Saturday, November 26, 2011

A Palhacinha da Nicarágua

A Palhacinha da Nicarágua
















Dessa vez minha passageira era da Nicarágua. Entrou afoita no carro, já falando, já gesticulando. Para ser sincero, os gestos não eram tantos pois um dos seus braços estava imobilizado. Muito pequena, quase uma menina, franzina, magra. Por isso, talvez, seu falar era ainda mais notório, quero dizer por causa do contraste. Normalmente nós, brasileiros, temos muita facilidade em entender bem o espanhol de onde quer que ele seja. No caso daquela menina, quero dizer mulher, era diferente. Não se entendia uma palavra sequer. Talvez falasse muito rápido, talvez seu espanhol estivesse misturado com algum dialeto de seu país, talvez ela tivesse algum problema de fala, não sei. A cena toda parecia uma cena de gibi. Da história toda, até então, só sabia que trabalhava na lanchonete da rede de fast food e que havia se machucado – o braço – durante o trabalho. O que começava a saber de novo, era que ela estava muito, muito brava, estava uma fúria. Cheguei a pensar nos famosos guerrilheiros de seu país, quem sabe ela era parente de um deles. Não, não. Devia ser uma garota pobre dos arredores de Manágua que tinha vindo parar neste grande país para melhorar a vida. Agora ela estava furiosa com alguma coisa, algo tinha dado errado. Estamos quase chegando ao destino quando ao longe vejo uma outra unidade da mesma cadeia de fast food onde a nossa amiga trabalhava. Quando nos aproximamos mais, vejo uma palhacinha pulando, gesticulando, segurando um cartaz da lanchonete . Provavelmente o movimento estava fraco e o gerente botou uma de sua funcionárias, vestida de palhaça, para, com sua movimentação,  atrair a atenção dos motoristas que passavam. Já tinha ouvido falar que alguns negócios que dependem de transeuntes, fazem isto. Minha passageira então aponta para a palhacinha, fazendo uma expressão de quem pergunta: “Agora você entende? Foi isto que aconteceu!” Mas eu ainda não tinha entendido. Chego ao consultório do ortopedista onde ela tinha consulta, entro com ela e quando ela é atendida,  comento com a recepcionista sobre a atitude da menina da Nicarágua.”Pois é, a pobrezinha se machucou enquanto trabalhava na lanchonete. Quebrou o braço.Ela é muito esforçada.” Faço cara de quem não estava entendendo e ela continua. “O patrão mandou ela colocar a roupa de palhacinha e ir agitar na frente da lanchonete para atrair clientes.” Peço para ela continuar... “O gerente falou para ela que tinha de se agitar muito, pular, balançar os braços, erguer o cartaz, pois só assim as pessoas prestam atenção.” Aí ela continua... A garota seguiu tudo ao pé da letra e se agitou tanto que, num dos movimentos, quebrou o braço. Por isso estava revoltada com o gerente. Ela não ligava de ser palhacinha, nem nada, mas precisava falar para ela se agitar tanto? Precisava do emprego, agitou-se toda. Agora sim que ia ganhar menos pois não podia trabalhar, fazer hora extra nem nada, com essas leis trabalhistas daqui, que nem leis são. Agora eu entendia a revolta dela.Se fosse no Brasil, aquele gerente ia ver o que era bom fazer os outros de palhaço. Mas aqui, fizeram da pobre menina, que já era mulher, uma  palhaça. Por isso que a chamei de a “Palhacinha da Nicarágua”, não por desrespeito, ao contrário, por solidariedade e por que acho que as pessoas devem protestar contra o que está errado...Deixa esse gerente ir a Nicarágua para ver o que é bom para tosse, lá ele vai ver quem é  palhaço...

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