Monday, April 1, 2019

O Grande Retorno





O Grande Retorno

Ainda com sono, pensei que estava tendo uma visão, quando olhei pela janela. Um avião, pintado de azul escuro, parecia estar subindo pela colina. Um acidente? Não poderia ser, pois ele se movia. Em zigue-zague tentava subir a rampa. Não conseguia entender. Deveria haver alguma explicação lógica, com certeza.
Tomei um café rápido – sem café não dá – e comecei a andar pela rua. Quando estava chegando na esquina, alguém me chamou pelo nome. Dei um sorriso, acenei, tentando me lembrar quem era. Certamente o conhecia, só não conseguia saber de onde, qual era seu nome. Continuei andando, mas depois resolvi parar e falar com ele. Quem sabe ele poderia me explicar a história do avião. Depois do “tudo bem?, “como está?”, fui direto ao assunto: o que estava acontecendo com o avião? Acidente? Por que estava tudo calmo? Ele me olhou com estranheza e explicou que sempre tinha sido assim. As aeronaves precisam subir em alguma colina ou rampa e depois pegar velocidade na descida de volta. Se assim não fosse, como conseguiriam impulso para voar?
Não preciso dizer que a explicação era absurda. Talvez mais absurda que o próprio fato. Não havia razão para ficar ali. Talvez mais para frente conseguiria uma informação melhor. Dos dois lados da avenida que eu tinha acabado de pegar, as pessoas agiam normalmente, ninguém parecia estar assustado ou diferente. Do  outro lado havia uma loja, toda pintada de vermelho brihante, com os dizeres “O Grande Retorno – 2019”. Resolvi atravessar. Estavam vendendo uns objetos estranhos. Alguns eram celulares, com certeza. Eram, no entanto, muito finos, muito pequenos. Outros itens, jamais tinha visto. O relógio na parede dizia 6:25. Estranho, pois eu tinha acordado às 9:10. Consultei meu próprio relógio e ele concordava com o da loja. Fiquei tendo aquele raciocício absurdo... o que era mais louco: o tempo ou o aeronave subindo a montanha?
Estava muito curioso, mas decidi continuar. Vi, então, uma lanchonete que me parecia familiar e entrei. Pedi um sanduíche com queijo e um café preto. Logo depois que minha comida chegou, comecei a  prestar atenção na conversa dos dois rapazes a meu lado. Um deles falava que ia viajar de avião na próxima semana. Ouvi algumas frases, mas depois não aguentei e entrei no meio do diálogo. Perguntei se eles tinham visto o acidente aéreo. Surpresos, me informaram que não sabiam de nada. Na verdade, nunca tinham ouvido de acidente nehum. Retruquei, quase assustado: “Na montanha?” Um dos dois riu, porém o outro esclareceu. Eles sempre usam a montanha para pegar velocidade.
A mesma explicação... Quis saber onde era o aeroporto. Eles ficaram assustados. Já tinham ouvido falar dessa besteira de antes do Grande Retorno sobre os aeroportos. De que adianta usar um avião, se você precisa pousar longe e andar não sei quanto tempo de carro para chegar a seu verdadeiro destino? Havia grandes avenidas, espalhadas pelas cidades. Eles desciam lá, passavam depois pelas outras avenidas, sempre recolhendo passageiros, e depois iam para a rampa, ou para a montanha, quando havia essa última.
Estava desolado e pensei seriamente que estava ficando louco. Terminei minha refeição, e continuei a andar. Quem sabe, de repente, houvesse alguma luz na minha mente e tudo se explicaria? Passei por várias lojas e tudo parecia bastante normal. À minha direita, vi uma livraria e entrei. Os livros pareciam normais até que reparei num bem maior, com capa preta, e cujo título, em letras douradas, dizia: “2019: O Grande Retorno”.
De novo essa data, esse assunto. Antes de continuar, preciso deixar claro que estávamos em março de 1994. Aquela data, portanto, era no futuro. Havia um prólogo, que li rapidamente. Dizia que em 19 de abril de 2019 aconteceu o grande retorno. O Universo parou e começou a voltar. Muitas pessoas simplesmente desapareceram, outras sumiram voltando com idades diferentes e, muitas, geralmente as mais idosas, simplesmente nasceram novamente. Como um milagre, não houve nenhuma grande ruptura. Inexplicavelmente, as coisas começaram a funcionar novamente, como se nada tivesse acontecido. Uma nova lógica havia se estabelecido. A maior parte dos indivíduos não se lembrava de nada, outros tinham algumas recordações do velho mundo. Alguns poucos se lembravam de tudo, como eu e, por isso, ele tinha escrito o livro. Precisava registrar tudo, pois, certamente ele também iria se esquecer com o tempo. Acontecia com todos, mais cedo ou mais tarde, segundo ele.
Peguei o livro para pagá-lo no caixa, não sem antes reparar no aviso que havia na parede. A partir de 15 de fevereiro, estariam funcionando em outro local. Achei estranho e, por isso, resolvi perguntar ao caixa por que eles não tinham mudado ainda. Ele estranhou a pergunta e reafirmou: “Só vamos mudar no dia 15 de fevereiro!’’ Retruquei que já estávamos em março. Ele olhou assustado e disse irônico: “Obrigado pela informação e eu informo o senhor de que, no mês que vem, em fevereiro, nós vamos mudar! “
Desisti, paguei o livro e saí. Foi então que notei o óbvio. O tempo, para eles, estava voltando. Tinha começado a voltar em 19 de abril de 2019. Tudo tinha se adaptado a isso. Aparentemente, algumas coisas, como o avião, os aeroportos e muitas outras, tinham sofrido uma brusca alteração. De alguma forma, havia uma nova lógica e tudo se adaptava a ela.
 Cheguei em casa, um pouco assustado e um pouco conformado. Havia,enfim,  uma certa lógica dentro do absurdo. Fui até o banheiro, lavei meu rosto, voltei, e me sentei no sofá. Olhei para o livro , grande, capa preta, com o título em dourado: “O Grande Mistério”. Era um romance policial de Roberto Lima.  Tinha certeza de que havia comprado um outro livro.
Pensei um pouco nas coisas que fiquei perguntando para as pessoas durante a manhã. Devem ter pensado que sou louco. Aeroportos? Como eu não sabia que os anos estavam baixando a numeração e não aumentando? Ainda bem que já era março e em janeiro eu teria um novo encontro com a terapeuta. O ano de 94 estava terminando! Graças a Deus. Logo estaríamos em 93 e tudo ficaria mellhor! Com certeza...



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