O ano é o de 1968, a cidade é a de São Paulo e o local é a Faculdade de Letras da Universidade de São Paulo. Época de revolução no mundo, desde a França e Europa, com seus estudantes, até lugares mais improváveis como os Estados Unidos. Ali, no entanto, na rua Maria Antonia – para ser bem específico – um jovem sonhador, no seu primeiro ano de faculdade, tem sua primeira vivência de Revolução. Jovens de uma outra revolução da Universidade do outro lado da rua vieram para o seu lado da rua e houve o confronto. Pessoas armadas com revólveres – na cintura, como em filmes de caubóis – subiam e desciam as escadas do velho prédio.
Houve tiros. Houve ferimentos e até um morto. Eram comunistas contra não comunistas. Era mesmo? Talvez jovens ávidos de mudança, influenciados pelas ideias da Europa, cheios de esperança, e às vezes ódio, de um lado. De outro, jovens também influenciados, mas por grupos com pavor de comunismo. A luta no entanto foi real, um verdadeiro campo de batalha. Difícil de acreditar que, na mesma época, os Beatles encantavam o mundo com suas canções... No entanto, o que ainda continua na cabeça do jovem estudante é a Dona Margarida, professora de Inglês, desesperada, apavorada... Só não desmaiou porque seria muito arriscado naquela confusão. Também continua na lembrança a Maria do Socorro, militante do pessoal da esquerda, que voava pelos corredores, dando gritos e ordens, uma verdadeira Chê. O jovem estava a favor do pessoal do seu lado, da sua faculdade, é claro. O resultado da confusão toda você ainda hoje pode ver na Internet. Prédio semi destruído, muita mágoa, muito rancor e mais manifestações depois. O pessoal da esquerda teve de ir para outro prédio na Cidade Universitária. Uma pena, era um lugar quase histórico, muita gente erudita passou por ali. O final, você sabe. O pessoal da Ditadura, da direita, ficou ainda mais furiosa e torturou e matou e cassou. Dizem que até a pobre da Democracia foi destruída. Todo mundo cansa e um dia a Ditadura também cansou. Além disso foi consumida pela corrupção. Daí veio o pessoal da esquerda, cheia de sonhos e começou a reconstruir, a exigir eleições diretas, a restabelecer liberdades, a determinar o fim da tortura e da censura. Algum tempo depois, no entanto, o improvável (será?) aconteceu. O pessoal da esquerda, que derrubou o pessoal da direita, pasmem, acabou também se corrompendo. Os "moços" daquela época ficaram sem seus sonhos, seus ideais, nem de esquerda, nem de direita. Algumas coisas, parece, deram certo. Coisas que o pessoal da direita fez, obras de infra-estrutura- com dinheiro arrumado pelos EUA – e coisas que o pessoal da esquerda fez, como estabeler uma série de proteções contra possíveis abusos, proteção social, etc... Mas, para ser bem franco, por mais que o jovem goste de um dos dois lados, os dois falharam. Os dois – depois que ficaram adultos – roubaram os sonhos dos estudantes e os profanaram. Enfim, sobrevivemos todos: com cicatrizes, ferimentos, mas estamos aqui. O jovem do lado de cá da Rua Maria Antonia até colocou seus filhos, mais tarde, na escola do outro lado da rua, sabe, o lado do pessoal da direita. Bom, o jovem, na verdade, não é mais jovem. A Maria do Socorro, dizem, foi torturada e morreu nos “porões da ditatura”, para usarmos a expressão do pessoal da esquerda. Muitos jovens da esquerda – “comunistas e materialistas”, se nos colocarmos sob o ponto de vista do pessoal da direita ou o pessoal do CCC (Comando de Caça aos Comunistas) - foram presos e nunca mais ouvimos falar deles. A escola do lado de lá, vocês sabem, é o Mackenzie, uma excelente escola. O nome do garoto que morreu – sim, era apenas um garoto – é José Guimarães. Deixou uma mãe chorando: acho que ela nem sabia o que era Esquerda e o que era Direita. Há outras partes da história das quais o então jovem não se lembra mais ou não quer se lembrar: como o ácido que voou da janela do prédio do Mackenzie e atingiu as jovens do outro lado. Como canta Nelson Ned “tudo passa tudo passará”...
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