O Sorriso da Tia Sílvia
Quando eu era pequeno – nos gloriosos anos 60 – não havia muita
coisa para a meninada fazer: praticamente não havia televisão e a Internet
ainda não aparecia nem nos projetos de ficção científica. Por não haver nada,
tínhamos de imaginar e fazer tudo. É claro que havia os eventos especiais.
Volta e meia um parque de diversões ou um circo aparecia pela cidade. Eram
sempre mambembes, mas para nós eles eram o máximo. O duro era conseguir os
trocados necessários para as entradas. No entanto sempre dávamos um jeito. Os
filhos dos privilegiados, que tinham um bom emprego, simplesmente pediam para os
pais. Outros, como eu, inventavam alguma coisa como vender pinhão cozido na
entrada do circo. Eu me lembro que a medida era uma latinha de tomate vazia.
Não me lembro por quanto vendia o pinhão, mas uns dois dias de trabalho eram
mais do que suficientes. Era uma época memorável. Tudo, desde o momento em que
os caminhões encostavam para descarregar o equipamento, o pessoal se mexendo
para arrumar, até o dia do primeiro espetáculo. Depois eles iam embora e tudo
voltava ao normal. Para os dias normais, no entanto, nós tínhamos os gibis. O
Fantasma, o Zorro, o Homem Aranha, o Rocky Lane, nossa que variedade! E o
Mandrake então? Era um dos favoritos. Claro que não havia dinheiro para tudo
isso, trocávamos, emprestávamos, dávamos um jeito. Nesse aspecto eu era um
felizardo. Na casa de minha tia Sílvia havia centenas de gibis. Também ela
tinha 5 filhos homens, até que dava para entender. A casa dela não era muito
perto, mas eu sempre dava um jeito para chegar até lá. Caixas e caixas de gibis.
Um tesouro incalculável. Ah! Os almanaques!
Eu mergulhava nas capas, nas histórias, lia e me deliciava. Ela
sempre precisava me mandar embora, pois mãe que era, sabia que a minha iria se
preocupar e naquela época nem pensar em telefone. Celular então... seria
esquisito até em filme de ficção. Mas
tudo que tia Sílvia fazia, ela fazia com um sorriso. Aliás, ela estava sempre
sorrindo. Não sei o que foi que Deus fez – quando a fez – que a fez com um
sorriso permanente. E vou dizer, aquele sorriso era bonito, gostoso, suave e
não dá para esquecer. Transmitia uma paz, uma serenidade que nunca mais vi em
pessoa nenhuma. E agora eu sei, ela sofria como os outros, mas sorria como
ninguém, não sei como ela conseguia. Você nem pode imaginar como tenho saudades
daquele sorriso. Se eu pudesse fazer um livro da minha infância, a capa seria a
foto com o rosto colorido da tia Sílvia sorrindo... Deus caprichou naquele
sorriso.
Nunca mais a vi. Agora que já cresci e penso melhor, fico pensando se, na verdade, a
principal razão de eu ir até lá era o sorriso e não os gibis. E olha que os
gibis eram importantíssimos. O fato é que ainda hoje sinto saudades daquele
sorriso, o sorriso da minha tia Sílvia.
ooooOOOoooo
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