O
último raio de sol
Estava
fazendo um ano desde que as intempéries finalmente haviam cessado e a face da
Terra se estabilizado. Era uma estranha era de sombras e cinzas. Vinha um calor
do espaço, mas muito raramente se via a luz do sol. Três quartos das espécies
vegetais e animais haviam sumido completamente. Havia o perigo de alguns
animais que, depois de terem sobrevivido, tinham pouco alimento e tentavam
atacar os humanos. Das espécies vegetais que tinham sobrado, muitas estavam
imprestáveis e haviam se tornado tóxicas. Apenas um oitavo da espécie humana tinha
resistido à brutal experiência e vagava em partes dispersas do mundo, tentando
sobreviver. O perigo estava em toda a parte.
Doze
grandes meteoros haviam atingido a Terra, causando um total desequilíbrio por
toda a parte. Tsunamis de proporções inconcebíveis, chuvas tóxicas e poeira
contaminada haviam devastado tudo. Incêndios bárbaros tinham consumido a maior
parte das matas. Uma densa camada cinza, formando uma imensa nuvem escura,
cobria toda a paisagem. Humanos, agora quase animais, moravam nos restos das
poucas moradias que haviam sobrado.
Migravam o tempo todo em busca de alimentos e de um meio ambiente melhor.
O nascimento de Tales, quase
8 meses após o “apocalipse” foi praticamente um milagre. Os casos de mulheres
grávidas que conseguiram manter seus filhos no ventre durante os primeiros
meses após o “evento” eram raríssimos. Evandro e Raíssa, os pais, nem
acreditavam quando ele nasceu praticamente perfeito, apenas desnutrido e
mirrado. O leite da mãe foi fundamental para sua sobrevivência.
Tinham finalmente conseguido
um bom lugar para ficar. Uma espécie de condomínio, não muito longe do mar. Na verdade, moravam
no pouco que tinha restado. Era um lugar alto, não tinha sido atingido pela
massiva invasão das águas do mar. As praias, que antes estavam a cerca de
quarenta quilômetros, agora tinham desaparecido. A água estava ali perto, a
menos de 700 metros, interrrompida apenas pelas colinas. Havia pouca gente que tinha
descoberto aquela região para morar e a situação estava tranquila agora. Tinham
conseguido separar algumas mudas de
planta para cultivar. Cada três ou quatro dias, um sol fraco e tímido ousava se
espalhar sobre a paisagem. E, muito importante, havia água potável.
Os três, os pais e a
criança, passavam muito tempo juntos. Havia muita conversa. Embora Tales fosse
muito pequeno para entender, os pais contavam muitas histórias de antes do
evento. Lá no fundo, repetiam as coisas mais para si mesmos, para não se
esquecerem do tempo maravilhoso que tinha havido antes e para o qual, na época,
não davam valor nenhum. Na verdade, quem mais falava era o Evandro. E do que
mais falava era do por de sol e das
lindas alvoradas. Ele sempre gostara de olhar para o horizonte no nascer e no final
do dia. Tinha saudades. Agora quase só
havia o cinza do dia e o escuro da noite.
Às vezes parecia até que ele
estava sonhando ou delirando. Falava do tom laranja, rosa, cor de ouro, das
nuvens banhadas pelo sol que se punha. Falava dos raios solares, rebeldes,
escapando por entre as nuvens, rasgando o céu, reverberando no espaço. Era como
se Deus pintasse um novo e maravilhoso quadro todos os dias. As manhãs eram
parecidas, mas tinham cores mais fortes, mais brilhantes. Falava dos filamentos
de ouro no céu, desenhados pelos aviões por causa da diferença de temperatura e
do banho que tomavam da luz solar. Aquilo era um sonho, um brinde da natureza.
Agora não havia mais nada, nem mesmo os aviões. Tudo estava, porém, em suas
lembranças e dentro de suas almas.
Por algum motivo, Raíssa não
gostava de quando ele se empolgava com a descrição. Talvez achasse que aquilo
era dar falsa esperança para o pequeno Tales, de que um dia aqueles lindos
quadros, pintados por Deus, pudessem voltar. Talvez achasse que era mais sadio
se conformar com a nova situação. Talvez achasse que aquilo fosse doentio, uma
maneira insana de enfrentar este novo e triste mundo, esta nova realidade.
Evandro, entretanto,
conhecia bem sua mulher. Sabia que ela nunca fora de perder tempo em olhar
essas cores maravilhosas da natureza. Com certeza, ela nunca tinha notado essas
mudanças no céu, que ficava salpicado de dourado e de tons róseos. Ela tinha
passado a vida de antes do “evento” sempre ocupada com outras coisas, sem ligar
para a natureza. Agora tinha raiva do que o marido sentia, das lembranças que
ele podia ter.
Dentro de seu coração,
Evandro sabia, ela tinha inveja das suas recordações. O seu cérebro era o único
lugar onde agora havia o dourado e inesquecível equilíbrio de tons e brilhos do
poente e do nascente. E Evandro estava determinado a jamais deixar um só raio,
sequer, desaparecer de sua memória. Por isso contava e recontava cada espasmo
de luz que tinha visto, através dos dias,das horas e dos minutos...
No comments:
Post a Comment