As
Lamentações da Laurinda
Renato era um bom sujeito. Honesto, sincero, fiel e
trabalhador. Além disso, ele era muito paciente. Ah, isso ele era sim.
Laurinda, sua mulher, também era uma boa pessoa. Defeito grave não tinha
nenhum. Estavam beirando os quarenta anos, sendo que ele estava beirando mais
do que ela. De casados tinham quase vinte. Eles se davam bem no geral. É verdade que isso se devia mais ao Renato do
que à Laurinda. Ele havia aprendido algo muito importante com seu pai. Quando
brigar com a mulher, não brigue. Quero dizer, deixe que ela fale, só escute.
Por mais absurdo e injusto e sem sentido que seja o que ela estiver falando,
não responda. É a pior coisa que se pode fazer.
E por falar em coisas sem sentido, Laurinda era boa nisso. A maior parte
das coisas das quais ela reclamava tinha absoluta ausência de lógica. Era algo
de sua personalidade. Ela precisava do confronto como precisava do alimento e do ar. Pelo menos uma
vez por semana – às vezes duas – ela fazia uma cena. Vinha com uma história
qualquer e começava a tirar satisfação do coitado do Renato. Uma semana era que
ele deveria pedir aumento para o patrão. Que absurdo, ele trabalhava como um
camelo, era um bom funcionário, etc., etc...Que patrão abusa mesmo, ele teria
de fazer algo. O que ele estava pensando?
Na semana seguinte o tema era que o marido deveria ser mais social,
convidar casais amigos para almoçar em casa, visitá-los, etc. Mais uma semana e
vinha a história de que nunca tinham feito uma viagem decente. Que tipo de vida era
aquela? E ela falava, falava. Renato, sabiamente – lembrava-se dos conselho do
pai – não dizia uma só palavra. A cara
tinha de ser neutra, totalmente. Um sorriso, insignificante que fosse, poderia
ser considerado cinismo, um desrespeito total. Uma cara de bravo ou emburrado
seria ainda mais motivo para uma fúria avassaladora por parte da interlocutora.
Não tinha jeito. Mesmo assim, depois de desfilar todos os argumentos e enumerar
todas as lamentações, ela acabava sempre falando que ele tinha uma cara de
indiferença, que ele não ligava para suas queixas, para suas preocupações
e...vinha mais uma ladainha. Semana após semana, mês após mês, ela não dava folga, pobre do Renato.
Finalmente um dia, Renato tomou uma atitude. Laurinda
tinha ido passar o final de semana na casa dos pais. Ele não poderia ter ido
pois tinha de fazer hora extra no
sábado. O que ela não sabia é que não havia nada de horas extras. O marido
tinha outros planos.
Quando ela voltou para casa no domingo à noite, pronta
para apresentar novos temas de reclamação que ela havia cuidadosamente preparado em sua mente
no final de semana, viu que o carro do Renato não estava na garagem. Entrou e
logo viu sobre a mesa da sala um envelope.
Algumas contas, algumas instruções. Renato havia deixado um cheque com
metade do dinheiro que tinham em conta-corrente, metade da poupança. A casa pertencia aos pais de
Laurinda, não haveria problema. Ele, acima de tudo, era um homem justo. Não
havia explicações adicionais, reclamações, justificativas, pedidos ou mensagens
de perdão. Nada. Tudo muito lacônico. Mais tarde ela ficou sabendo que ele
tinha pedido as contas na firma há alguns dias atrás. Nunca mais se ouviu falar
de Renato. Tinha desaparecido como um fantasma.
Laurinda não se sentiu humilhada, nem traída, nem nada.
O único sentimento que a comeu por dentro foi a frustração de não poder mais
reclamar. Sentia uma falta danada de não ver mais ali o paciente Renato ouvindo
suas reinvidicações. Nesse aspecto Renato realmente havia sido cruel...
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