EXERCÍCIO DE HISTÓRIA
Fazer exercício é bom, a gente
melhora o que está fazendo ou a maneira de pensar. Pensei em fazermos um de
História. Este cronista, que não é especialista na matéria, pode aprender junto
com o leitor. A minha proposta é simples. Pense num país imaginário, onde está
tudo às avessas, só existe corrupção, onde os valores cívicos e sociais estão
falidos e... bom, deu para se ter uma ideia. Acho até que você pensou num país
específico. Não há solução. Eleições não funcionam, o povo continua votando nos
candidatos errados e deixando os melhores de lado, se é que eles existem.
Precisamos usar nossa criatividade.
Vamos montar um laboratório virtual, onde podemos ter ideias, imaginar soluções,
etc. Para sermos radicais, vamos estabelecer que você, meu querido leitor,
pessoa que certamente tem excelentes intenções, seja o encarregado desse grande
experimento.
Para isso, eu, cronista que sou,
com poderes absolutos de ficção, vou lhe atribuir poderes especiais. Não só
isso, vou, com minha imaginação, criar as condições perfeitas para você estabelecer
uma nova nação.
De repente, você tem poder total.
Pode tirar do exercício qualquer político que desejar: desde o prefeito de Quixeramobim
até o de Porto Alegre. Pode expulsar todos os deputados, estaduais e federais,
senadores, ministros, todo mundo. Começar do zero. Problemas, revolta? Nada
disso, lembre-se, estou dando total poder a você, amado leitor. Ninguém vai
reclamar, e se o fizer, será preso. Ordem minha, neste fabuloso universo
virtual que estamos criando. Daí, com calma, você escolherá um por um, todos aqueles
que vão trabalhar com você: governadores, prefeitos, deputados, senadores,
ministros, todos do poder executivo, do poder legislativo e até do judicial.
Pessoal bom, que faz as coisas certas, que julga com honestidade, que não tem
ambições políticas, que amam seu país: talvez, com esse paraíso político, nem
haja o que julgar. Claro, existe a imprensa! Mas essa também estará controlada.
Só vai falar coisas boas de seu novo líder – você, certo? – e nada de conversa
mole. Ah, estava me esquecendo... Você tem 20 anos para mudar tudo! Convoque as
pessoas mais sábias e justas que você conhece, traga todas para Brasília -oops,
acabei de revelar o lugar – e peça para elas escreverem todas as leis de novo.
Fazer uma nova Constituição, com calma, bela e perfeita, com diretrizes e salvaguardas
mara manter um paraíso político, puro e justo por, pelo menos, 50 anos. Somos
criativos, vamos conseguir!
Com tanto poder, com tanta força,
com todo o apoio das pessoas mais inteligentes e honestas da nação, vai dar
tudo certo. Daí, então, você sai do poder, e deixa esse magnífico grupo
controlar tudo, estabelecer eleições, viver a democracia. Com toda a maravilha
que viu, o povo só vai eleger gente do mesmo tipo que você escolheu: sincera e
honesta.
Muito sonho, não é mesmo? Isso é
impossível! Só na minha crônica alguém teria tanto poder assim!
Pois bem, eu lhes digo, os
militares tiveram todo esse poder, talvez até mais, por incrível que possa
parecer. E o que aconteceu? Foi bom, quanto tempo durou?
Na verdade, nada durou. Durante os
20 anos mesmo, já havia gente corrupta por eles escolhida. Paulo Maluf, José
Sarney, você os escolheria para fazer parte do seu grupo especial? Lembra-se de
que falei que você poderia acabar com todos os casos de corrupção, usando seu
poder de demitir, de escolher seus próprios juízes? Nesse período, pelo menos
uma dezena de grandes casos de corrupção ocorreram (o caso Luftalla, Delfim e a
Camargo Correa, comissões da General Electric, Capemi, Coroa-Brastel e aí
vai...): ninguém sabia, o silêncio de imprensa que eu dei para você, eles
usaram para escondê-los. Lembra-se de que você poderia ter acabado com todas as
“mamatas”, toda a gastança, verbas de gabinetes, remuneração de
representantes que aparecem uma vez por
semana, salários altíssimos, aposentadorias para quem trabalhou apenas 8 anos,
etc.? Tudo isso na SUA Constituição,
que, você teria determinado que só poderia ser alterada por uma imensa maioria
popular. Pois bem, repito, eles tiveram esse poder! E o que foi feito? Acabaram
com algum privilégio?
E o que aconteceu? Olha só a
sequência, logo depois dos poderosos 20 anos: Sarney, Collor, Itamar Franco...
Confessa, quando começamos o
exercício, você primeiro achou que era um exagero o poder que eu estava lhe
dando, que só aconteceria num conto de fadas. Segundo, achou que, se alguém
tivesse esse poder, teria garantido um país justo e honesto, pelos próximos 50
anos, ou talvez, para sempre...
Que coisa, hein? Como é bom fazer
exercício de vez em quando... E fica a pergunta: a tomada do poder foi mesmo
para consertar tudo?
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