O Quadrilátero
de Klas
Um monge do Tibete
tinha aparecido, sem mais nem menos, numa estrada deserta do Arizona. Não sabia
explicar o que tinha acontecido. Piscou os olhos e estava lá, naquele calor
desgraçado. A maior parte das pessoas que lia a história, achava que era
mentira, algo inventado. O governo estava em cima daquilo, desmentia tudo,
mas sabia que era tudo verdade.
A situação,
porém, foi piorando. Uma composição, com todos os vagões, sumiu dos trilhos de
uma ferrovia na China. Apareceu em pleno Pantanal Mato-grossense, com todos os passageiros
dentro. Chineses de todas as idades, saindo, desesperados, dos vagões. A área
foi isolada, a história desmentida. Veículos terrestres e aéreos da Federação
Brasileira e mais outros da Liga Latina protegiam uma vasta região em volta do
local do incidente. Sinais de comunicação de todos os tipos foram bloqueados.
Não queriam que qualquer imagem saísse de lá.
Antes disso,
muitas pessoas simplesmente estavam sumindo já há algum tempo. Agora, o que
havia de diferente, porém, era que elas sumiam na frente de outras pessoas, de
repente. E não era só isso. Havia o caso das “duplicatas”. Do nada, uma pessoa
se via em frente de outra, exatamente igual a ela. Poucos minutos depois a
“cópia” sumia. Outras pessoas, viam-se, de repente, “presas” dentro de outros
corpos a milhares de quilômetros de distância. Esse último fenômeno durava dois
ou três dias e depois se desfazia.
Embora as
autoridades negassem, esses estranhos fenômenos começaram a acontecer depois do
incidente com o “Quadrilátero de Klas”.
O “Quadrilátero”, simplesmente, como também era chamado, era uma
fantástica obra de engenharia espacial. Era uma estrutura baseada em quatro
pontos, como atesta o nome, sendo um em Marte, outro na nossa Lua, um terceiro
em Urano e um quarto em Júpiter. O “Centro”, como era chamado, estava na Terra.
Em dois dos pontos, Marte e Lua, havia dois gigantescos colisores de
partículas, pelo menos 50 vezes maiores do que o famoso LHC, construído na fronteira da França com a Suíça em 2008. Os
quatro pontos eram ligados por raios Laser, formando o famoso “quadrilátero”. O
objetivo era estudar os “campos” e a
Teoria das Cordas, que finalmente foi aceita como a melhor forma para se
entender os princípios básicos do Universo. Nem de longe, entretanto, se
esperava qualquer resultado ou obtenção de novo conhecimento na questão das
11 “dimensões” previstas na teoria.
Entretanto, o impossível aconteceu.
Numa tarde do
verão de 2148, no centro de controle do Projeto “Quadrilátero de Klas”, na
Terra, os técnicos estavam dando início a mais uma sessão de experimentos. Os
dois colisores e os quatro pontos estavam para ser acionados. Após a contagem
regressiva, deu-se o início. Alguns minutos depois, todo o conjunto e mais uma
área de cerca de 30 metros ao seu redor, entraram em estranha vibração. Muito
baixa, mas constante e firme. Todos sentiram. Depois, uma claridade e uma
espécie de explosão. Foi uma explosão muda, silenciosa. Quinze minutos depois
todos “acordaram”. Tudo parecia em ordem. Entretanto, havia vários objetos
espalhados pelas diversas salas e que não pertenciam ao local. Maurice imediatamente reconheceu alguns
deles. Pertenciam à Estação de Marte e da Lua. Muitos deles, ele havia
instalado pessoalmente. Stevenson reconheceu outros, como sendo dos outros dois
pontos do “Quadrilátero”. Ele mesmo os tinha enviado há muitos anos.
Ninguém sabia o
que dizer, ninguém sabia explicar. Todas as variáveis foram analisadas pela
inteligência do computador central da missão e a única coisa que aparecia como
resposta era “paradoxo”. O fenômeno
ficou conhecido como “Fator Hoppa”, do vocábulo sueco para “pular”.
O projeto foi
suspenso. sem previsão para reinício, pelo menos oficialmente. Obviamente a
conclusão mais óbvia é que todos esses fenômenos, que continuaram a acontecer,
em escala cada vez maior por todo o globo, estavam intimamente ligados ao
‘Quadrilátero”. Oficialmente isso foi negado inúmeras vezes. Entre as
explicações dadas houve a de “alucinação coletiva”, consequências dos
experimentos e estudos avançados sobre o cérebro humano do Instituto de Moscou
e outras bem menos convincentes. O fato era que
o absurdo estava acontecendo, só faltava ficar oficial. Não havia
explicação científica, pelo menos uma explicação perto de qualquer coisa
plausível.
Homero Duran era
um cientista brasileiro de primeira linha. Em 2098, aos 17 anos de idade, saiu do
Instituto das Ciências, na Nova São Paulo, diretamente para o antigo MIT, mais
tarde batizado com o nome de IIT ou
“International Institute of Technology”, nos Países Confederados da
América do Norte. Era especialista em “Quântica Aplicada” e fazia parte da
“Comissão Internacional da Nova Ciência”, juntamente com outros dois
brasileiros.
O voo entre São
Paulo e Nevada durava apenas uma hora e cinco minutos pelo novo sistema aéreo
de propulsão a plasma. A maior parte da viagem eram a decolagem e a
aterrisagem. Duran havia saído há apenas dez minutos e já estava em pleno voo.
Podia ver pela escotilha a imensidão da Amazônia, protegida e preservada pela Conferência Internacional de Reservas
Naturais, aquele verde imenso, pontilhado cá e lá por uns pontos metálicos.
Eram os locais de inspeção remota, supostamente discretos e que não deveriam
interferir com a pureza da floresta, única grande área ainda preservada no
planeta. Duran, junto com mais 67 membros do mundo todo – todos cientistas do
Comitê Internacional - tinha sido
convocado às pressas, diante do aumento incontrolável de incidentes
relacionados supostamente ao “Fator Hoppa”.
Naquele exato
momento, entretanto, refletia sobre outras coisas. Tinha recebido relatórios
sobre uma surpreendente onda de misticismo que estava se alastrando por todo o
planeta. Notícias sobre o “Fim do
Mundo”, “Sinal dos Tempos”, “Julgamento Final”, estavam aparecendo por todo o
lugar. Era incrível para ele, que, mais de 100 anos depois que praticamente
todas as religiões haviam desaparecido, de repente e com tal fúria, essas
crenças “primitivas” ressurgissem. Sem uma explicação científica razoável para
os fenômenos que estavam ocorrendo, as pessoas se refugiavam nas mais diversas
crenças.
Estava bem no
meio desses pensamentos, quando ouviu um zumbido. A unidade aérea em que
estava, começou a vibrar, algo completamente inédito. Olhou para fora e, ao
invés do verde da floresta e do azul do céu, viu uma intensa luz branca. Ele,
os outros passageiros e toda a tripulação perderam a consciência. Nos controles
de voos, aquela unidade voadora tinha simplesmente sumido. Os funcionários
encarregados do monitoramento de voos das Américas, em cada unidade, olhavam
perplexos uns para os outros. Ninguém falava, mas todos estavam pensando no
“Fator Hoppa”. Imediatamente tentou-se localizar o aparelho e seus passageiros
em alguma parte da Terra. Foi inútil, não havia sinal deles em nenhuma parte.
Ninguém duvidava, entretanto, que eles tinham sido vítimas do “Fator Hoppa”.
Não se sabe a
respeito dos outros, mas Duran, quando acordou, estava se levantando do chão,
ajudado por colegas. Estava muito mais jovem. Era apenas um rapaz. Vestia uma
jaqueta com o logo do Instituto de Ciências da Nova São Paulo. Seus colegas, adolescentes
também, perguntavam se estava bem. Ainda se lembrou do “Quadrilátero de Klas”,
do “Fator Hoppa”, da viagem e dos motivos pelos quais estava voando para
Nevada. Mas foi só por alguns segundos. Ele havia “viajado no tempo” e a
consciência estava se adaptando para a nova realidade, talvez uma nova
dimensão, onde não havia “Quadrilátero de Klas”, nem “Fator Hoppa”. Depois não
se lembrou de mais nada a não ser da vida que tivera até agora, nessa nova
realidade. O “agora” dele era 2098, um rapaz de 17 anos, brilhante, que estava
no último mês de seu curso no Instituto de Ciências e que havia sido convidado
para estudar no International Institute of Technology, no próximo ano. Era tudo
de que se lembrava. Ele se lembrava só da nova vida. À tarde, passaria pelo
Centro Médico do Instituto para fazer um “scan”, pois era a primeira vez que
havia desmaiado em sua vida. Mas ele não tinha medo. Era jovem. Confiava nas
ciências médicas e na ciência em geral. Sabia que no futuro iria ser um grande
cientista, especializado em “Quântica Aplicada”.
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