Monday, January 9, 2012

Os Três filhos da Viúva Whitaker

Os Três filhos da Viúva Whitaker

A senhora Whitaker tinha três filhos: Simon , Andrew, Matthew. Mathew era o mais velho com 22 anos, Andrew era dois anos mais jovem e Simon tinha 18. Viviam os três numa cidadezinha do Kansas, sem problemas e sem grandes aspirações também. Do marido e pai não falei porque ele já havia morrido. Tinha sido um homem de respeito e também responsável. Por isso é que a viúva, além da pensão, tinha a casa paga. Além disso tinha um modesto emprego numa loja local. Isso já seria suficiente para sobreviver, mas havia ainda a contribuição dos “meninos”: os três trabalhavam e ajudavam em casa. A vida era decente. A dona Whitaker tinha só uma pequena tristeza. Nenhum dos três quis continuar os estudos. Foram até o segundo grau. O que se pode fazer? Não foi por falta de falar. Se o Mathew tivesse resolvido fazer universidade, talvez os outros o seguissem. Mas que nada, ele não gostava nem de passar perto de escola. Os outros seguiram a mesma rota, afinal de contas, fazer o que com um diploma lá no meio do nada? Quando a gente não quer uma coisa, desculpa é o que não falta. A vantagem era que seus filhos estavam ali, perto dela, amenizando a viuvez. Tudo estava na santa paz até que um dia passou pela cidade um grupo de artistas encenando uma peça teatral no velho prédio do cinema. A peça que estavam apresentando era, ironicamente, “Our Town” de Thornton Wilder. Dormiam nos mesmos trailers em que viajavam. Entre as pessoas do grupo havia uma moça chamada Lisa. Pois bem, Simon se apaixonou por ela.  A paixão era daquelas devastadoras, como furacão e não teve jeito não. Conversa para cá, conversa para lá, o  Simon se meteu no grupo e quando chegou a hora de eles partirem, lá foi ele junto com a troupe. A dona Whitaker entristeceu, pois, entre outras coisas, ele era o caçula. Ainda havia a esperança de ele voltar a  estudar, fazer carreira e ser alguém.  Como a gente costuma dizer, o que não tem solução, solucionado está e a mãe se consolou com a ideia de que um dia ele poderia se tornar famoso, aparecer em capa de revista, fazer filme. Fazer coisas que gente famosa faz.  Mas tudo isso, na verdade, era desculpa para encobrir sua tristeza. Sabe aquele tipo de tristeza que dói, dói mesmo, no peito?  Não é dor psicológica não, é dor física, aquela que só mães têm, quase como a dor de um parto reverso. Mas como a sabedoria popular diz, o tempo cura tudo e algum tempo se passou até que uma outra tristeza maior ainda ocorreu. O mais velho, Mathew, resolveu ir para o exército. Quero dizer, foi para a guerra mesmo, para o Iraque. Aí sim a dor foi dupla. De um lado ficava sem o filho mais velho e de outro havia o risco de vida. Todo mundo sabia que a morte ronda os soldados por aquelas bandas. Dona Whitaker por mais patriota que fosse, dessa vez não conseguiu se consolar dizendo que era pela pátria, etc., etc...Foi uma dor diferente, daquelas misturadas com preocupação, uma dor doída e doida. Restava Andrew, o do meio. Ela já estava desconfiada que ele iria acabar indo embora também. Não sei se foi premonição ou o acaso, ou o exemplo dos outros irmãos: o que todos suspeitavam, aconteceu. Desta vez, porém, foi diferente, algo que ninguém esperava. Passou pelo local um pregador. Falava de coisas estranhas mas principalmente dos perigos do mundo moderno, da ciência. Dos homens querendo clonar, querendo imitar o Ser Supremo. Dos astronautas invadindo o espaço celestial, querendo conquistar a Lua, Marte e sabe-se lá mais o quê, querendo brincar de Deus...Desta nova ciência quântica, que, com certeza, era coisa do diabo. Mas ele não parecia nem evangélico nem católico. Uma coisa estranha. Pregava no meio da praça com um megafone. Com ele vieram alguns discípulos e discípulas que o ajudavam na pregação, que recolhiam as ofertas e tudo mais. Por algum motivo, Andrew se entusiamou com a novidade e se foi...Isto foi demais para a viúva. Uma coisa insensata, além de pecaminosa. Ela havia educado os três na fé e até há pouco tempo frequentavam a pequena igreja batista local. Lá se foi ele com aquele estranho profeta. Ela chorou muito. Agora ela estava sozinha. Orava pelos três e sofria muito. Não sei se foi por isso ou se foi o destino ou o conjunto de fatores genéticos e psicológicos ou tudo ao mesmo tempo, que dois anos depois ela morreu. Mathew, que havia voltado da guerra e estava numa base militar e Simon, que sempre ligava para ela de onde estava, ficaram sabendo e voltaram para prestar as homenagens póstumas. Choraram  lágrimas amargas e sentidas, talvez misturadas com o arrependimento de terem, de certa forma, abandonado a mãe. Andrew, o filho do meio, nunca mais havia contatado nem a mãe nem os irmãos. Ou por falta de comunicação ou porque não quis, não veio para o funeral, nem para mais nada depois. Correu notícia de que o “profeta” havia morrido e a igreja agora não viajava mais e Andrew era o novo líder da religião, que crescia cada vez mais. O boato era de que havia já uma grande sede no sul do país e que a igreja agora contava com milhares de membros. Não usava mais  seu nome e era chamado simplesmente de “o profeta”.
Quando ouvi essa história, pensei num monte de explicações e simbolismos. Por que só Andrew não voltara, justo ele que havia escolhido uma religião?  Os três tinham nomes de apóstolos: algum simbolismo aí? Religião, pátria, arte? Depois desisti de pensar no assunto e concordei com um amigo meu que sempre falava com sabedoria: existem coisas que não têm explicação. Simplesmente acontecem, às vezes a vida é muito triste. Nem sempre o bem prevalece, nem sempre o mal é castigado. A vida é o que é, uma sequência insensata, às vezes bela, às vezes sombria, às vezes misteriosa, mas sempre, com certeza, digna de ser vivida. Quanto à dona Whitaker, talvez ela mesma seja culpada, sem querer, de tudo. Talvez seja a forma como ela criou os filhos. Pensando bem, acho que não é nada disso...Mesmo após todas estas considerações,  ainda tenho pena da dona Whitaker...Coitada...

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