Aperto,
o do trem, e outros mais
Um
braço cruzado segurando o fichário e um livro sobre o peito, para o curso noturno. Apertado como
nunca. Nem os dedos dava para mexer. O outro braço, o esquerdo, abaixado,
segurando uma sacola com o lanche para o almoço. Também não podia se mexer. Os
pés igualmente, tinham de ficar quietinhos, movimento nenhum. A cabeça sim,
essa podia virar um pouco, mas não muito.
Todo
mundo empacotado, petrificado, paralisado, era o trem das seis e cinco, da
manhã, é claro, saindo de Perus. Em Jaraguá piorou mais um pouquinho e em
Pirituba mais um pouco ainda. O zíper do fichário quase machucava minha pele. A
Lapa estava chegando, graças a Deus, muita gente ia sair lá. Ainda ia
continuar uma sardinha em lata, mas pelo
menos os dedos eu iria poder movimentar. O subúrbio da Santos a Jundiaí foi
diminuindo de velocidade, já dava para ver o nome da estação. Nem precisava me
preocupar em dar passagem para quem ia sair. Levavam a gente para fora e depois
a turma de fora levava a gente de volta para dentro. Se quisesse trocar a
posição dos braços, essa era a hora.
Aquele
dia porém, algo tinha acontecido. Havia muita gente naquela estação da Lapa também.
Trem quebrado? Não sei, mas mal tinha conseguido ser empurrado para fora, já
estava vindo de volta. O impossível aconteceu. Ficou mais apertado do que
antes. Os dois braços estavam na mesma posição em que haviam entrado em Perus.
Quando
chegou a Água Branca, finalmente meu
corpo e minhas coisas foram empurradas para fora. Respirei fundo, aquela
sensação gostosa de ar, apesar da mistura de cheiro de freio do trem e de
poluição das fábricas próximas. Podia, finalmente, esticar os membros
inferiores e os superiores.
Agora
era só correr até a Francisco Matarazzo e finalmente pegar o ônibus. Não
conseguiria me sentar, mas pelo menos, poderia me estirar.
Era
uma segunda-feira qualquer de agosto de 1966, faltavam 34 anos para o novo
milênio, mas ninguém pensava nisso, tanta coisa havia para se fazer. Havia a
ditadura e seus porões. Ela partiria mais tarde, mas muitos porões ficariam e
outros se criariam. E o milênio chegou e mais 18 anos se passaram. O que mudou?
Muito e nada. A condução, pelo menos, deve ter mudado, assim espero.
O
aperto, entretanto, pelo menos aquele dentro do peito, acho que continua forte e
persistente na nossa querida pátria: a nossa pátria, amada, idolatrada, cheia de encantos mil, meu adorado Brasil.
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