A Capela
(lembranças do seminário, capítulo do conto "Casa dos Loucos)
“Então, o Rei dirá também aos que estiverem à sua
esquerda:
Apartai-vos de
mim, malditos, para o fogo eterno,
preparado para o diabo e seus anjos.”( Mateus 25:41)
A capela tinha poucas luzes naquele dia, mas dava para se ver que os
bancos e genuflexórios eram de madeira de lei e os vitrais eram enormes e
coloridos. Os santos eram estátuas solenes e nobres e pareciam nos olhar com um
misto de compaixão, solidariedade e piedade. A cúpula era muito alta e fiquei
pensando nas pessoas que construiram a capela, como chegaram lá no alto para
trabalhar. O altar central era enorme e sobre ele havia uma cruz de metal,
talvez ouro. Candelabros dos dois lados, uma grande e principal imagem de uma
santa, solene, quase uma deusa. De um dos lados, um grande púlpito de madeira,
elevado, com uma pequena escada de acesso. Não olhei para os outros meninos mas
acho que estavam impressionados ou assustados como eu. A capela era muito
diferente da igreja da minha paróquia onde eu havia sido coroinha. Lá eu
dominava tudo, sabia onde estavam as coisas, o que significavam, conhecia a
nossa santa, a Santa Rosa. Aqueles santos que via agora pareciam ser superiores,
pareciam nos advertir, embora tivessem aquele olhar meigo. Mais tarde aprendi a
gostar da capela. Nela podia me refugiar nos momentos de tormenta, de angústia
e de dor que meu coração de menino mal podia suportar. A Ave Maria, solenemente
executada no órgão, muitas vezes me fez voar para fora daquelas paredes e pairar
sobre campos verdes e calmos. Naquele primeiro contacto, no entanto, tive a
primeira grande revelação sobre o inferno. O monsenhor com crueldade e
profundidade revelava as responsabilidades de quem tinha vocação. Ele falava de
um pulpito sombrio e autoritário e naquele dia a capela me amedontrou. Minha
alma de menino não via outra alternativa que não a de seguir em frente numa
vida de sacrifícios pois qualquer outra seria minha perdição. Havia tantas
coisas das quais eu gostava na minha meninice e pelo que eu entendi, tudo teria
de ser deixado para trás. Não me lembro do resto da noite, a não ser de muita
reza, de um grande dormitório sombrio e de faces de meninos muito diferentes
dos da minha rua. Foi a primeira vez que alguém mostrou para mim o Inferno como
uma coisa real e possível. Eu só conhecia um inferno para gente muito ruim,
completamente fora de minha experiência, de minha vida. O Monsenhor trouxe um
Inferno real, vivo, um Inferno que poderia ser nosso, caso não agarrássemos com
força a nossa vocação.Tive medo, muito medo. Pensei de novo no rosto da virgem,
suave, comprensivo e fiquei confuso.
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