Uma vez mais, eu te amo…
Ronald
acelerou suavemente seu carro quando o sinal abriu. Ouviu então aquele ruido
sinistro de um outro carro tentando brecar e…
Cinco
dias depois ainda estava no hospital e, pela primeira vez depois do acidente,
abriu levemente os olhos. Viu apenas vultos, saindo e entrando...Mas estava
tudo muito silencioso. As pessoas falavam mas as vozes não saíam de suas bocas.
Dormiu de novo e acordou já no dia seguinte, mas isso ele não sabia. Via melhor
agora. Tanto é que sabia que quem estava ali em pé, ao lado de sua cama era um
médico. Dizia o seu crachá: Dr. Kalwinsky ou algo assim. O doutor estava
tentando falar com ele. Ele não conseguia ouvir mas entendeu quase tudo. Podia
ler seus lábios. Dizia que sua cabeça estava com sérios problemas. Haveria
consequências, mas ele sobreviveria...Ronald tentou então perguntar sobre Lucy.
Onde estava? Estava bem? Mas as palavras não saíam.
Lembrou-se
então de que na fração de segundo antes de receber a pancada do outro carro, pensara
que era muito azar Lucy estar daquele lado. Era melhor se ele estivesse ali. Apagou este mau
pensamento da cabeça e dormiu, dormiu bastante, sem sonhos, sem nada.
Ronald
não sabia mais há quanto tempo estava ali na cama, mas sabia que era muito. O
mesmo doutor estava ali, a sua frente de novo. Podia dessa vez ouvir, muito
baixo, o que ele estava falando. O médico mencionara que ele constantemente
chamava por Lucy, a esposa. Tinha de confessar que infelizmente, ela não tinha
conseguido. Sentia muito. Ronald não
queria acreditar nele, aquilo era uma mentira. Por que mentir para ele, ele que
estava ali na cama? Não quis ouvir mais e dormiu de novo.
Quando
acordou na vez seguinte, lembrou-se que sempre acreditara na força do
pensamento. Tinha amigos que acreditavam também. Tinha visto coisas. Mesmo
quando algo já tinha acontecido, você podia mudá-lo com a força mental. O tempo
não existe, é apenas uma referência para nosso cérebro. Ele tinha uma tática. Voltou
com sua mente para os momentos que viveram antes de sair de casa. Ele pegando
as chaves e ela pegando a bolsa. Estavam saindo para as compras. Lembrou-se dos
detalhes. Pensou de novo e desta vez falou para Lucy que não queria mais fazer
compras. Iriam mais tarde, naquele momento iriam mexer no jardim. Lucy ficou um
pouco contrariada, não estava entendendo. O exercício mental foi um esforço
muito grande para Ronald e ele adormeceu. Acordou mais vezes no mesmo dia e
cada vez tentava convencer Lucy para não sair de carro. Finalmente ela
concordou e disse qualquer coisa como “Se é isso que você quer...”
Nos
próximos dias Ronald foi elaborando sua história. Detalhes, muitos detalhes.
Pegando as ferramentas de jardim, mexendo na terra...Cuidar do jardim primeiro,
compras depois. Viu Lucy sorrir várias vezes, ele gostava, como ela, de mexer com plantas. Cada pequeno gesto
estava sendo elaborado, caprichado, refeito na mente de Ronald. Ele nem se
lembrava mais do acidente. Nada havia acontecido, eles não tinham nem saído. Lucy
sorria e ele também .
As
enfermeiras notaram que cada vez Ronald sorria mais. Sorria quando estava
dormindo e quando estava acordado. Suzane, sua irmã, que o visitava constantemente,
também notou. Era um sorriso de felicidade. Convincente, que inspirava paz.
Um
dia, finalmente, Ronald viu Lucy entrar no quarto. Era ela e desta vez muito
mais real que qualquer outra vez. Sorria o seu sorriso suave e lindo de sempre.
Essa Lucy...Ele sabia que iria trazê-la de volta. Ali estava ela, carne e osso,
real...Sentou-se a seu lado, passou a mão pelos seus cabelos. Com a outra
acariciou seus dedos. E sorria...Ronald apertou seus dedos só para garantir,
conhecia muito bem a textura da pele dela. Ronald pensou, se alguém não
acreditava que ele era capaz de fazer o que fez, ali estava a resposta. As duas
enfermeiras e mais uma visita que ele não estava reconhecendo, eram testemunhas
visuais. A sua Lucy estava ali, na frente de todos.
O
que estava acontecendo no quarto de hospital entretanto era outra coisa.
Era
uma cena até bonita, pensou a enfermeira mais velha. Ficou emocionada de ver ali, o paciente Ronald, que
agora já era um velho conhecido, segurando a mão de sua irmã Suzane. A outra
enfermeira pensou como seria bom ter um
irmão como Ronald, que gostasse dela da mesma maneira.
O
corpo de Ronald melhorou mas seu cérebro nunca voltou. Ele estava sempre com
aquele sorriso nos lábios, sempre conversando com a Lucy. Foi internado numa
instituição. Lá, logo todos se acostumaram com ele. Volta e meia estava
segurando a mão de uma enfermeira ou de uma paciente, chamando-as de Lucy e
sorrindo. Muitas vezes falava: “Eu te amo.” Ele se cuidava bem, se barbeava, tomava
banhos constantes. Afinal de contas, Lucy era exigente nesse aspecto.
Alguns
tinham pena dele, outros achavam que ele era feliz. Sabe de uma coisa? Eu acho
que ele era feliz. E digo mais, acho que a Lucy era feliz também. Acho até que ela
estava sorrindo...
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