Monday, July 30, 2012

As Lamentações da Laurinda



As Lamentações da Laurinda

Renato era um bom sujeito. Honesto, sincero, fiel e trabalhador. Além disso, ele era muito paciente. Ah, isso ele era sim. Laurinda, sua mulher, também era uma boa pessoa. Defeito grave não tinha nenhum. Estavam beirando os quarenta anos, sendo que ele estava beirando mais do que ela. De casados tinham quase vinte. Eles se davam bem no geral.  É verdade que isso se devia mais ao Renato do que à Laurinda. Ele havia aprendido algo muito importante com seu pai. Quando brigar com a mulher, não brigue. Quero dizer, deixe que ela fale, só escute. Por mais absurdo e injusto e sem sentido que seja o que ela estiver falando, não responda. É a pior coisa que se pode fazer.  E por falar em coisas sem sentido, Laurinda era boa nisso. A maior parte das coisas das quais ela reclamava tinha absoluta ausência de lógica. Era algo de sua personalidade. Ela precisava do confronto como  precisava do alimento e do ar. Pelo menos uma vez por semana – às vezes duas – ela fazia uma cena. Vinha com uma história qualquer e começava a tirar satisfação do coitado do Renato. Uma semana era que ele deveria pedir aumento para o patrão. Que absurdo, ele trabalhava como um camelo, era um bom funcionário, etc., etc...Que patrão abusa mesmo, ele teria de fazer algo. O que ele estava pensando?  Na semana seguinte o tema era que o marido deveria ser mais social, convidar casais amigos para almoçar em casa, visitá-los, etc. Mais uma semana e vinha a história de que nunca tinham feito  uma viagem decente. Que tipo de vida era aquela? E ela falava, falava. Renato, sabiamente – lembrava-se dos conselho do pai – não dizia uma só  palavra. A cara tinha de ser neutra, totalmente. Um sorriso, insignificante que fosse, poderia ser considerado cinismo, um desrespeito total. Uma cara de bravo ou emburrado seria ainda mais motivo para uma fúria avassaladora por parte da interlocutora. Não tinha jeito. Mesmo assim, depois de desfilar todos os argumentos e enumerar todas as lamentações, ela acabava sempre falando que ele tinha uma cara de indiferença, que ele não ligava para suas queixas, para suas preocupações e...vinha mais uma ladainha. Semana após semana, mês após mês, ela não dava  folga, pobre do Renato.
Finalmente um dia, Renato tomou uma atitude. Laurinda tinha ido passar o final de semana na casa dos pais. Ele não poderia ter ido pois tinha de fazer  hora extra no sábado. O que ela não sabia é que não havia nada de horas extras. O marido tinha outros planos.
Quando ela voltou para casa no domingo à noite, pronta para apresentar novos temas de reclamação que ela  havia cuidadosamente preparado em sua mente no final de semana, viu que o carro do Renato não estava na garagem. Entrou e logo viu sobre a mesa da sala um envelope.  Algumas contas, algumas instruções. Renato havia deixado um cheque com metade do dinheiro que tinham em conta-corrente, metade da  poupança. A casa pertencia aos pais de Laurinda, não haveria problema. Ele, acima de tudo, era um homem justo. Não havia explicações adicionais, reclamações, justificativas, pedidos ou mensagens de perdão. Nada. Tudo muito lacônico. Mais tarde ela ficou sabendo que ele tinha pedido as contas na firma há alguns dias atrás. Nunca mais se ouviu falar de Renato. Tinha desaparecido como um fantasma.

Laurinda não se sentiu humilhada, nem traída, nem nada. O único sentimento que a comeu por dentro foi a frustração de não poder mais reclamar. Sentia uma falta danada de não ver mais ali o paciente Renato ouvindo suas reinvidicações. Nesse aspecto Renato realmente havia sido cruel...

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