Recontando...
Leonardo
abriu a porta da garagem, deu partida no carro e saiu. Estava com pressa. Uma
mão no volante, outra segurando o café quente. O dia no escritório iria ser
agitado. Duas entrevistas com os dois candidatos finais para o cargo de
encarregado do setor de informática. Uma decisão importante. Depois, uma
reunião mais importante ainda com uma pequena empresa que iria contratar os
serviços de sua firma. Estariam garantidos para os próximos dois anos. Estava
pensando como havia dias em que várias coisas decisivas aconteciam de uma vez.
Este era um daqueles. Estava absorto nesses pensamentos quando o celular tocou.
Fez uma ginástica danada, colocou a caneca de café no console e atendeu. Era
sua esposa. Não era para ele se esquecer de novo das pequenas compras que
pedira. Desta vez tinha colocado a lista na sua carteira. Tinha visto? Leonardo fez mais um pouco de ginástica e
pegou a carteira. Viu a pontinha do papel amarelo em que ela escrevera. Colocou-a em cima do painel, assim lembraria de pegá-lo quando chegasse no
estacionamento, colocaria a mesmo em cima de sua mesa de trabalho e
pronto...Não havia como esquecer.
Despediu-se
da esposa. Na mesma fração de segundo em que desligava o telefone, uma curva se
aproximava. Ao virar, a carteira escorregou no painel e veio cair sobre a alavanca que aciona o limpador de
parabrisa, que imediatamente começou a agitar-se freneticamente. Ato contínuo e
automático, Leonardo tenta desligar a alavanca, e ao fazê-lo, derruba o café
sobre sua perna. Com tanta distração, a
curva ficou muito aberta e ele avançou cerca de um metro na pista contrária.
Por uma daquelas coisas inexplicáveis na vida, um caminhão enorme vinha vindo
e...acertou em cheio o carro de Leonardo, que capotou. Sua cabeça bateu forte
no teto do carro. Além disso seu pescoço foi para frente e para trás...Enfim,
Leonardo ainda chegou a entrar na ambulância, que veio logo, mas cinco minutos
depois morreu. O caminhão deveria ter parado para pôr combustível 500 ms antes,
mas no último segundo, o motorista resolveu passar direto. No próximo posto, o
diesel era um pouco mais barato.
No
escritório não houve reunião, não houve contrato, e os candidatos à vaga de
gerente de informática foram dispensados. Além do mal maior, a morte de nosso
personagem, a pobre Lúcia e o Ronaldo deixaram de arrumar um emprego. Um deles
não ia conseguir de qualquer jeito. A firma que iria fazer o contrato de
serviços perdeu um excelente negócio. Havia muitas outras consequências. E
consequências das consequências. Tudo isso sem falar na família do Leonardo,
que obviamente iria arcar com a maior parte das desgraças. Ele bem que poderia ter
sido mais cuidadoso. E a esposa bem que poderia ter esperado um pouco para
ligar. Mas não adianta falar. É assim que as coisas acontecem, é assim que a
vida das pessoas muda todos os dias. Cada pequena ação pode ter inúmeras
consequências e que vão afetar inúmeras pessoas. Nesse caso, tudo foi por causa
do telefonema da esposa. Se ela tivesse esperado Leonard ter chegado ao
escritório, por exemplo, nada disso teria acontecido...
Mas,
espera aí...Esta história é minha, posso mudá-la do jeito que quiser. Isso mesmo, vou mudá-la, desculpem o
transtorno.Tudo está muito triste. Teresa, a esposa resolveu não telefonar. Ao
contrário, queria ver se Leonardo era um marido atencioso, se iria se lembrar
das compras. Pois bem, nessa nova história, infelizmente Leonardo não se
lembrou do pedido da esposa, chegou à noite em casa de mãos vazias. Briga.
Marido sem atenção, só pensa na firma, a casa não é importante..Uma discussão enorme por causa de nada. Ela até ensaiou um começo
de choro. Mal sabe ela que tinha evitado algo muito pior. Entre outros
benefícios, a firma de Leonardo conseguiu aquele contrato espetacular, o
Ronaldo conseguiu um emprego e, por cima, o garçom do restaurante “La Traviata”
onde Leonardo foi almoçar para comemorar os bons negócios feitos, recebeu uma
gorjeta que há muito não recebia. Bem melhor, hein?? Mas se você é pessimista,
fatalista, trágico, melodramático, está bem, pode ficar com a primeira
história. Não falam por aí que existem mundos paralelos? Mas não se esqueça de
fazer todas as adaptações, medir todas as consequências. Eu já mudei a minha
história não vou voltar lá, noutro mundo, para acertar detalhes...E não se
esqueça, você vai precisar arrumar um emprego para o Ronaldo e a Lúcia (com
essa crise não vai ser fácil)...Não me venha com essa história de que eles
compraram um bilhete de loteria e...os leitores não vão acreditar! De qualquer
forma, o outro enredo é seu, não vou me intrometer!
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