A menina que chorava...
“Quando chegava o poder de chorar, era até bom – enquanto
estava chorando, a alma toda se sacudia,
misturando ao vivo todas lembranças, as mais novas e as muito antigas.”
(Campo Geral – Guimarães Rosa)
Difícil dizer o problema que ela tinha. Estava ali, diante do médico e de todos aqueles aparelhos sofisticadíssimos e nada podia ser detectado. Não se sabia que outro teste ou exame poderia ser feito. Praticamente qualquer hipótese razoável já havia sido considerada.
Agora só restava conversar com a paciente, com calma tentar conseguir alguma informação relevante, algo que pudesse definir a situação. O médico confessou que nunca tinha visto um caso daqueles. Ouvira falar de alguns pacientes, há alguns anos atrás, mas todos foram curados imediatamente, as causas imediatamente detectadas.
Esse era o problema da menina. Ela tinha 11 anos e chorava quase toda semana. Grossas lágrimas corriam pela face e, além disso, ela dava longos suspiros. Claro, chorar não é grande coisa. Entretanto, naquela época ninguém chorava mais. A tristeza havia sido banida cientificamente há um longo tempo. Havia chips de controle de emoção em qualquer ser vivo. A tristeza havia sido cientificamente banida do corpo e da mente humana.
Por que, então, a menina chorava? Seu chip estava em, ordem, seu cérebro também. O médico perguntava, perguntava. O que sentia, por que chorava? Ela dizia que, às vezes, vinha uma tristeza dentro dela e ela chorava. Mas era bom, ela dizia, pois depois ela se sentia muito bem, aliviada. Ela não queria mudar. Mas o médico insistia, aquilo não era bom, aquilo precisava de cuidados. Chorar era coisa do passado. Precisava fazer um painel com seus superiores, explicar a situação. Aquilo poderia ser perigoso. Coisa séria.
A menina, ao ouvir isso, pegou nas mãos do doutor e suplicou: “Não faz isso, não. Estou bem assim, assim eu quero ficar”
O médico ficou em dúvida entre o pedido da menina e seu dever profissional. Hesitou. Não sabia o que fazer. Ela percebeu a hesitação e ficou com medo de lhe darem um daqueles remédios violentos. Aqueles que obrigam a pessoa a ser feliz. Estava com medo. E chorou.
As lágrimas, abundantes, inundaram seu rosto. Seus olhinhos pareciam dois barquinhos num oceano. E olharam para o médico. Ele nunca tinha visto alguém chorar, só em filmes médicos antigos.
Sentiu algo diferente no peito. Sentiu comoção. Estaria ele também com problemas, teria sido contagiado? Na dúvida, fez um gesto para que ela ficasse tranquila. Depois avisou que nada iria fazer, desde que ela continuasse a visitá-lo para acompanhamento.
As lágrimas foram enxutas. Na face da menina, um sorriso e um brilho jamais vistos. Deu um beijo na face do doutor, coisa também incomum. Afinal ela era qualquer coisa, menos comum.
Despediram-se. Ela foi embora. O médico ficou sozinho e sentou-se por uns momentos. Diminuiu um pouco as luzes para meditar sobre o que tinha visto.
Talvez seja impressão minha. Com certeza, estou enganado. Mas pareceu, por uns segundos, que, ali nas penumbras do consultório, vi uma pequena lágrima rolar na sua face...
À procura de Lucas
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À procura de Lucas
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