Essa língua de Camões, boa de se namorar
O Chico, em “Construção”, canta que o operário “dançou e
gargalhou como se ouvisse música”, anunciando o trágico momento que ele iria viver.
Uma imagem poderosa. Depois anuncia que ele “tropeçou no céu como se fosse um
bêbado”, fazendo do topo do edifício um céu de onde se pudesse cair. E continua
brincando drasticamente com a língua e suas imagens dizendo que ele “flutuou no
ar como se fosse um pássaro”. Para compor assim, além de inteligente, precisa
ter um dom de um Deus em quem nem sei se ele acredita.
E o Caetano que canta “Gosto do Pessoa na pessoa, da rosa no
Rosa, e sei que a poesia está para a prosa, assim como o amor está para a
amizade”? Esse Caetano que joga com a essência e com a forma, invertendo e
misturando seus conteúdos. Não é demais?
Já o Milton, junto com o Chico, diz que é preciso “afagar a
terra, conhecer os desejos da terra”, pois estamos no momento do “cio da terra,
propícia estação” e é preciso “fecundar o chão”.
Eles brincam com a nossa língua, enchem-na de atavios, para
depois despi-la e mostrar sua bela nudez. Descobrem nela segredos que nem mesmo
ela sabe que tem. Falam de sua intimidade de seus segredos, mostram seu reverso,
seu “por dentro” e seu “por fora”. Fazem prosa de sua poesia e cometem atos
poéticos com sua prosa. São seus amigos, seus namorados, seus amantes.
Também, essa nossa Língua Portuguesa, quem não quer “ficar” com
ela? Ela é gostosa de se ouvir, de se falar, de se cantar. Ela é muito boa de
se namorar. Acho que me apaixonei por ela...
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