Os
estranhos habitantes de Jordish
Olof nunca tinha
aceitado bem a ideia de se fazer uma parada no planeta Jordish na sua jornada
para Endel. Afinal era uma viagem interplanetária de 27 anos e o grande
objetivo era Endel. Por que fazer esse “stop” insensato, com um objetivo não
claramente definido? O motivo dado, bem vago, fora um incidente que ocorrera
com uma das naves da Confederação das Américas há 187 anos atrás, e que nunca
teve uma explicação razoável. Ainda assim, o Conselho aprovou, por unanimidade,
a inclusão de Jordish na missão. Aparentemente, o computador mestre da missão,
o MCSME2519, também conhecido como Vedalt, concordava com eles. De qualquer
forma, não importava a opinião de Olof. O que tinha de ser feito, iria ser
feito.
Logo na terceira
órbita ao redor de Jordish, a tripulação conseguiu detectar a enorme e famosa nave estelar Ultracosmos, a primeira a
atingir velocidade próxima à da luz, e que havia ficado retida em Jordish. As
circunstâncias tinham sido bastante estranhas. Ninguém jamais entendeu como uma
nave, equipada com a mais alta tecnologia, tinha ficado silenciosa de repente,
e completamente sem ação. Tecnicamente, era impossível de se entender.
Vedalt já estava
trabalhando com toda sua capacidade para “escanear” o planeta. Visualmente era possível se detectar com nitidez a grande
planície onde estava estacionada a imponente Ultracosmos. Podia se notar uma
longa linha no chão que ia dela até uma cadeia de pequenas montanhas, situada a
cerca de cinco quilômetros dali. Era uma trilha que mal se notava,
provavelmente por causa de poeira acumulada durante décadas. A nave de Olof, a
Lightstream, já estava se aproximando. Depois de alguns minutos já estava
estacionada a cerca de um quilômetro de sua “colega”. A equipe que devia fazer
a inspeção da nave, colocou seus trajes espaciais, uma vez que a atmosfera de
Jordish era tênue, além de conter gases prejudiciais ao ser humano. Com um
veículo especial, dirigiram-se até a enorme nave. Ela tinha mais de duzentos
metros de altura. Havia várias entradas, todas destruídas. Foi fácil.
Abandonaram o veículo e começaram a inspeção. Não demorou muito para
perceberem que estava ali uma simples
carcaça. A nave havia sido depredada. Todos os equipamentos haviam sido
retirados. O que imediatamente deixou todos surpresos, foi que tudo havia sido
retirado com cuidado, com precisão cirúrgica. Os danos estruturais eram
mínimos, mas não havia uma só peça que havia restado. Obviamente seres
inteligentes haviam estado ali. Como? O planeta era inabitado, pensava Olof, e
certamente o resto todo da tripulação achava o mesmo. Ficou claro que era
inútil terminar a varredura. Olof ordenou, então, que Vedalt esquadrinhasse
completamente a enorme estrutura para ver se encontrava algo que se parecesse
com alguma peça de nave que ele tivesse em seus dados. O resultado era o que
todos esperavam. Nada. Seth ponderou que alguma nave, que não pertencia à
Terra, deveria ter passado lá e “confiscado” todas as peças, na esperança de
encontrar alguma tecnologia não dominada por eles. Argus achava isso pouco
provável, uma vez a Terra teria notado em suas patrulhas interplanetárias
qualquer objeto capaz de tal tipo de navegação. Seria muito difícil se chegar a
uma conclusão. A inteligência artificial da nave, Vedalt, disse que não havia
dados suficientes para dar uma opinião, pelo menos por enquanto.
Não havia muito
o que fazer. Olof deu ordens a Vedalt para que iniciasse o processo de retomar
a grande empreitada para Endel. O computador disse que ainda estava colhendo
dados de Jordish e que partiria em 7 horas e trinta minutos.
No horário
marcado, Vedalt acionou a nave que, antes de partir, fez mais cinco órbitas ao
redor de Jordish. Questionado por Olof, Vedalt respondeu que precisava escanear
o resto do planeta. Olof pensou consigo mesmo que aquilo seria uma inutilidade,
mas não falou nada.
Lightstream já
tinha alcançado sua velocidade ideal quando Vedalt advertiu Olof que tinha
acabado de analisar todos os dados de Jordish e que queria fazer uma
apresentação. Novamente, Olof questionou interiormente por que perder tanto
tempo com um planeta vazio e uma nave sucateada, mas novamente manteve seus
pensamentos para si mesmo. Como tinha de mostrar gráficos e mapas, Vedalt
chamou todos para uma espécie de “anfiteatro eletrônico” que não era muito
distante da sala central de comando.
Após dez minutos
de “conferência”, estavam todos de queixos caídos. As revelações de Vedalt eram absolutamente inacreditáveis e
assombrosas. Jordish continha vida inteligente e não eram seres invisíveis,
não. Eram menores que os seres humanos, bem parecidos, embora tivessem um
segundo par de braços. As quatro mãos tinham seis dedos cada, sendo que dois
deles em cada uma, funcionavam como polegares. Eles viviam no subsolo. Cavernas
enormes, em incrível quantidade, de até
cinco quilômetros de altura e centenas de quilômetros de extensão, eram
seu habitat. Muitas cavernas continham
água e havia canais de interligação. Havia cerca de novecentos milhões de
habitantes. A estrutura de transporte e habitação sugeria uma alta taxa de
civilização e inteligência, equivalente a pelo menos a que a Terra tinha por
volta do ano 2200 DC. Havia vários tipos de animais, a maioria parecida com
répteis, embora houvesse outros tipos também. Havia uma espécie de luz natural,
algo que Vedalt não tinha dados suficientes para explicar. Vedalt tinha também
notado cerca de 470 “saídas” para a superfície, todas inteligentemente
“disfarçadas”. Eles também teriam de usar equipamento especial para vir para a
superfície. Lá embaixo, havia oxigênio, misturado com alguns gases que lhes
eram essenciais para a vida. Havia captado também mensagens inteligentes entre
eles e uma sofisticada rede de comunicações.
A grande
surpresa, Vedalt deixara para o final. A Lightstream quase havia sido capturada
durante sua curta visita. Eles tinham equipamento capaz de “congelar” todo o
sistema de propulsão. Foi o que fizeram com a Ultracosmos. Foram eles que
“canibalizaram” a nave, no intuito de obter tecnologia. Dessa vez, porém,
queriam pegar a nave intacta, para descobrir coisas que não tinham descoberto
antes. Iam utilizar o elemento surpresa, enquanto parte da tripulação da
Lightstream estava fazendo a inspeção. Não esperavam que Olof fosse encurtar o tempo de visita e passasse a
tarefa de escanear para Vedalt, acelerando todo o processo.
Esses
computadores quânticos eram programados para terem reações e atitude humanas,
para facilitar a interação com a tripulação. E foi por isso que Vedalt fez um
comentário do qual Olof definitivamente não gostou. Disse em tom de brincadeira
que, “por ironia, a falta de curiosidade científica de Olof, desta vez, foi a
salvação da Missão Endel”, e que, às
vezes, “a preguiça também é compensada”. Olof não gostou, mas também não
respondeu. Seria dar muita importância para Vedalt.
Por dentro, Olof
deu um suspiro de alívio, e comentou, rindo com alguns da tripulação, que
aquilo não tinha sido sorte. Era intuição. Ele sempre tivera esse dom. Falava
isso de um jeito que não se podia dizer se era brincadeira ou se estava sendo
sério.
Seth, por sua
vez, comentava que o homem também tinha começado nas cavernas, mas tinha
conseguido sair. Seria irônico, milhões de anos de evolução depois, ser
capturado por “seres” da caverna, novamente. A essa altura, com todos aliviados
e em seus lugares, a Lightstream já tinha atingido sua velocidade máxima: era
um rastro de luz no infinito do Cosmos...
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