diferente. O trem tinha parado em algum ponto que era entre
estações. Agora, no entanto, ela conseguia ouvir vozes. Eram os outros
passageiros conversando. Não entendia direito o que diziam, mas ficou claro que
tinha havido algum tipo de contaminação. Havia mortos no vagão. O trem tinha
sido abandonado. Pelo jeito que falavam dela, estavam considerando que estava
morta também. É verdade que ela não estava conseguindo se mover e sentia seu
corpo fervendo. Os olhos estavam ardendo e sua cabeça estava começando a doer
muito.
Era óbvio que ela estava
com o vírus. Tinha ouvido sobre aqueles sintomas inúmeras vezes. Ainda
conseguiu ouvir mais um pouco as duas pessoas que estavam conversando perto
dela. Eles eram os últimos. Todos haviam morrido no vagão, o trem tinha sido
abandonado pela equipe de resgate. Ou talvez eles estivessem mortos
também. E aqueles dois... era óbvio que
estavam igualmente contaminados. Talvez fossem mais fortes que ela e aguentassem
mais algumas horas. Não muitas, entretanto. Ela sabia que, entre aparecerem os
primeiros sintomas e a pessoa infectada morrer, havia um período de no máximo dez
horas.
Foi o último
pensamento de Cynthia. Antes de seu coração parar ainda pensou mais uma vez em Bem,
seu irmão... Sabia, o tempo inteiro, que ele estava morto há muito tempo,
vítima daquele horrível VICUS37. Ela só não queria acreditar...
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