Casal muito simpático, os Thompson. Ele, quase oitenta anos, faz coisas o dia todo, conserta, às vezes pesca, lê e tudo mais o que um aposentado pode fazer. Ela, quase dez anos mais nova, cuida da casa, cozinha, lê e fiscaliza se ele está tomando os remédios direitinho. Não são milionários mas têm dinheiro para viver muito bem durante a aposentadoria. A vida tranquila numa praia, no norte da Flórida, havia sido um pouco abalada por um problema no coração dele, no ano passado. Foi mais um susto e a única consequência foi a prescrição de uma série de remédios que tem de tomar todos os dias. Ele não gosta de engolir todos aqueles comprimidos. É coisa de médico e laboratório, diz ele, e dá um piscadinha maliciosa. Ela também tem alguns probleminhas de saúde, mas nada mais do que é normal para sua idade, como ela sempre repete. Norman e Ethel ( se você pensou nas personagens do filme “Num Lago Dourado”, isto é apenas uma coincidência) tiveram três filhos. Susan, a mais nova, vive com seu marido, um economista, perto de Atlanta, na Geórgia. Bill vive perto de Duhram, na Carolina do Norte e é casado também. O mais velho, também casado, vive em Nova Iorque.
Certo dia, o casal de velhinhos resolve fazer uma grande viagem de carro até Nova Iorque. No caminho, claro, aproveitariam para visitar todos os filhos, genros e netos. Para não chegarem de surpresa, telefonam para os três avisando. Começa então uma intensa polêmica familiar. A filha telefona para os irmãos e eles ligam de volta, fazem “conference call”, ligam de novo. Assunto da controvérsia: como um casal com esta idade, ele com problemas cardíacos, vai dirigir esta distância enorme, durante todo um mês. Estão loucos, a senilidade atacando. No fundo sabiam que de nada adiantaria discutir porque Norman era “teimoso”. Para sua doce companheira, no entanto, ele era “determinado” e um homem corajoso. O fórum continua por uma semana e depois arrefece um pouco. Aparentemente o casal já estava desistindo da grande aventura. Qual o quê! Mal eles sabiam, os dois velhinhos já estavam firmes na estrada rumo a Atlanta. Por cortesia, dois dias antes, chamam a filha pelo celular para avisar da chegada. Diante do inevitável, Susan liga para os irmãos e os avisa da tragédia, da loucura dos pais. Pelo menos, pessoalmente, iria tentar fazer com que eles suspendessem a empreitada e voltassem para a Flórida. Quem sabe colocá-los num trem ou comprar duas passagens aéreas e mandá-los de volta.
Atlanta
Susan, apesar de assustada, fica feliz em ver os dois. Grandes abraços, beijos, lágrimas, emoção. Norman e Ethel disfarçam as lágrimas ao abraçar a neta, Karen, de 10 anos, que não viam há algum tempo. O genro, muito simpático, os recebe com afeto e simpatia. No entanto, Ethel, com seu instinto de mãe e de mulher, percebe que há algo de errado com o casamento. Crise dos “não sei quantos anos”...Normal, porém, muitas , talvez na maioria das vezes, fatal para um casamento. Ethel e Norman não queriam que sua neta fosse criada com pais divorciados. Passaram uma semana lá e, apesar de todos os protestos e esforços, partem para Carolina do Norte. Curtem a estrada, a paisagem. Vão devagar, passeando. Os telefonemas familiares continuam, a celeuma continua. Dois dias antes de chegar a Durham, dão o telefonema de cortesia para Bill.
Subúrbios de Durham
Novamente, grande emoção. Abraçam os netos, gêmeos de 15 anos. A nora, muito carinhosa os recebe muito bem e tem tudo preparado para a visita. Muita alegria. No entanto, nesta primeira noite, no quarto, a intuição da mãe e avó e do velho Norman deram origem a uma conversa muito triste. Ambos concordaram que havia algo de errado. Era óbvio que eles estavam com problemas financeiros. Uma frase aqui, acolá, a atitude dos netos. O olhar assustado da nora, as maneiras do filho tentando disfarçar o problema. Certamente estavam para perder a casa que haviam comprado com tanto sacrifício. Que iria ser dos netos? Tão brilhantes, tão inteligentes...O que poderia ser feito para evitar essa tragédia financeira? Enfim, passam uma semana, tentando alegrar o ambiente, tentando aproveitar a companhia dos netos. Desta vez a polêmica foi menor na hora da partida. Os três filhos sabiam que não havia nada que parasse os dois. Além disso, parece que o casal estava se saindo muito bem na grande aventura.
Nova Iorque
Bob também foi avisado dois dias antes. Bob estava em frente da casa quando eles chegaram, como se os estivesse esperando. Chegada, abraços. Bob não tinha filhos. Era casado mas a mulher estava fora por uns dias. Bob deu uma desculpa esfarrapada para a ausência. A mãe, imediatamente percebe o que está acontecendo. Bob voltara ao vício das drogas e certamente a mulher dele não aguentava vê-lo se destruindo e saiu de casa. Mas, para surpresa de todos, inclusive de Bob, ela aparece à noitinha, dá um longo e afetuoso abraço nos dois velhinhos. Ethel sempre sentira um carinho especial por Sarah, que, segundo ela, era a única pessoa que podia manter Bob fora das drogas. Houve diversas conversas paralelas. Norman e Bob. Bob e Ethel. Ethel, Bob e Sarah. Também Ethel e Sarah, e talvez esta a mais importante de todas. Uma semana de conferências pois o que estava acontecendo era uma verdadeira tragédia e talvez a maior de todas. Enfim passaram-se os sete dias e o casal começa a partir de volta. A longa jornada de carro para a Flórida. Para Norman, era ali mesmo, um pouco abaixo. Aparentemente, pelo menos, houve um grande acontecimento durante a semana. Sarah resolvera ficar na casa e lutar pela vida de seu marido.
A Volta
Tinham planejado ir devagar, parando em locais importantes para eles. Certamente preocupados com os filhos. Cada um com seu tipo de problema. Mas eles sabiam que tudo iria se ajeitar. Ainda bem que havia celular hoje em dia. Podiam viajar e acompanhar a vida de seus filhos. É isso mesmo. A coisa toda se invertera. Eles eram seis tentanto “salvar a vida dos dois” e agora eram os dois velhinhos tentando “salvar a vida dos seis” e mais os netos. Este mundo, às vezes, é estranho. Agora era Ethel e Norman que ligavam. Mas Norman era também prático e tomou várias providências. Ethel sabia que ele iria fazer isto. Ele era como um capitão de navio. Havia uma tempestade e ele, de jeito nenhum, permitiria que sua família naufragasse. Os telefonemas não era só para os filhos. Era para velhos conhecidos. Norman conhecia todo mundo.
Para Bob arrumou uma excelente clínica de reabilitação. Emocionado com a presença do pai, mais a volta de Sarah, motivação era o que não faltava. Para Bill, dose dupla. Um empréstimo sem juros. Bill nunca imaginara que seus pais tinham estas economias. E mais o empréstimo não iria afetar a qualidade de vida do velho casal. Mas não era só isso, Norman falou com um amigo e arrumou uma excelente colocação na firma de um amigo para o filho. E, ainda brincou com ele; “Não estou fazendo isto por você, não...Quero ter certeza que você tenha um bom salário para poder me pagar de volta.” E ria...
Susan estava só precisando da certeza de que seu marido ainda a amava e que a sua maneira de agir não era falta de amor por ela, mas era só preocupação com a situação...O marido de Susan mais uma vez se emocionara com os velhinhos, seu amor, seu casamento forte. E decidiu que era isso que ele queria: ser como eles, viver até a velhice com Susan. Tudo era um mal entendido, eles se amavam muito...
Epílogo
Este é o final da história. Quando Norman e Ethel chegaram de volta em sua casa, as coisas estavam completamente mudadas. Mais do que se poderia imaginar. Norman brincou com Ethel: “...estes meninos sempre dando trabalho...” e Ethel, brincando com Norman: “...mas você bem que gosta deles e não pode viver sem...” E se abraçaram, num abraço, como diria o Chico, “como há muito não costumavam dar...
Eu sei que você não vai se emocionar muito com a história porque ela não está nas telas de cinema. Fico imaginando o filme sendo estrelado por Sandra Bullock como Susan, Sarah sendo revivida por Cameron Diaz. Para o casal ainda tenho dúvidas. Se fosse há muitos anos atrás, seria, sem dúvida, Henry Fonda e Catherine Hepburn, mas agora tenho dúvidas...
Às vezes preocupamo-nos com coisas que não são as mais importantes. Deixamos de lado o verdadeiro foco da vida...Norman e Ethel sabiam onde estava o “foco”...
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