Rua das Morangas, 629
Maurício gostava de
correr logo cedo. Naquela manhã o ar parecia mais gostoso, parecia mais
volumoso. Ia passar agora por aquela sequência de casas antigas, todas com
frondosas árvores na frente.
Notou de repente que, numa delas, logo adiante, havia uma senhora de idade na porta. Parecia
fazer um sinal para ele. Não tinha
certeza de que era com ele. Sem saber
como agir, continuou a andar. Havia alguma coisa de diferente nela, mas não
sabia dizer o quê.
No dia seguinte,
excepcionalmente, não fez os exercícios de costume. Precisou ir ao trabalho de
manhã. Um dia depois, no entanto, lá estava ela novamente, como se o estivesse
esperando. Dessa vez estava quase na calçada. Não houve jeito, Maurício teve de
parar.
Disse que precisava de
ajuda, se poderia entrar. Ela parecia
estar sendo sincera e, além do mais, era certamente inofensiva. Entrou. Ela fez
sinal para que ele sentasse. Foi até o quarto e trouxe na mão a foto de uma
mulher. Mostrou-a para o Maurício explicando que era sua filha. Tinha 22 anos,
morava perto dali e seu nome era Valdívia Monteiro de Albuquerque. Quase
chorando, disse que ela estava em apuros e que seu namorado, Leno, era o
culpado. Precisava ajudá-la, era sua filha. Pediu, pelo amor de Deus, que ele
passasse lá para dar uma olhada. Passou-lhe um bilhetinho com o endereço.
Beijou a mão de Maurício e repetiu: “Me ajuda, pelo amor de Deus!”
Maurício estava
perplexo e impressionado. Ao sair, ela ainda falou: “Obrigado. Meu nome é
Anastácia.” Ele virou-se, fez um sinal
com as mãos e viu o número da casa: 629. Ali era a Rua das Morangas, 629.
Naquele mesmo dia não
havia nada que ele pudesse fazer. O endereço que a mulher lhe dera era distante
uns 18 quilômetros dali e já estava na hora de ir para o trabalho.
No dia seguinte, ao
invés de sair para andar, pegou o carro e se dirigiu para o endereço dado pela
velha senhora. Conhecia um pouco a região mas não se lembrava especificamente
daquela rua.
Depois de meia hora e
um pouco de trânsito, finalmente dobrou à esquerda e em segundos estaria na
casa da Valdívia. Para sua surpresa, logo a frente, havia um aglomerado de
pessoas e um carro de polícia com as luzes de cima acesas, piscando. Estacionou
na calçada e já foi perguntando...
-O senhor não sabe? A
moça que estava desaparecida...? Acharam seu corpo, todo desfigurado. Já sabem
quem é o assassino, um tal de Leno, acho que é seu namorado.
Maurício quase teve um
enfarte com o susto. Atormentado, foi trabalhar, sentindo uma culpa enorme no
peito. Durante o dia, tentou se consolar dizendo que não havia como ele prever
uma coisa daquelas. No intervalo, mais tarde, assistiu ao noticiário na TV.
Estava em todos os canais. Valdívia morava sozinha, não tinha família. Uma
colega reparou que ela estava faltando no trabalho e na faculdade há mais de
dez dias. Sabia também da personalidade violenta do Leno. Foi até a polícia.
Interrogaram duro o Leno e ele acabou confessando tudo, inclusive onde estava o
corpo.
Não tinha família?
Será que ela não sabia que a mãe era viva e morava na mesma cidade? Resolveu
visitar a dona Anastácia no dia seguinte. Ia ser duro, mas precisava.
Chegou bem cedo, a
casa estava toda fechada, Tocou a campainha, bateu na porta, nada. Andou até a
porta de trás, nada. Quando estava voltando para a frente encontrou uma senhora
que vinha em sua direção. “O senhor deseja alguma coisa?”, perguntou. Ele explicou a situação.
A vizinha, que na
verdade cuidava da casa para a família, ficou bem surpresa. Da filha Valdívia,
ela ficou sabendo, viu nos jornais. Entretanto estava desconfiada da história que
o Maurício contou sobre a dona Anastácia. Ela perguntou se ele era algum
repórter que estava usando uma desculpa para entrar na casa. Diante da negativa
do Maurício, a vizinha explicou: “O senhor deve ter visitado outra casa. Esta
aqui está fechada há mais de dez anos. Além disso, a dona Anastácia, mãe da
Valdívia, também morreu há mais de dez anos.”
Maurício estava muito
confuso com a história. Foi até a prefeitura e pesquisou a casa da Rua das
Morangas 629, pesquisou a história da dona Anastácia. Era verdade o que a
vizinha estava dizendo. A casa estava fechada
há mais de dez anos e a dona Anastácia havia falecido na mesma época.
Foi até o cemitério e aí teve mais uma confirmação: lá estava o túmulo da da
senhora Anastácia Monteiro de Albuquerque. Com fotografia e tudo. E aí seu
coração gelou de novo. A foto mostrava exatamente a mesma mulher com quem
falara há dias atrás.
Com o tempo, Maurício
foi conseguindo por a história para trás. Dizia para si mesmo que foi uma
alucinação, um sonho. Qualquer coisa assim. Mas esquecer, ele nunca esqueceu,
não...
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