Monday, April 9, 2018

A hora triste da partida




A hora triste da partida
“Chegou  a hora da triste partida.
E tudo que eu amo na vida
Tenho que deixar...”
(Hora da Partida: Trio Nordestino)


A rua da minha casa, a casa onde passei minha infância, fazia uma curva após uns cem metros e era inicialmente uma pequena ladeira para depois se tornar uma rampa íngreme.
Lembro-me perfeitamente daquela manhã, há cinquenta e três anos atrás, quando meu pai me segurava por uma mão e na outra tinha uma daquelas pequenas malas antigas feitas de couro duro. A ladeira terminava numa praça que, do outro lado, abrigava a estação da Estrada de Ferro.
Um pouco antes de chegar à curva, virei minha cabeça para ver uma cena que eu já sabia que ia ver.  Minha mãe, na janela, como num quadro na parede, chorando. Não vi de fato as lágrimas, mas sabia que estava chorando. Se não queria que fosse, por que me deixava ir, eu me perguntava. Fui convencido, na época, de que eu tinha “vocação para padre”. Não me lembro como começou, mas sei que, de repente, quando percebi, todos falavam que eu ia ser padre, que “tinha vocação”. As beatas, o padre, todos sabiam. Sem sentir a tal da vocação e nem mesmo saber o que era, acabei acreditando nela e confirmando que a tinha.

Recordo-me vagamente de entrar no trem, em silêncio, sabendo que estava indo para um lugar diferente, passar por uma experiência pela qual meus irmãos não tinham passado e eu tinha inveja deles por terem conseguido escapar da sina. Não sabia dizer “não”, por isso me sentia completamente derrotado. Não me lembro do momento em que meu pai se foi. De repente vi inúmeros garotos da minha idade, bem diferentes dos da minha rua. Uns, como eu, tímidos, outros, espertos, talvez porque não tinham consciência do que estava acontecendo. Padres, batinas, irmãs e  outras pessoas com roupas normais, todos organizando, arrumando, orientando a nova turma de seminaristas. Quando notei, já estava em outro trem, veloz indo para uma viagem mais distante. O trem era diferente, parecia mesmo trem de longa distância. Eu queria adiar a viagem, não chegar, não chegar nunca, mas a locomotiva, implacável, voava sobre os trilhos. Chegamos lá no final da tarde e um daqueles ônibus antigos nos esperava. Por uma estrada tortuosa de terra nos levou para a “prisão”, um edifício de três andares, em forma de U. Um longo dormitório com dezenas e dezenas de camas sobre as quais depositamos nossas malas, para em seguida irmos para a capela para ouvirmos o sermão de recepção. Ali terminava a infância. A juventude só começaria seis anos depois.



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