Showing posts with label bonifácio. Show all posts
Showing posts with label bonifácio. Show all posts

Friday, January 24, 2020

Nome do pai, nome do santo



Nome do pai, nome do santo


Meu irmão mais velho, quis meu pai chamá-lo de José. Embora simples e comum, tinha um significado enorme que, certamente, meu pai quis documentar. Era o nome de meu avô. Sendo o santo um marceneiro há muito tempo atrás, fazia ainda mais sentido, uma vez  que essa era também a profissão do  “seu” Bonifácio.
Veio então o segundo fiho, meu irmão do meio. Nasceu, vejam só, bem no dia de São Paulo, o santo que deu o nome à nossa cidade. Minha mãe, católica fervorosa, imediatamente, decidiu o óbvio. Poderia haver sinal mais evidente do que deveria ser feito?  Paulo seria seu nome, não haveria discussão. Meu pai não era homem de discutir. Talvez tenha apenas comentado com ela que seria apropriado, depois de já ter sido homenageado o meu avô, o segundo rebento ser chamado Bonifácio, nome do progenitor. Coisa mais do que evidente, não era mesmo? A Dona Eleta, certamente achava que as coisas do céu, especialmente quando manifestadas assim, de maneira tão óbvia, deveriam vir antes. Teve início uma batalha surda. O “São Paulo”, patrono da capital e o outro – santo também – “São Bonifácio”, um daqueles antigos, homenageado com o nome de meu pai.
A dúvida ficou, nada foi decidido. Na cabeça de minha mãe, certamente estava tudo acertado. Imagine você, o menino nasceu no dia de São Paulo, 25 de Janeiro, precisa dizer mais alguma coisa? Ela, porém, tinha de cuidar da criança. Não havia fraldas descartáveis ou qualquer outra facilidade naquelas remotas épocas. Um trabalho duro, de concentração. Não tinha tempo para cuidar do assunto.
Alguns dias depois, meu pai aparece com a certidão de nascimento. Bonifácio era o nome do garoto. Bonifácio, que em Latim quer dizer, “fazer o bem”. Tinha um sorriso no rosto e o orgulho no peito. Minha mãe também não era de reclamar. Tenho certeza, no entanto, que ficou magoada. Onde se viu? Deixar assim, de lado, o nome do santo da cidade?
Por conta própria, começou a chamar o meu irmão de Paulo. Uma espécie de insubordinação. Quem diria, a humilde Dona Eleta. Verdade é, ela tinha a proteção dos céus na matéria. Pequenino,  todos começaram a chamá-lo de Paulinho, imitando seu chamar. Mãe é mãe.  E o nome pegou e ficou. Vale uma explicação. Dentro de casa, dentro da família, era Paulinho. Lá fora, no mundo, na legalidade, era Bonifácio. Coisa justa, ficou meio a meio. Mas fica aqui, entretanto, um aviso. Não discuta com mãe que tem fé. Ninguém vai lhe roubar o nome do santo, nem seu marido, nem ninguém.
O nome do terceiro filho, este que vos escreve, aparentemente não deu confusão. Porque foi escolhido, também não sei.  Naquela época o terceiro era apenas o caçula e era isso que eu era, só o terceiro.


ooooo000O000ooooo

Clique aqui:


 À  procura de Lucas


Para adquirir este livro no Brasil 

Clique aqui  ( e-book: R$ 7,32 / impresso: R$ 27,47)

Para adquirir este livro nos Estados Unidos 



Monday, July 22, 2013

Tchaikovsky em Perus, São Paulo

Tchaikovsky em Perus, São Paulo

Quando você fica um certo tempo longe de sua terra, as imagens, os aromas, as visões e as lembranças ficam ainda mais vivas. Por isso é que às vezes me lembro do vilarejo onde passei minha infância e dos fatos que lá ocorreram,  com especial intensidade. Perus, norte da Grande São Paulo não era, como agora, um aglomerado de casas e comércio que às vezes se assemelha a secções  de uma grande cidade da Índia. Ao contrário, era uma paisagem quase bucólica há algumas décadas atrás. A estrada de ferro, antes chamada de Santos a Jundiaí, ainda corta o local bem no meio e tem como acompanhante um rio que vai serpenteando a seu lado e, no caminho, acaba dividindo a praça principal bem no meio. O rio e a estrada formam uma espécie de vale cercado de elevações, ou morros, como dizíamos. Na minha infância ainda era tudo muito espalhado, não havia tantas casas assim e elas estavam como que semeadas pelas elevações, enquanto o comércio, os bancos, o cinema e tudo mais, estavam no Centro, em volta à praça. De um lado da mesma, saía uma rua, na verdade uma rampa íngreme, que chamávamos de Morro do Cartório, e que levava a algumas habitações mais para cima , inclusive a casa onde eu morava. O cartório – o Tabelionato Farias, acho – ficava bem no meio desta rua, que subia, subia e continuava subindo. Ao pé da mesma, estava a igreja católica, cuja padroeira era a Santa Rosa de Lima. E antes de continuar a andar pela “cidade”, quero parar um pouco por aí. Era uma igreja como outra qualquer, branca, com uma torre, etc. Deve ter mudado desde então. 
Toda tarde, às seis, algo muito especial acontecia. Nessa época, a esta altura do dia, as pessoas estavam começando a encerrar as atividades, fechar o comércio, ir de volta para casa. Então, com uma pompa e força inusitadas para todos, soava o “Concerto no. 1 para Piano e Orquestra de Tchaikovsky”. O som saía das torres da pequena igreja e ecoava pelas montanhas, pelas ruas, entrava nas casas, ia, ia, para além das fronteiras do nosso bairro. Era vibrante, imponente, poderoso, sensacional. Enchia os ouvidos, o ar e a alma. Se você não conhece esta peça, está intimado a ouvi-la. É incompreensível que um ser humano passe a vida sem tê-la ouvido pelo menos uma vez. É uma peça musical grandiosa, não sei como o compositor conseguiu se inspirar tanto assim...Depois de algum tempo, o som ia diminuindo, sem desaparecer, no entanto. Entrava então  a voz de um locutor, altivo, pomposo: “Ao som deste prefixo musical, vai ao ar o Serviço de Alto-Falantes da Paróquia da Santa Rosa de Lima de Perus”. Não podia haver nada mais solene do que isto. Naquele momento Perus e sua paróquia eram mais importantes que o Vaticano, que Roma, que Aparecida do Norte, Brasília ou Rio de Janeiro. Éramos insuperáveis. Tudo parava por alguns segundos, pelo menos na minha imaginação. Nem sei o que o locutor falava depois. Talvez banalidades, anúncios locais... Não importa. Naquela hora era Tchaikovsky, e  Tchaikovsky  era o papa. Ele nos aproximava de Deus, mais do que qualquer sermão, livro, exortação. Era um momento simplesmente lindo. Um momento mágico, infinito enquanto durava (Vinícius, com licença) .
O locutor era meu irmão. Ele faleceu há algum tempo atrás e entre as inúmeras coisas boas e bonitas de que me recordo a seu respeito, essa foi a mais apropriada que achei para homenageá-lo. Como dizem meus filhos, “era a cara dele”...