Admirável mundo novo
O que eu ouvi inicialmente foram algumas vozes
distantes, conversas que não conseguia entender. Havia também ruídos, sons de
metal, de rodas no chão. Senti um cheiro que eu conhecia, mas não sabia de
onde. Meus olhos estavam fechados, mas eu conseguia perceber que havia luz. Por
mais que me esforçasse, não conseguia soltar minhas pálpebras, elas pareciam
estar coladas.
Fiquei assim algum tempo. Tentei mexer as mãos
e os pés, mas nada. Podia senti-los, no entanto. O que faltava era força.
Talvez por isso não conseguisse também abrir os olhos. Tentava com muito
esforço entender o que estava acontecendo, mas minha memória não me ajudava
muito. Estava absorto nesses pensamentos confusos quando ouvi alguém
gritar:
-Ele voltou, ele voltou!!!
Demorou um pouco para eu entender que estavam
se referindo a mim. Logo depois ficou bem claro que eu era o objeto do
alvoroço. Notei que havia muitas pessoas ao meu redor. Alguém, deveria ser o
médico, pegou meu pulso, começou a fazer perguntas. Estava confuso, queria
responder, mas não conseguia. Fiquei frustrado. Acho que havia gente chorando na
sala. Depois vieram outras pessoas. Todos falavam alto, animados. Vez ou outra
pedia-se silêncio. Foi aí que me deu um sono irresistível e eu dormi novamente.
Impossível eu saber quanto tempo se passou. O
que sei é que, quando acordei novamente, havia poucas pessoas na sala e elas
estavam conversando. Acho que não perceberam que eu estava ouvindo. Falavam
coisas como “Como será que ele vai reagir?”, “Nossa, é muito tempo”... e
inúmeras coisas do gênero. Entretanto o que captou minha atenção foi quando
alguém comentou qualquer coisa de “mundo novo”. Imediatamente me veio à
lembrança o nome de um livro que eu havia lido: “Admirável Mundo Novo”. Eu me
lembrei até do autor: “Aldous Huxley”. A memória da gente é uma coisa
estranha... Com tanta coisa para me lembrar, fui me lembrar de um livro. Por
enquanto, era a única coisa de que me recordava. Estava tentando trazer à minha
mente a história quando algo que eu ouvi chamou ainda mais minha atenção. Alguém
falou: “Parece incrível, 19 anos...” Eu demorei um pouco para digerir mais
esta. Dezenove anos? Esse era o tempo durante o qual eu estivera dormindo?
Impossível... Mas depois ouvi outras vezes. Ouvi também “coma de dezenove anos”.
Ouvia também coisas como “Como ele vai reagir?”
Chegou mais alguém, mais tarde, que perguntou:
-Alguma novidade?
-Nada, tudo no mesmo. À s vezes parece que ele
quer falar, mas depois não sai nada...
Esse alguém que chegou parecia estar
especialmente interessada em mim. Era uma voz de mulher. Minha mulher? Minha
filha? Dali a pouco ela estava sussurrando no meu ouvido:
-Eu sei que você pode me ouvir. Estamos todos
te esperando. O mundo mudou muito nesses quase 20 anos, mas nós não. Nós
continuamos te amando do mesmo jeito, até mais. Vai ser difícil você entender
tudo. Mas nós vamos ajudar. Eu vou te ajudar muito. O mundo está muito
diferente, você vai estranhar as pessoas na rua...
E ela continuou:
-Todo mundo tem um telefone no bolso agora. As
pessoas falam o tempo inteiro. Mandam até fotos por telefone. Eu sei que você
vai gostar muito disso tudo. Especialmente você que era ligado em coisas do
futuro. A internet, então, você não vai acreditar. Estamos felizes que você
voltou...
E as palavras continuavam. Agora pareciam mais
distantes um pouco. Pareciam música, às vezes. Eu estava gostando...
Eu estava muito confuso, mas ao mesmo tempo
admirado, excitado. Eu sentia que estava melhorando, que logo, logo, estaria
mexendo meus braços e minhas pernas.
Não via a hora de ver esse “mundo novo”, na
verdade esse “admirável mundo novo”. Gozado
que entre tantas coisas que certamente havia para lembrar, eu só me lembrava do
livro. Mundo novo, mundo admirável....
ooooOOOoooo
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